sexta-feira, 26 de julho de 2024

Às vésperas da eleição na Venezuela, Maduro sobe o tom e Brasil reage

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou, nesta quarta-feira (24), que não irá enviar observadores para acompanhar a eleição presidencial da Venezuela, que acontecerá no domingo (28). A decisão é uma reação às últimas críticas do presidente venezuelano Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido) ao sistema eleitoral brasileiro.

Na terça-feira (23), o mandatário venezuelano afirmou que seu país tem “o melhor sistema eleitoral do mundo”, com 16 auditorias. “Onde mais no mundo se faz isso? Nos Estados Unidos? O sistema eleitoral é inauditável. No Brasil? Eles não auditam um único registro”, disse em comício.

De fato, como já informado pela ComunicaSul, o sistema eleitoral na Venezuela “trata-se, se não do mais seguro, de um dos mais seguros em todo o mundo”. No caso do Brasil, Maduro afirmou que não há auditoria uma vez que não há comprovante físico do voto, ao contrário da Venezuela. Contudo, TSE brasileiro já explicou que, apesar disso, há vários níveis de auditagem no país que tornam o sistema  confiável.

“Em face de falsas declarações contra as urnas eletrônicas brasileiras, que, ao contrário do que afirmado por autoridades venezuelanas, são auditáveis e seguras, o Tribunal Superior Eleitoral não enviará técnicos para atender convite feito pela Comissão Nacional Eleitoral daquele país para acompanhar o pleito do próximo domingo“, afirmou o TSE em nota.

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Para o historiador, Fernando Horta, Maduro foi equivocado ao subir o tom contra o Brasil, tendo em vista o papel democrático do presidente brasileiro na América Latina. 

“Na América Latina não há hoje um fiel democrata, um símbolo designativo de estrutura democrática, mais do que o apoio do presidente Lula e isso seria suficiente para que o Maduro entendesse o tamanho da bobagem que fez (…) Maduro jamais deveria abrir guerra contra o Brasil”, afirmou Horta, em entrevista ao jornalista Luís Nassif, no programa TVGGN 20H, exibido na noite de ontem (24), no Youtube

·        Interpretações e equívocos

Diante da proximidade das eleições venezuelanas, Maduro tem feito declarações um tanto quanto polêmicas. No fim da semana passada, ele afirmou que se não ganhar a eleição, haverá um “banho de sangue” na Venezuela.

A grande mídia brasileira tem tratado a fala como uma ameaça. Horta, no entanto, pondera que há outras interpretações, como tem colocado apoiadores do líder venezuelano. “O Maduro disse exatamente isso: ‘se eles ganharem – obviamente a extrema direita -, haverá um banho de sangue’. Agora, quem dará esse banho de sangue? Tudo fica na péssima construção que o Maduro fez da frase“, pontuou o especialista.

“É possível se interpretar essa frase da forma como os apoiadores de Maduro estão, dizendo que ele denunciou a violência que virá por uma oposição caso ele perca a eleição. Mas também é possível entender essa frase a partir da interpretação que a imprensa brasileira está dando, ou seja, que Maduro ameaçou o povo”, explicou. 

“Se colocar as vírgulas erradas, você interpreta de diferentes formas e um cara como Maduro, com a experiência dele, não pode construir uma fala dessa maneira, porque não fica claro se há uma denúncia que a violência virá pelos possíveis vencedores da eleição ou se ele está criando um sentido de medo contra a oposição”, acrescentou.

Horta destacou ainda que, na sua avaliação, “quem está certo nessa história é o presidente Lula, porque ou a jogamos por um sistema democrático em que não juntamos, sob hipótese alguma, a ideia de eleição com a ideia de violência, ou jogamos pelos sistemas ditatoriais”.

“O Maduro erra feio quando passa a atacar o nosso sistema eleitoral, sem nenhum tipo de informação. Isso não tem como defender e nós temos simplesmente que dizer ‘desculpa, mas nessa dança eu não entro’”, completou.

 

¨      Mídia mente, Lula acredita e se equivoca; Maduro não disse que se perder haverá banho de sangue, diz Vanessa Martina

“CNN, Folha, Metrópoles… estão mentindo descaradamente”, afirma a analista política Vanessa Martina-Silva sobre as matérias recentemente publicadas no Brasil sobre uma declaração dada por Nicolás Maduro durante um comício em Caracas em 17 de julho.

Na ocasião, o líder venezuelano usou os termos “guerra civil” e “banho de sangue”.

Em vídeo publicado nesta terça-feira (23) no canal da Diálogos do Sul Global no YouTube, Martina-Silva denuncia como a grande mídia brasileira descontextualizou a fala, que tem um total de 1 hora e 21 minutos, para associar o chavismo e o atual presidente da Venezuela e candidato à reeleição à ideia de um regime ditatorial e sanguinário.

“Precisamos analisar as informações para não sermos enganados pelo que a grande mídia está divulgando”, segue a jornalista, que está na capital venezuelana para cobrir as eleições presidenciais que acontecem do próximo domingo, 28 de julho.

Para elucidar a questão, Martina-Silva expõe o trecho do pronunciamento de Maduro, no qual o presidente afirma:

“O destino da Venezuela no século 21 depende da nossa vitória em 28 de julho. Se vocês não querem que a Venezuela caia numa guerra civil ou num banho de sangue produto dos fascistas, temos que garantir o maior êxito, a maior vitória da história eleitoral do nosso povo”.

Conforme explica a editora da Diálogos do Sul Global, Maduro fez referência a episódios do passado recente da Venezuela, em 2014 e 2017, quando opositores do chavista organizaram motins que deixaram dezenas de mortos.

Os protestos de 2014, por exemplo, vieram após as eleições legislativas de 2013, quando Maduro venceu por menos de 1% dos votos.

“O que aconteceu: a oposição não reconheceu os resultados, foi pras ruas, houve protestos violentos chamados Garimbas, mais de 100 pessoas morreram”, lembra Martina-Silva.

Na época, ruas foram bloqueadas com arame farpado e houve casos de motociclistas degolados. “É a isso que Maduro está se referindo: se a vitória não for contundente, vai ser como em 2014, um banho de sangue”, explica a jornalista.

<><> Comentário de Lula sobre fala de Maduro

Vanessa Martina-Silva também comenta a declaração de Lula sobre a fala de Maduro.

O presidente do Brasil se disse “assustado” e afirmou que “quem perde as eleições, toma um banho de voto” e que “Maduro tem que aprender: quando você ganha, você fica, quando você perde, você vai embora”.

A jornalista aponta que as palavras de Lula são corretas se analisadas de forma literal. Porém, com uma observação mais atenta, é possível apontar que levam em conta as informações disponíveis na internet e divulgadas pela grande mídia, e não o panorama da política e da história venezuelanas.

“Espero que Lula tenha se equivocado. Isso é muito triste, porque o Presidente da República precisa ter responsabilidade, ainda mais no Brasil”, observa a repórter.

E acrescenta: “Maduro tem estado em dois ou três estados por dia. Se as eleições fossem uma fraude, ele poderia fazer campanha tranquilo em Caracas, e não estar viajando de forma frenética como está”.

·        Divulgar para derrotar a manipulação

“As frases não podem ser tiradas de contexto. Existe texto, contexto, subtexto, história. Nada está isolado no mundo”, reforça Vanessa Martina-Silva no vídeo elucidativo.

Ela pede àqueles que compreenderam a explicação e o contexto da fala de Nicolás Maduro que compartilhem para que mais pessoas fiquem a par da realidade dos fatos e não caiam nas alegações feitas pela grande mídia brasileira.

“Acompanhem a nossa cobertura aqui na Venezuela, teremos nos próximos dias bastante conteúdo”, finaliza.

 

¨      Vitória da oposição na Venezuela é discutível. Por Eduardo Vasco

Dez candidatos, apoiados por 38 partidos, participam das eleições presidenciais deste ano na Venezuela. É consenso, no entanto, que a disputa se centra em apenas dois: o presidente Nicolás Maduro e o principal bloco opositor, a Plataforma de Unidade Democrática (PUD), cujo candidato é Edmundo González Urrutia.

Todas as pesquisas de intenção de voto colocam esses dois candidatos na ponta da disputa. Mas a oposição radical, agrupada na PUD, e a imprensa internacional, só levam em consideração as pesquisas que indicam a vitória de González Urrutia. 

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Alguns exemplos são o instituto Delphos, que afirma que o opositor tem 59,1% das intenções de voto, contra 24,6% de Maduro; Consultores 21, que dá entre 55% e 60% de preferência para Urrutia e de 25% a 28% para Maduro; Hercon Consultores, que sugere que 68,4% votarão em Urrutia e somente 27,3% votarão em Maduro; e ORC Consultores, que indica um apoio de 59,6% dos eleitores para Urrutia e apenas de 12,5% para Maduro.

Embora se diga que esses são os institutos mais confiáveis, “esquece-se” que são dirigidos por pessoas com posições políticas acentuadamente antichavistas, como Saúl Cabrera, da Consultores 21, Oswaldo Ramírez, da ORC Consultores, Luis Vicente León, da Datanálisis, além de Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos da UCAB. Eles vêm dando declarações públicas endossando o resultado questionável de suas pesquisas, ou seja, que González Urrutia é franco favorito contra Nicolás Maduro, e que só maquinações políticas com o uso do aparato do Estado podem dar uma vitória ao atual presidente.

“As pesquisas estão sendo sistematicamente usadas como arma de propaganda eleitoral para gerar um clima de opinião sobre o possível resultado da eleição”, disse à agência americana Voz da América (fundada pela CIA) o sociólogo Juan Manuel Trak. Ele tem toda a razão.

Os resultados das pesquisas acima diferem em muito dos publicados por outros institutos, que não são noticiados pelos meios de comunicação internacionais. O instituto Hinterlaces, que é tachado de chavista pela oposição e pelos jornais, mas que vem acertando praticamente todas as suas previsões nos últimos anos, aponta que Maduro tem 54,2% das intenções de voto, contra 24,1% de Urrutia. Ele é seguido por outros institutos: o Data Viva prevê 55,2% dos votos para Maduro e 20,9% para Urrutia; a Paramétrica indica 51,74% para Maduro e 29,06% para Urrutia; e a International Consulting Services colheu 71,6% de intenções de votos para o atual presidente e 23,9% para seu principal desafiador.

É claro que Trak também considera que as pesquisas que indicam uma vitória de Maduro também são enviesadas. Isso é bem provável. Mas elas estão muito mais próximas da realidade do que as duvidosas pesquisas que favorecem a oposição. Se todos votarem, só os 4,2 milhões de membros do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) que ratificaram a candidatura de Maduro em março já representariam 19,6% dos 21,4 milhões de venezuelanos aptos a votar nestas eleições.

Após os anos de intensa crise política, econômica e social causada pela morte de Hugo Chávez, a queda nos preços do petróleo e a guerra econômica patrocinada pelos Estados Unidos, a economia da Venezuela começou a se recuperar. O estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) publicado em abril informou de um crescimento de 2,6% do PIB da Venezuela em 2023 e estimou que em 2024 o crescimento será de 4,2%. A inflação no primeiro semestre deste ano foi de 8,9% e em junho ela caiu para 1% segundo o Banco Central da Venezuela – o menor índice mensal em 12 anos e o melhor da era Maduro. Segundo o Observatório Venezuelano de Finanças, desvinculado do governo, a inflação em junho foi de 2,4%. No mês anterior – maio –, a inflação de 1,5% foi a menor desde 2004.

Os próprios empresários deram uma trégua ao governo, que fez acordos com o setor privado para resgatar a economia, diversificar a produção e investir nas exportações. A Fedecámaras, famosa por liderar as sucessivas tentativas golpistas entre 2002 e 2004, não embarcou publicamente no discurso terrorista da PUD e os empresários não estão coagindo (ao menos de maneira enfática) seus funcionários a votarem na oposição, como fizeram anteriormente. O governo dos Estados Unidos voltou a dialogar com Caracas, o que sugere um relaxamento na pressão externa – o que pode mudar, caso Donald Trump seja eleito.

China e Rússia estão muito envolvidas com o governo venezuelano e isso é um importante pilar de sustentação de Maduro, cujo governo vem colhendo bons frutos dessa aliança – e dos acordos com outros países, como Índia, Turquia e Irã. Ao contrário da última crise, em 2019, os dois principais vizinhos (Brasil e Colômbia) hoje são governados por presidentes aliados de Maduro, o que dificulta a desestabilização do país nas fronteiras e o suporte a grupos radicais da oposição autoexilada.

Um indício da recuperação e estabilização na Venezuela é o fato de que o país saiu das manchetes do noticiário internacional nos últimos anos. Os grandes veículos de comunicação internacionais são nitidamente antichavistas e aproveitam qualquer evento minimamente negativo para realizar uma ampla campanha de propaganda contra o governo. Isso não tem sido possível nos anos mais recentes.

Motivo importante é que a oposição não se recuperou da derrota de 2019 com o fracasso de Juan Guaidó e não conseguiu se reunificar de maneira efetiva. Não há mais grandes manifestações antigovernamentais, até porque a direita não encontrou mais nenhuma oportunidade de sair às ruas e colocar o governo sob pressão. A ala radical da oposição, entretanto, continua com o mesmo discurso irrealista de 20 anos atrás (acusando o governo de ser uma ditadura, de reprimir e censurar e de cometer fraude eleitoral). As propostas de González Urrutia para privatizar as terras, indústrias, saúde e educação são altamente impopulares, o que o afasta das grandes massas da população. O próprio Urrutia era um político totalmente desconhecido três meses atrás e não passa de um boneco manipulado por María Corina Machado, histórica líder opositora fabricada nos laboratórios da CIA e escandalosamente financiada pelo governo dos EUA.

Por sua vez, o chavismo continua forte e organizado, apesar de suas contradições e dissidências, como a do Partido Comunista. Além da presidência da República, governa 19 dos 23 estados, 213 das 335 prefeituras, tem 222 de 277 deputados na Assembleia Nacional, a maioria em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais e em 224 dos 335 conselhos municipais. O poder judiciário e demais instituições públicas nacionais, bem como o alto escalão da Força Armada Nacional Bolivariana e das polícias são, em geral, legalistas.

Contudo, apesar de um cenário real favorável para a 31ª vitória eleitoral em 25 anos de chavismo no próximo domingo (28), ela provavelmente não será tão fácil como indicam as pesquisas que o beneficiam. A situação econômica não está tão ruim como antes e o país está relativamente pacificado, mas o povo continua vivendo em uma situação social instável. Embora provavelmente vença as eleições, o seu resultado deverá indicar que as tentativas de conciliar com a oposição, com a burguesia venezuelana e com o imperialismo americano não estão trazendo grandes ganhos políticos para o chavismo diante de sua base social, especialmente a juventude.

Por outro lado, a oposição radical dá a vitória como favas contadas, utilizando as pesquisas que lhe favorecem e negando a realidade. A imprensa internacional compra esse discurso. Essa é uma campanha que vende uma ilusão de forma proposital e certamente a direita utilizará essas pesquisas e a cobertura enviesada da imprensa como “prova” de que houve fraude, caso o resultado das urnas seja contrário a essas previsões, e, aproveitando esse clima, volte ao seu repertório tradicional de não reconhecer a vitória do chavismo.

O governo dos EUA, diferentemente de todas as eleições anteriores, decidiu ser mais cauteloso e não emitir declarações em apoio à oposição. Porém, uma vitória de Maduro que seja rotulada como fraudulenta pela oposição e pela imprensa internacional pode levar a uma mudança de postura dos EUA em relação ao apoio público à desestabilização. Afinal, um governo moribundo e em transição, como é o de Joe Biden, é imprevisível.

 

Fonte: Jornal GGN/Viomundo

 

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