Rodrigo França: A audácia do racismo em uma
roda de samba
A noite na Praça
Tiradentes parecia encantada. O samba fluía como um rio de alegria, suas ondas
de música e dança envolviam a multidão que se reunia para celebrar. A roda de
samba do Pede Teresa, ponto de encontro cultural, pulsava com a energia de
vozes e instrumentos que ecoavam a ancestralidade e a resistência do povo
negro. O ar vibrava com risos, cantos e a percussão envolvente que fazia o chão
parecer dançar junto.
No entanto, no meio da
celebração, uma sombra de desrespeito se manifestou. Entre os que dançavam e se
deixavam levar pela música, um casal, ambos brancos, se destacava. Eles não
estavam ali para celebrar, mas para profanar. Em meio à multidão, começaram a
imitar gestos e sons de macacos, uma ofensa racista que contrastava brutalmente
com o espírito de união e respeito que a roda de samba encarnava.
O homem e a mulher,
rindo de forma que seus ecos cortavam o ar da noite, executavam seus movimentos
com um desprezo silencioso, mas ensurdecedor. A mulher fingiu tirar algo da
cabeça do companheiro e colocar na boca, uma cena que remetia a um racismo visceral,
antigo e doloroso. Eles pareciam alheios ao impacto de seus atos, mas suas
ações não passaram despercebidas.
Os tambores
continuaram, mas o ritmo perdeu a inocência por um momento. Olhares incrédulos
e indignados se voltaram para o casal, testemunhando um ato que nenhum dos
presentes esperava ver naquele espaço de celebração e resistência. A câmera do
telefone da jornalista Jackeline Oliveira capturou o momento, congelando o
desrespeito em imagens que mais tarde se espalhariam como fogo pelas redes
sociais.
A roda de samba, lugar
de encontro e celebração da cultura negra, viu-se manchada por um ato de
racismo explícito, relembrando a todos que o racismo não dá descanso, mesmo na
hora do descanso.
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Ao perceber o ato
racista, os seguranças deveriam ter conduzido o casal diretamente à polícia,
possibilitando que a lei fosse aplicada sem hesitação. Esse tipo de ação
imediata e resoluta não só interromperia a ofensa, mas também enviaria uma
mensagem nítida: o racismo não será tolerado e será tratado como o crime que é.
Naturalizar tal ato é
uma traição aos valores de respeito que a roda de samba representa. Permitir
que a noite continuasse como se nada tivesse acontecido não só perpetua a
violência simbólica, mas também desrespeita todos os presentes, especialmente
aqueles que se sentiram diretamente ofendidos e desumanizados. O racismo é
crime inafiançável e imprescritível, e não pode ser varrido para debaixo do
tapete de uma celebração.
É vital que todos
saibam que a roda de samba, espaço de resistência e celebração da cultura
negra, não deve permitir que o racismo se perpetue. Precisamos garantir que a
indignação se transforme em ação. Qualquer ato de racismo tudo deve parar até
que alguma providência (lícita) seja feita. Na escola, no trabalho, no mercado
e até mesmo no samba.
<><> Qual
o contexto do racismo ao chamar pessoas negras de macaco?
A história de chamar
pessoas negras de “macaco” está profundamente enraizada no racismo científico e
no colonialismo europeu, que remontam ao século XVIII. Esse insulto
desumanizante surgiu da tentativa dos europeus de justificar a escravidão e a
colonização, apresentando pessoas negras como inferiores e mais próximas dos
animais do que dos seres humanos. Nesse período, surgiram teorias
pseudocientíficas que buscavam validar a supremacia branca por meio da
biologia.
O conceito de “racismo
científico” foi utilizado para criar hierarquias raciais que colocavam pessoas
de origem africana no nível mais baixo. Essas teorias desumanizavam pessoas
negras, retratando-as como selvagens e associando-as a animais, especialmente
macacos, para sugerir uma ligação evolutiva inferior.
Durante o período de
escravidão transatlântica, desumanizar pessoas negras era um mecanismo crucial
para justificar a brutalidade e a exploração. Os colonizadores europeus usavam
essas comparações para negar a humanidade e os direitos dos africanos escravizados,
facilitando o tratamento cruel e desumano.
Chamar pessoas negras
de “macaco” perpetua a desumanização, um processo que visa retirar a dignidade
e a humanidade de um grupo de pessoas. Essa prática reforça estereótipos
negativos e cria um ambiente em que a discriminação e a violência são mais
facilmente justificadas.
É crucial entender
esse contexto histórico para combater efetivamente o racismo.
A necessidade de que
este caso não fique na impunidade é fundamental para a manutenção da justiça e
do respeito às vítimas do racismo. A sociedade brasileira, marcada por uma
longa história de desigualdade racial, não pode permitir que atos de discriminação
e desumanização sejam tratados com negligência ou leniência.
Punir os responsáveis
por atos racistas é crucial para desencorajar comportamentos semelhantes no
futuro. A impunidade envia uma mensagem de tolerância ao racismo, perpetuando
um ciclo de discriminação e violência. A aplicação rigorosa da lei mostra que o
racismo não será tolerado e que todos são iguais perante a lei.
Caso os criminosos
sejam estrangeiros, é essencial que a Polícia Federal e a Polícia Civil
trabalhem em conjunto para investigar o caso de maneira completa e eficaz. A
cooperação entre essas entidades garante que todos os aspectos legais e
diplomáticos sejam considerados, especialmente se os envolvidos retornarem a
seus países de origem.
Se confirmado que os
criminosos são estrangeiros, um desagravo diplomático (ou uma nota de repúdio)
deve ser emitido pelo governo brasileiro, no mínimo. Esse ato formal demonstra
a seriedade com que o Brasil trata casos de racismo e exige que os países de
origem dos envolvidos tomem medidas apropriadas.
A justiça deve ser
feita de acordo com as leis brasileiras, que preveem punições para atos de
racismo. A condenação judicial dos responsáveis serve como exemplo de que o
sistema jurídico está comprometido com a igualdade e os direitos humanos.
• Associação defende argentina que imitou
macacos em roda de samba
Na manhã desta
terça-feira (23), a Associação Orff-Schulwerk Argentina usou as redes sociais
para defender a professora de música filmada na última sexta-feira (19)
imitando macacos no Centro do Rio, no meio de uma roda de samba.
A mulher é filiada à
AAOrff – órgão que se propõe a promover um programa de educação musical baseado
nas ideias do compositor alemão Carl Orff –, mas estava no Brasil a convite do
Fórum Latino-Americano de Educação Musical. No entendimento da entidade, o que
a professora fez não tem conotação racista na Argentina.
O perfil da AAOrff foi
inundado de críticas de brasileiros depois do incidente. Os administradores da
página desabilitaram os comentários nas postagens.
<><> O que
disse a AAOrff
Diante da grande
quantidade de mensagens recebidas nas redes sociais relacionadas ao vídeo
viralizado recentemente na mídia brasileira, a Associação Orff-Schulwerk
Argentina manifesta:
• Que a Associação Orff-Schulwerk
Argentina é uma associação sem fins lucrativos que não possui empregados nem
presta serviços.
• Que a Associação e seus integrantes
celebram a diversidade e repudiam categoricamente qualquer ato de racismo ou
discriminação.
• Que a professora implicada na situação é
associada à nossa associação há vários anos e participou como expositora em
alguns encontros, mostrando sempre uma grande capacidade de trabalho e
criatividade.
• Que a professora foi ao Brasil a convite
de outro organismo em caráter pessoal, não em representação da Associação
Orff-Schulwerk Argentina.
• Que na Argentina, no contexto de uma
atividade pedagógica, a imitação de animais não tem conotações racistas.
• Que lamentamos profundamente esta
situação, totalmente surpreendente para nós.
• Que a AAOrff seguirá trabalhando para
proporcionar a todos a melhor qualidade de música, com o respeito que todos
merecemos.
<><>
Polícia busca argentina
Investigadores da
Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) apuram se a
professora de música já deixou o Brasil.
Por estar no Rio de
Janeiro para participar do Fórum Latino-americano de Educação Musical, os
policiais acreditam que a mulher – que é professora de música e é de Bueno
Aires – já tenha voltado para seu país de origem. Entretanto, isso não
impediria que ela fosse indiciada futuramente caso comprovasse algum crime.
No final da tarde
desta segunda (22), a Decradi encaminhou um ofício ao consulado argentino no
Rio pedindo informações sobre a passagem da mulher pelo país. Os investigadores
fizeram questionamentos sobre a identidade da suspeita, por quantos duas ela esteve
no Rio e onde ficou hospedada.
Após a repercussão, a
mulher excluiu suas contas na rede social, assim como o brasileiro que a
acompanhava durante o episódio.
Por sua vez, a Polícia
Civil já identificou o homem que aparece dançando e imitando macacos junto com
a mulher. Ele será intimado e terá que prestar esclarecimentos nos próximos
dias.
O caso está sendo
investigado como racismo.
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Outros argentinos fazendo gestos racistas
Alguns dos seguranças
que trabalhavam na roda de samba do Pede Teresa, no dia da dança que está sendo
considerada racista, afirmaram aos organizadores que outros argentinos também
imitaram macacos na saída do evento.
Esses seriam outros
casos de racismo no mesmo local, além do ato flagrado pela jornalista Jackeline
Oliveira, que gravou um casal imitando gestos e sons de macacos enquanto
músicos se apresentavam no samba.
Segundo o músico e
organizador da roda de samba Pede Teresa, Wanderson Luna, os seguranças serão
ouvidos na delegacia que investiga o caso de racismo.
"A delegada falou
que seria importante o depoimento dos seguranças que viram. A gente foi entrar
em contato com os seguranças para tentar entender melhor e pegar mais
informações. Eles falaram que havia outros argentinos imitando macacos na saída
do evento", relatou Luna.
No vídeo gravado
durante o samba é possível ver que o casal flagrado começa a imitar macacos de
forma chamativa, no meio de outras pessoas e durante a apresentação dos
músicos.
Eles pulam e fazem
barulhos como macacos. Em determinado momento, a mulher chega a fingir que cata
alguma coisa na cabeça do companheiro e come, imitando mais um gesto comum dos
macacos.
O g1 entrou em contato
com a embaixada e com o consulado da Argentina no Brasil. No entanto, até a
publicação da reportagem os órgãos consulares não haviam respondido aos
questionamentos.
Fonte: Metrópoles/g1
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