'Óleo de vape não sai do meu pulmão': o jovem internado após fumar
cigarro eletrônico
Fumante desde os 18 anos, o resgatista de fauna
Gabriel Nogueira Souza trocou o cigarro comum pelo eletrônico, também conhecido
como vaporizador ou vape, no ano passado.
Na época, o rapaz de 23 anos precisou ficar em um
hospital acompanhando sua mulher, que passaria por uma cirurgia na coluna.
"Como no hospital não podia fumar, passei a
usar o cigarro eletrônico para sustentar o vício. Ele não era detectável pelo
sensor de fumaça e não deixava um cheiro ruim no local", conta.
Foram três meses usando o vape, conta Gabriel,
tempo suficiente para ele sofrer graves consequências.
"Um dia, do nada, acordei tossindo sangue, com
muita dor no corpo a ponto de não conseguir levantar da cama. Pensava que ia
morrer de tanta dor na região das costelas."
Gabriel conta que foi imediatamente para o
hospital, onde ficou internado por um mês.
Com a saturação baixa e falta de ar, ele fez exames
como tomografia e raio-x. O diagnóstico foi de vidro fosco no pulmão,
broncopneumonia e enfisema pulmonar.
O vidro fosco por si só não é uma doença. É uma
alteração que aparece no pulmão e pode indicar vários problemas.
Essa alteração recebe esse nome porque ela causa
uma mancha no pulmão e, no exame, a imagem assemelha-se a um vidro embaçado.
Já a broncopneumonia é uma inflamação das
estruturas internas do pulmão, os brônquios e os alvéolos.
Por fim, o enfisema pulmonar é uma irritação
crônica onde os alvéolos pulmonares são destruídos e acabam perdendo a sua
função, fazendo com que o paciente tenha muita dificuldade para respirar.
O tratamento de Gabriel foi feito com antibiótico
injetável e, segundo ele, foram quase 30 dias até que começasse a apresentar
melhoras.
"Os médicos explicaram que não foi o cigarro
comum que causou os danos. Nos exames, ficou constatado que dentro dos
brônquios tinha óleo contido nos cigarros eletrônicos", relata Gabriel.
"O problema é irreversível, porque esse óleo
não tem como sair do meu pulmão."
• Riscos
à saúde
Com embalagem tecnológica atraente e a suposta
promessa de ser menos prejudicial à saúde, o cigarro eletrônico, que
oficialmente recebe o nome de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), se
popularizou principalmente entre os jovens, assim como Gabriel.
Enquanto o cigarro tradicional funciona por meio da
combustão de alcatrão, nicotina e um composto de mais de 40 substâncias
químicas, os eletrônicos são aparelhos que funcionam por uma bateria e
diferentes mecanismos que produzem um vapor que é inalado pelo usuário.
Sua composição varia segundo o fabricante. Eles
também têm nicotina e outras substâncias líquidas como glicerol, glicerina
vegetal, propilenoglicol e flavorizantes, responsáveis por dar sabor.
"Todas essas substâncias podem causar danos à
saúde, como irritação nas vias aéreas, nos broncos, bronquite, inflamação e
alteração na função pulmonar", explicou à BBC News Brasil o pneumologista
André Nathan, do Hospital Sírio-Libanês.
Além dos problemas ao sistema respiratório, estudos
científicos apontam que o vapor inalado pode comprometer o sistema
cardiovascular e aumentar o risco de câncer de pulmão e em outros órgãos.
"Ele causa estresse oxidativo, que é um
estresse celular aumentando o marcador inflamatório e causando disfunção do
endotélio, que são as células que recobrem internamente os vasos
sanguíneos", acrescenta o pneumologista.
"Isso pode, por exemplo, causar uma trombose e
aumenta o risco da pessoa um infarto ou um AVC (Acidente Vascular Cerebral).”
Um estudo científico feito na Universidade Columbia
e publicado no periódico científico Substance Use and Misuse apontou que fumar
cigarros eletrônicos aumenta o risco de consumir maconha ou álcool em excesso
em até 20 vezes.
A pesquisa avaliou dados de mais de 50 mil jovens
entre 13 e 18 anos que participaram da enquete Monitoring the Future, aplicada
pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos.
As perguntas abordavam o consumo de nicotina, tanto
em cigarros convencionais quanto eletrônicos, maconha e álcool.
Enquanto aqueles jovens que fumavam cigarros comuns
tinham cerca de oito vezes mais risco de usar maconha, o vape mais do que dobrou
esse risco.
O hábito de fumar cigarro eletrônico também
multiplicou por cinco a probabilidade de um episódio de abuso de álcool no
mesmo período.
"Por um tempo se falou sobre o uso do cigarro
eletrônico para diminuir o vício ao tabaco, que seria uma contenção de dano,
mas infelizmente isso não acontece porque a concentração de nicotina nele é
maior e não te faz abandonar o vício e até propicia que você fique pulando de
um vício para outro", enfatiza Nathan.
• Proibição
no país
Um levantamento publicado neste ano mostrou que
quase um em cada cinco brasileiros de 18 a 24 anos usaram o cigarro eletrônico
pelo menos uma vez na vida, mesmo que a comercialização desse produto seja
proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A comercialização, importação e propaganda de
quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, o que inclui o cigarro
eletrônico, são proibidas conforme a resolução nº 46, de 28 de agosto de 2009
da Anvisa.
Em julho do ano passado, em uma reavaliação da
decisão do ponto de vista técnico, a Anvisa aprovou o Relatório de Análise de
Impacto Regulatório (AIR) sobre os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF).
O documento mantém a proibição de comercialização e
importação de todos os tipos de dispositivos e recomenda aumento nas ações de
fiscalização para coibir o comércio ilegal e a realização de campanhas
educativas para conscientizar os jovens sobre os riscos do uso desses produtos.
O Brasil faz parte de um grupo de 32 países que
vetam o comércio do vape, entre eles Argentina, México e Índia, por exemplo.
“A proibição busca manter o cigarro afastado do
acesso da sociedade. O cigarro eletrônico foi uma reinvenção da indústria para
atrair o jovem atual, já que o cigarro comum não é tão atrativo para essa
geração. Já é comprovado em vários estudos os malefícios desse produto”, diz
Paulo Corrêa, pneumologista e coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.
No entanto, na outra ponta dessa discussão estão os
representantes da indústria do tabaco e fabricantes de cigarros eletrônicos que
defendem a legalização e regulamentação do produto no país.
Isso foi feito em locais como Estados Unidos, Reino
Unido, Portugal, Itália, Japão e Canadá, que liberaram a comercialização com
maior ou menor grau de restrição.
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde
divulgado em 2021, 79 países já regulamentaram os DEFs e liberaram a venda com
supervisão dos órgãos regulamentadores.
"Precisamos analisar que esses produtos
facilmente encontrados à venda no Brasil vêm do mercado ilegal, sem comprovação
de origem e composição; por isso, fazem mal à saúde", explica Giuseppe
Lobo, gerente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo
(Abifumo).
"A partir do momento que você regulamenta, ele
vai ter regras para produção e comercialização e será fiscalizado."
Fabricantes dos dispositivos argumentam que eles
oferecem risco reduzido à saúde, em comparação ao cigarro tradicional e por
isso deveriam ser liberados como alternativa para uso adulto e proibidos aos
adolescentes, assim como acontece com os cigarros comuns e bebidas alcoólicas,
que não podem ser vendidos a menores de 18 anos.
"Apesar de proibidos, os vapes são facilmente
encontrados, o que mostra que essa medida de proibição não funciona",
argumenta Lauro Anhezini Junior, diretor de assuntos científicos e regulatórios
da British American Tobacco Brasil, multinacional que vende esse tipo de
produto em mais de 40 países.
"Por isso, defendemos a ideia da
regulamentação e criação de regras para produção, assim poderá se controlar
quais as substâncias poderão estar presentes na composição e a quantidade
delas."
Anhenzini Junior argumenta ainda que a saborização
desses produtos vendidos clandestinamente no Brasil é um dos fatores que fazem
com que os jovens se interessem pelo produto, mas que isso é limitado e
controlado em países onde a comercialização é regulamentada.
"Hoje você encontra de sabor tutti-futti,
baunilha e outros que remetem à infância. Já lá fora isso não pode. Os sabores
comercializados são tabaco, menta e fruta, mas sem ser adocicado para não
remeter a uma sobremesa", diz.
"A regulamentação possibilita ainda que se
multe de forma pesada quem vender o produto para menores de idade."
Para Corrêa, a liberação da comercialização do
produto seria um retrocesso e o país não deve ceder aos apelos da indústria.
"A indústria quer manter o seu mercado ativo.
Não podemos correr o risco de outros países, como o Canadá, por exemplo, que
liberaram os dispositivos e hoje estão tendo dificuldade de retroceder nas
regras", diz.
Jaqueline Scholz, diretora do Ambulatório de
Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (InCor), teme que a
regulamentação possa reverter a tendência da redução do número de fumantes no
Brasil.
"Vários países aceitaram os argumentos a favor
do cigarro eletrônico e liberaram. O que aconteceu nesses lugares foi um
aumento da prevalência de fumantes", disse em entrevista recente à BBC
News Brasil.
"Nosso país tinha uma taxa de iniciação do
tabagismo muito baixa entre adolescentes, mas vemos que essa política está em
risco agora. Se não cuidarmos desse problema agora, o uso desses dispositivos
tem tudo para virar uma epidemia em breve."
• Sequelas
do vape
Quase dez meses após sair do hospital, Gabriel faz
sessões de fisioterapia e um tratamento para se recuperar dos prejuízos
causados pelo vape.
Para que sua situação não se agrave ainda mais,
Gabriel procura manter uma alimentação saudável e fazer exercícios físicos
regularmente para fortalecer os pulmões.
Além disso, está proibido de fumar qualquer tipo de
cigarro.
Mas ele conta que mesmo assim ainda enfrenta várias
limitações no dia-a-dia por causa de uma falta de ar persistente.
"Tenho falta de ar quando estou dormindo,
fazendo com que muitas vezes eu acorde devido à dificuldade de respirar. No mês
passado, fiquei dois dias internado devido a esse problema", conta.
"Eu achava que o cigarro eletrônico fazia mal,
igual ao cigarro comum, mas ele é infinitas vezes pior. Tenho só 23 anos e
fiquei com a minha saúde comprometida devido a ele. Se eu soubesse, nunca teria
usado."
Fonte: BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário