Pode Marx explicar a crise da saúde mental?
Um novo estudo publicado neste mês pelo Chartered
Institute for Personnel and Development (CIPD) da Grã-Bretanha mostra que o
absentismo laboral [ausências no trabalho, seja por falta, atraso ou pouca
motivação] atingiu o seu nível mais elevado em dez anos e que o estresse é uma
das principais causas de doenças de longa duração. Uma análise de dados em mais
de 900 empresas – que empregam 6,5 milhões de trabalhadores – revelou que, no
último ano, 76% dos entrevistados tiraram licença médica devido ao estresse,
com razões que incluem pressões relacionadas com o trabalho e com o custo de
vida.
Embora seja cada vez mais evidente que o trabalho
moderno está causando uma epidemia de problemas de saúde mental, na maioria dos
casos continua ela continua a ser entendida e tratada como um problema médico
individual. No seu novo livro Mad World: The Politics of Mental Health [Mundo
Louco: a política de saúde mental, sem tradução Brasil] a jornalista e
escritora Micha Frazer-Carroll questiona esta ortodoxia e sustenta que a crise
da saúde mental é um fenômeno político moldado pelo capitalismo e pelas forças
sociais que o sustentam. Micha conversou
com o Tribune sobre o porquê dela acreditar que o declínio da saúde mental é um
problema econômico e político – e que, portanto, requer soluções econômicas e
políticas.
·
Em seu livro,
você cita Marx em diversas ocasiões, especificamente a teoria da
alienação. Por que você acha a análise marxista é relevante
para a compreensão da saúde mental no século XXI?
Muitas vezes pensamos que a obra de Marx é muito
econômica e estrutural. Mas quando comecei a ler mais sobre a sua teoria da
alienação, percebi que Marx também é um pensador bastante psicológico.
Especificamente, a alienação é uma teoria muito focada no impacto psíquico,
mental e emocional do trabalho no capitalismo. A discussão sobre como o
trabalho sob o capitalismo nos separa de outros empregos e dos nossos desejos
internos – e as repercussões mentais de não possuirmos as coisas que produzimos
e de não trabalharmos para o bem maior da humanidade, mas para gerar lucros –
são, para mim, questões de teoria psicológica.
A teoria da alienação de Marx é fundamental para a
compreensão da saúde mental no capitalismo. Um ponto que afirmo no livro é que
você pode chamar isso de coisas diferentes, seja saúde mental ou apenas
angústia ou sofrimento. Quando Marx estava escrevendo, o conceito de saúde
mental, tal como o entendemos hoje, não existia. Mas quando ele fala sobre
sofrimento e alienação está se referindo a uma teoria de saúde mental que pode
ser relacionada a teóricos posteriores. Refiro-me a Arlie Hochschild, que fala
sobre o trabalho emocional e como temos que nos desdobrar (por exemplo, sorrir
para os clientes quando não temos vontade de sorrir): isto tudo está relacionado
com a alienação.
No livro, também tento estabelecer uma ligação
entre o conceito de alienação e experiências de dissociação, que é mais um
termo psiquiátrico. Falo muito sobre a dissociação porque foi algo que
experimentei quando tive minha própria crise de saúde mental. De certa forma, a
dissociação descreve a associação do baixo desempenho no capitalismo: a forma
como temos constantemente que realizar uma representação ideal do estudante ou
trabalhador, de alguém que tem as experiências emocionais ideais para funcionar
no nosso sistema econômico. Considero que isso é muito relevante para a forma
como pensamos sobre saúde mental.
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Ler o seu livro me fez
pensar em outro que li recentemente, chamado Worn Out, que analisa
como a indústria da moda, de fast fashion, nos Estados Unidos vigia
e explora os trabalhadores na era digital. Uma análise do seu livro é que o
trabalho no varejo mudou para se assemelhar a uma linha de montagem. E depois,
claro, falta pessoal para atender nos caixas, onde lidar com clientes irritados
e frustrados exige um elevado grau de trabalho emocional.
Uma das pessoas que cito nesse capítulo fala sobre
isso em relação à Amazon. Executar a mesma tarefa mundana, de alta velocidade e
alta pressão repetidamente durante todo o dia é incrivelmente desgastante do
ponto de vista emocional. Nem sempre mencionamos esse nome, mas o desempenho
emocional é uma grande parte do trabalho.
Isto também se aplica ao profissionalismo no
trabalho de escritório. Existem maneiras específicas de falar e se relacionar
com as pessoas ao seu redor, e há tópicos apropriados ou inadequados para
conversar no local de trabalho. Por exemplo, falar sobre sua vida pessoal ou
sobre seu salário pode ser um tabu. São formas muito rígidas de se relacionar e
expressar opiniões. É quase como se para ser trabalhador você tivesse que se
separar de si mesmo.
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Na Grã-Bretanha
pré-industrial, as estações e as horas do dia determinavam o trabalho. Eles
nunca tiveram uma fábrica para bater o ponto e nem eram monitorados.
Sem pretender idealizar a vida pré-industrial, em alguns aspectos, esses
trabalhadores tinham, sem dúvida, mais controle sobre as suas vidas do que
temos hoje. Quando visito a minha família na zona rural da Caxemira, uma
comunidade agrícola, é verdade que eles têm problemas, mas parece que as
pessoas estão visivelmente mais felizes. Por outro lado, na Grã-Bretanha parece
que tudo é mais complicado e as pessoas estão menos felizes.
Isso é algo encaro com certa complexidade porque no
livro me concentro muito no contexto da Grã-Bretanha. Não ousaria afirmar que a
sociedade feudal era melhor do que a sociedade que temos agora. Por outro lado,
o trabalho nas sociedades feudais parecia ter um grau de autonomia que não
temos necessariamente no capitalismo. Por exemplo, como você diz, ser governado
pelas estações, em oposição às condições rígidas e mais padronizadas das
fábricas.
Se olharmos para a invalidez, antes do surgimento
da fábrica e da Revolução Industrial, havia muitas pessoas que podiam
participar no processo de produção e que, após o surgimento do capitalismo, já
não podiam participar. O teórico da invalidez Mike Oliver fala sobre como as
pessoas surdas e cegas podiam participar no trabalho de uma forma ou de outra
(embora talvez o fizessem mais lentamente e as suas tarefas fossem mais
orientadas para as suas famílias). Para os surdos, isto poderia ser a
observação visual, adquirindo habilidades dessa forma e não através da
linguagem falada. No caso dos cegos, ele fala sobre como o ambiente familiar do
lar permitiu que eles se orientassem com mais facilidade.
Quando a fábrica surgiu, as condições tornaram-se
incrivelmente rígidas. Você não poderia alterá-las ou adaptá-las a cada
indivíduo. É este o funcionamento das grandes cadeias produtivas. E elas eram
incrivelmente aceleradas. Não houve oportunidade de parar e perguntar como
podemos fazer com que isso funcione para um trabalhador individual.
Como parte do sistema econômico capitalista, Marx
fala sobre este conceito de exército de reserva de mão de obra e como o
capitalismo depende desse exército de pessoas desempregadas e dispostas a atuar
e a ocupar o seu emprego a qualquer momento. A precariedade significa que os
trabalhadores são incrivelmente descartáveis. Então, por que os chefes
adaptariam o trabalho a cada indivíduo?
Durante este período, o da expansão da Revolução
Industrial, de repente vemos que muitas pessoas que antes não eram consideradas
inválidas tornam-se assim devido a este novo sistema de organização econômica e
social. Isto aplica-se tanto às deficiências que mencionei como ao que
chamaríamos de “insanidade” ou doença mental. Pessoas que antes podiam produzir
ou ser cuidadas, pelo menos em casa, foram subitamente consideradas
improdutivas e inexploráveis. O que une estas pessoas não é apenas a experiência
do sofrimento, mas o fato de as suas condições interferirem na sua capacidade
de manter um emprego das nove às cinco e de se envolverem no que consideramos
um trabalho normal.
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Sua obra relaciona o
encarceramento por invalidez e o surgimento dos manicômios à
ascensão do capitalismo. Você pode contextualizar isso? Quando começou este
processo e até que ponto está relacionado com o capitalismo?
O encarceramento daqueles considerados inválidos
está completamente interligado ao capitalismo. Assim, por exemplo, Bedlam, o
primeiro manicômio do mundo, remonta ao final do século XIII. No entanto,
quando olhamos para os registros do século XIII, havia as pessoas que atuavam
em algo equivalente a uma Comissão de Caridade que foram e olharam para
instituições como esta. E eles disseram que havia apenas sete dementes morando
lá. Então, em todo o país, havia sete pessoas encarceradas por causa do que é
chamado de “loucura”. Não são muitas pessoas. A maioria das pessoas
consideradas “loucas” foram integradas na comunidade. Algumas pessoas ainda
eram mantidas em casas locais, na rua, se a comunidade as considerasse um
perigo, mas a institucionalização, tal como a entendemos agora, não existiu
numa escala significativa.
Só com a emergência do sistema econômico
capitalista é que assistimos ao que Michel Foucault chama de “o grande
confinamento”: uma enorme explosão no número de pessoas admitidas em manicômio.
O número de pacientes internados em Bedlam disparou e o local ficou tão
superlotado que mais manicômios, tanto privados quanto públicos, tiveram de ser
construídos. Isto coincidiu quase perfeitamente com o surgimento do capitalismo
e da Revolução Industrial.
No século XIX, o governo aprovou duas leis de asilo
que exigiam a construção de manicômios em todos os condados do país. E assim,
nesse período, muitas pessoas foram encaminhadas para os manicômios. Há também
algo que devemos ter em mente em relação às famílias; antes disso, as famílias
recebiam uma pequena quantia para cuidar dos chamados “parentes malucos” em
casa. Mas assim que surge o sistema fabril, as pessoas são empurradas para
dentro das fábricas para trabalhar – e já não podem estar em casa para cuidar
das suas famílias. Mas também existiam as leis contra a pobreza que privavam as
famílias destes benefícios, e aí já não havia fundos para ficar em casa e
cuidar das pessoas. Então, para onde os “malucos” tiveram que ir?
Indiscutivelmente, não havia outro lugar para mandá-los senão os manicômios. É
importante notar que muitas famílias sentiram que não tinham outra solução.
É por isso que penso que o capitalismo está
interligado com o encarceramento dos deficientes, e não apenas com a loucura ou
as enfermidades mentais. Os deficientes físicos e os doentes mentais eram
encaminhados para grandes manicômios, onde passariam a vida inteira. O que uniu
as pessoas encarceradas nestas instituições foi que não puderam ser assimiladas
pelo novo sistema de produção. Esse ambiente não era adequado para eles.
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[O Chanceler do Tesouro do
Reino Unido] Jeremy Hunt deu,
recentemente, a entender que se concentrará nas pessoas desempregadas devido a
problemas de saúde mental de longa duração. Parece fazer parte de uma tendência
mais ampla na conversa em torno do bem-estar que insiste que as ações dos
indivíduos causam problemas de saúde mental. Os nossos principais partidos
políticos utilizam, cada vez, mais o termo “trabalhadores” em vez de “classe
trabalhadora”. A nossa retórica política contribui para a estigmatização das
pessoas consideradas inválidas, certo?
Cem por cento. Você pode ver como essa narrativa
penetra no Partido Trabalhista. Keir Starmer [líder do Partido
Trabalhista] está sempre falando sobre “pessoas trabalhadoras”,
“famílias trabalhadoras” e “O Partido Trabalhista é o partido das pessoas
trabalhadoras”, o que exclui pessoas com deficiência que não podem trabalhar.
O livro de Beatrice Alder Burton e Artie
Vierkant, Health Communism, fala muito bem deste conceito de classe
excedente de pessoas não trabalhadoras. Isto poderia incluir pessoas
deficientes, loucas, doentes mentais ou criminalizadas, que não são exploráveis
sob o capitalismo. O capitalismo prejudica-os da mesma forma que prejudica os
trabalhadores, mas a política de esquerda ignora frequentemente ou exclui
grupos de pessoas que não podem trabalhar. Por trás deste pensamento está a
ideia de que o nosso valor como seres humanos é medido pela nossa produtividade
e capacidade de trabalho, e não pela nossa condição como pessoas.
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As estatísticas mostram
que, no primeiro trimestre de 2023, 53% das pessoas que deixaram de trabalhar
no Reino Unido devido a uma doença de longa duração relataram sofrer de
depressão, nervosismo ou ansiedade. Jeremy Hunt está essencialmente dizendo que
os médicos estão dando licença médica às pessoas muito rapidamente. A
responsabilidade pela resolução destes problemas recai cada vez mais sobre o
indivíduo.
Sob o neoliberalismo temos testemunhado esta
mudança marcante em direção a este conceito de responsabilidade individual.
Antes, a saúde mental era uma questão que o Estado tinha que resolver. E,
obviamente, ele abordou isso de uma forma bastante violenta. Sob o
neoliberalismo, trataram a saúde mental como um assunto pessoal e privado.
O teórico cultural Mark
Fisher descreveu o conceito de que é nossa
responsabilidade abordar a saúde mental como indivíduos como a “privatização do
estresse”, que surgiu na década de 1980. É a ideia de que você precisa fazer
terapia, descarregar sua atenção plena, fazer ioga, manter um diário e uma lista cada vez maior de práticas
que devemos praticar para manter nossa saúde mental. Isto é em grande medida
considerado uma responsabilidade individual.
Vemos essa mentalidade quando falamos de saúde
mental e sistema de benefícios. A ideia de que você pode sair dessa situação e
“se recompor” é uma abordagem muito britânica para gerenciar nossos estados
emocionais, mas também é usada para acusar as pessoas de se fingirem doentes
para obter benefícios. É uma forma de pensar que ignora que os problemas de
saúde mental são, acima de tudo, questões estruturais, e justifica uma
abordagem que diz que os problemas são da sua responsabilidade e que você mesmo
pode resolvê-los.
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Parece-me que nas comunidades
da classe trabalhadora essa narrativa de trabalho árduo, de nunca
dar desculpas e de responsabilidade individual é bastante forte.
Vemos indivíduos como Andrew Tate [influenciador de extrema direita] e
Jordan Peterson [doutor em psicologia e YouTuber de sucesso, com
ideologia ultraconservadora], expressarem alguns desses ideais, o
que ressoa em homens jovens, muitos dos quais
têm expressado sua desilusão e infelicidade. Você acha que essa é uma
tendência crescente?
Acho que sim. Houve um enorme boom nos
livros de autoajuda durante o início da era neoliberal nas décadas de 1980 e
1990. Entendo por que essas abordagens mudaram de forma e estão ganhando
popularidade. Muitos de nós estamos lutando e sofrendo, e provavelmente não
iremos necessariamente nomear ou descrever isso. A ideia de que você pode
assumir responsabilidades, mudar sua vida e abordar a raiz do seu sofrimento é
atraente.
Você pode ver como pessoas como Jordan Peterson
transformam esse apelo em uma arma. É complicado, porque coisas como a atenção
plena e a terapia podem ser úteis, mas nunca abordarão as causas profundas do
sofrimento e da angústia em massa. Elas podem ser pequenas manchas ou ajudar
alguns de nós a sentir que temos controle sobre nossas vidas. O que não podem
fazer é abordar as causas profundas da masculinidade tóxica, do racismo, da
pobreza e de tanto sofrimento.
·
O que você diz sobre o
individualismo é muito interessante. A desindustrialização levou à perda do
sentido de comunidade em muitas partes do país, e vemos a contínua atomização
da sociedade e a perda da interação humana com coisas como as janelas
fechadas e a expansão de caixas self-service. Para mim, todas essas
coisas estão relacionadas à questão da saúde mental.
Levamos uma vida cada vez mais atomizada. A capacidade
de estabelecer ligações autênticas e emocionalmente satisfatórias com outros
seres humanos está cada vez mais sendo retirada da nossa vida cotidiana, e
podemos ver isso. O fechamento de janelas é um exemplo de como as oportunidades
de conexão são consideradas desnecessárias e eliminadas. A abordagem
capitalista não considera valiosa a ligação comunitária e humana.
·
No seu livro,
você faz uma observação interessante sobre como as práticas de bem-estar
no local de trabalho não nasceram do desejo de melhorar a vida dos
trabalhadores, mas sim de aumentar a produtividade. Na era daquilo que
poderíamos chamar de “capitalismo multicolorido”, onde as relações públicas, os
recursos humanos e a gestão da reputação são muito importantes, como é que as
práticas de bem-estar no local de trabalho se comparam às do século XX?
No livro falo sobre RH e como eles surgiram. Quando
começou, os recursos humanos concentraram-se em coisas como a disposição ideal
das bancadas, intervalos de descanso e iluminação para ajudar os trabalhadores
a produzir melhor. Mas, então, em meados do século XX, à medida que a
psicologia emergia e ganhava credibilidade como disciplina, o foco mudou para
as condições cognitivas e emocionais ideais para o trabalho.
Esta mudança de enfoque acompanhou a mudança da
economia em direção ao setor dos serviços e afastando-se da indústria
transformadora e de formas de trabalho que envolviam trabalho manual. De
repente, surgem coisas como testes psicométricos, nos quais os empregadores
tentam combinar a personalidade das pessoas com o tipo de trabalho em que serão
mais produtivas. Ao mesmo tempo, são adotadas tendências surgidas nas décadas
de 1970 e 1980, como a atenção plena e a terapia cognitivo-comportamental.
Agora, cada vez mais, na era neoliberal, temos um
interesse real em coisas como iniciativas de saúde mental no local de trabalho,
formação em auxílios iniciais em saúde mental, pré-terapia, salas de descanso e
listas crescentes de práticas que supostamente apoiam o bem-estar mental dos
trabalhadores. Praticá-los individualmente pode fazer com que muitos de nós nos
sintamos melhor e pode ser um caminho para a cura.
No entanto, se olharmos para a história dos
recursos humanos e por que razão surgiram, em primeiro lugar, a sua função
fundamental não é fazer-nos sentir bem pelo simples fato de nos sentirmos bem,
mas tornar-nos mais exploráveis como trabalhadores. E isso significa que estas
iniciativas não servem para nos fazer sentir alegria, florescimento ou as
nossas ideias de realização, mas para nos tornar felizes e emocionalmente
ajustados o suficiente para sermos explorados.
A exploração que vivenciamos no trabalho é, muitas
vezes, o que prejudica a nossa saúde mental em primeiro lugar. Acabamos em um
ciclo em que o local da angústia se torna o local em que confiamos para
abordá-la.
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Costuma-se dizer que a
saúde mental é o grande equalizador. Todos nós podemos ter problemas de saúde
mental, independentemente da nossa origem. Mas sabemos que algumas comunidades
têm menos investimento e maiores problemas sociais do que outras. Até que ponto
a saúde mental é uma questão de classe?
A pobreza e a desigualdade estão diretamente
relacionadas com a questão da saúde mental. Quando pensamos nisso no contexto
do sofrimento, é um consenso. Se você não tiver acesso às necessidades
materiais mais básicas ou se viver em constante precariedade, isso causará
ansiedade e depressão. Se você está preocupado com quando será seu próximo
turno de trabalho ou se conseguirá pagar as contas, isso causará angústia.
É claro que também vemos pessoas com poder,
privilégios e riqueza lutando contra a saúde mental. Acredito que o capitalismo
corrói fundamentalmente o nosso bem-estar. Ninguém está imune a este sistema.
Mas a diferença é que algumas pessoas têm acesso a cuidados de saúde privados e
a terapia privada no primeiro momento de sofrimento.
No caso das comunidades da classe trabalhadora mais
pobre, elas estão sujeitas a longas listas de espera para serviços de saúde
pública e, no momento em que obtêm ajuda, podem encontrar-se numa situação de
grave sofrimento ou crise. Quando chegam a esse ponto, é mais provável que
sejam submetidos aos efeitos punitivos e carcerários do sistema de saúde
mental.
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Você provavelmente já viu
aqueles memes que zombam de coisas como festas de pizza no local
de trabalho, onde aparecem trabalhadores dizendo que prefeririam um aumento. No
livro você cita algumas frases interessantes sobre o assunto. Uma é que “a
atenção plena não substitui um local de trabalho sindicalizado”, e também cita
Tim Adams, que disse que era tentador pensar que as linhas de frente das
disputas trabalhistas haviam passado dos piquetes para a preocupação e que as
queixas coletivas tornaram-se batalhas psicológicas individuais. Por que você
acha que os sindicatos e a ação sindical são importantes nesse sentido?
Porque penso que são as estruturas que podem
realmente dar aos trabalhadores acesso ao poder. Já ouvi muitas histórias de
pessoas que receberam terapia de grupo para lidar com uma série de demissões no
trabalho e coisas do gênero. Estas iniciativas não nos dão acesso ao poder.
Servem apenas para nos fazerem sentir melhor em relação às condições
estruturais em que vivemos, ao mesmo tempo que as enquadramos como inevitáveis.
Os sindicatos dão-nos a capacidade de chegar à raiz
do nosso sofrimento que, no contexto do local de trabalho, é estrutural. Penso
que os sindicatos têm políticas internas inerentes por parte do trabalhador, ao
passo que, com atenção plena e terapia, embora bons em si, são
práticas que não têm políticas internas. Eles podem ser usados para o bem ou
transformados em armas para o mal. Foi Steve Jobs quem trouxe a atenção plena
para os Estados Unidos e começou a defendê-la. Ele gostou muito do mindfulness para
si mesmo como chefe, mas também para os seus trabalhadores, porque os ajudou a
adaptar-se às condições de trabalho desfavoráveis. Esta falta de política
interna significa que nunca se pode realmente controlar a forma como estas
coisas são utilizadas.
Há uma razão pela qual os patrões odeiam os
sindicatos, e é porque eles transferem o poder em favor do trabalhador.
Fonte: Por Micha Frazer-Carroll em entrevista a Taj
Ali, no JacobinLat | Tradução: Rôney Rodrigues, para Outras Palavras
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