Polícias do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco cometeram 331 chacinas
em sete anos
Entre 2016 e 2023, as polícias militares e civis da
Bahia, Pernambuco e do Rio de Janeiro, além das polícias Federal e Rodoviária,
estiveram envolvidas em 331 chacinas. Chacinas são definidas quando ao menos
três civis foram mortos em uma mesma ação. Ao todo, 1.330 pessoas morreram em
decorrência de ações policiais nessas chacinas Os dados são de um levantamento
exclusivo do Instituto Fogo Cruzado ao qual a Agência Pública teve
acesso.
Na pesquisa, o instituto ressalta uma tendência: as
operações policiais foram mais letais logo após um policial ter sido morto ou
ferido. Essas ações, chamadas de “operações vingança”, foram em média 35% mais
letais.
Nos
últimos 7 anos mais de 1.300 civis morreram em chacinas em decorrência de ações
policiais
De acordo com o levantamento, a maior chacina
policial aconteceu em 6 maio de 2021, na favela do Jacarezinho, no Rio de
Janeiro. Ela acabou com 27 civis mortos, após uma operação da Polícia Civil
contra o tráfico de drogas.
Naquele dia, logo no início da manhã, às 6 horas, o
inspetor André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos, foi baleado na cabeça,
quando saía do veículo blindado, conhecido como caveirão, para remover uma das
barricadas que impedia o acesso dos agentes à comunidade. Frias chegou a ser
socorrido no hospital municipal Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu.
No período de duas horas, após a morte do inspetor,
aconteceram 17 das 27 mortes, todas num perímetro de 1,5 km entre si, conforme
noticiou o site UOL. As outras dez mortes foram cometidas por agentes no
decorrer do dia. A ação envolveu 250 policiais, quatro blindados e dois
helicópteros.
Desde julho de 2016, quando o Fogo Cruzado começou
a monitorar a violência no Rio de Janeiro e na região metropolitana, ocorreram
285 chacinas em ações policiais. Ao todo, 1.154 pessoas morreram e 63 ficaram
feridas em decorrência da atuação da polícia. Mais de 10% dessas chacinas (31)
ocorreram depois que um agente foi ferido ou morto – como no caso da favela do
Jacarezinho.
A segunda chacina policial mais letal do Rio de
Janeiro aconteceu no dia 24 de maio de 2022, na Vila Cruzeiro, no Complexo da
Penha, zona norte da cidade – um ano após a operação no Jacarezinho. Ao todo,
23 pessoas morreram e cinco ficaram feridas durante a ação conjunta do Batalhão
de Operações Especiais (Bope), da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária
Federal (PRF).
Na época, o governador Cláudio Castro (PL) negou
que se tratava de uma chacina, mas um “efeito colateral” da operação.
“Infelizmente, tem hora que o efeito colateral da operação é esse. A gente não
celebra esse tipo de morte, mas a polícia está fazendo o trabalho dela”, disse
Castro após uma reunião com o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal
Federal (STF) em Brasília, que tinha como objetivo tratar das operações
policiais nas favelas cariocas e da letalidade policial.
Desde
2016, mortos em chacinas no Rio de Janeiro passam de 1.100
·
Chacina com mais mortes
na Bahia aconteceu após assassinato de policial
Na Bahia, a intervenção mais letal da polícia foi
registrada no dia 15 de setembro de 2023, após a morte do policial federal
Lucas Caribé Monteiro de Almeida, de 42 anos. O agente morreu durante um
confronto com suspeitos de fazerem parte de um grupo criminoso, no bairro
Valéria, em Salvador. Na ação, quatro civis também morreram. Um policial civil
e outro federal ficaram feridos, segundo a Secretaria de Segurança Pública da
Bahia (SSP-BA). No mesmo dia, algumas horas depois, mais três pessoas foram
mortas.
Em 21 de setembro, seis dias após a morte do
policial federal, uma operação envolvendo agentes da Polícia Militar, Polícia
Civil, PF e equipes das Rondas Especiais (Rondesp) deixou cinco pessoas mortas
no Bairro Jardim Nova Esperança, em Salvador.
No dia seguinte (26), mais cinco pessoas morreram
após uma operação policial em Águas Claras, bairro da capital. Na ação, estavam
envolvidos agentes da PF, PRF, Polícia Militar e Coordenação de Operações e
Recursos Especiais (Core).
Apenas entre 4 e 22 de setembro deste ano, 21
pessoas morreram em cinco chacinas policiais em Salvador e na região
metropolitana. Desde julho de 2022, foram 40 chacinas com 159 mortos e seis
feridos.
·
Governador da Bahia fala
em “novas ações” em ano marcado por chacinas
No início de agosto deste ano, a SSP-BA e a
Superintendência Regional da Polícia Federal se reuniram na sede da PF em
Salvador, assinaram um Acordo de Cooperação Técnica e iniciaram no estado a
ação conjunta da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco).
Com a assinatura do acordo, agentes das forças de
segurança do estado e da PF passaram a atuar juntos em operações de
enfrentamento das organizações criminosas e na descapitalização desses grupos.
No mês de agosto não houve chacina policial com a
participação da PF. No entanto, em setembro, nas três chacinas que ocorreram
após a morte do policial Lucas Caribé, a PF esteve envolvida e passou a
reforçar a presença do grupo no estado.
No mesmo dia em que o agente foi morto, a PF enviou
duas equipes do Comando de Operações Táticas (COT) ao estado. Ainda na mesma
semana, um navio da Marinha desembarcou três viaturas blindadas vindas do Rio
de Janeiro para reforçar o combate ao crime organizado.
No dia 25 de setembro, o governador da Bahia,
Jerônimo Rodrigues (PT), esteve em Brasília para tratar de demandas. Em
sua rede social, o gestor baiano publicou o resumo de um encontro
que teve com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. “Viemos
aqui consolidar uma estratégia que a gente vem trabalhando desde o início do
governo Lula – não faltou a presença do Governo Federal nessa parceria. Viemos
aqui agora fazer os ajustes, melhorar cada vez mais a nossa ação. Vocês estão
vendo cada vez mais a ação da Polícia Militar, Polícia Civil, em parceria com a
Polícia Federal, viemos discutir e avaliar a ação que nós fizemos e a partir
daqui, novas ações”, disse.
Na ocasião, o ministro Flávio Dino deixou um recado
para o povo da Bahia. “A mensagem em primeiro lugar é de reconhecimento do
trabalho do governo do estado. Tem dialogado conosco permanentemente e este é o
caminho correto… para proteger os direitos e a liberdade do povo da Bahia. A
Polícia Federal está atuando em parceria há várias semanas. Nós temos operações
integradas e agora esse acordo, essa aliança, entrando numa nova fase: nós
vamos intensificar essas operações conjuntas e nós vamos ampliar a definição de
recursos, de equipamentos, de tecnologia, para essas ações conjuntas. E eu
tenho toda confiança que os resultados que já estão aparecendo vão ser cada vez
melhores”, disse Dino.
No mesmo dia do encontro, o governo do estado da
Bahia publicou uma nota comunicando o investimento de R$ 3 bilhões no
combate à violência. “Somente neste ano, 33 novas unidades policiais foram
entregues, mais de 700 novas viaturas – incluindo semiblindadas – foram
adquiridas e mais de 2.500 policiais foram contratados.”
Os investimentos que esse governo e os anteriores
têm feito no combate à violência, de acordo com o especialista Dudu Ribeiro,
cofundador da Iniciativa Negra e coordenador executivo da Rede de Observatórios
da Segurança na Bahia, na prática, não têm contribuído para a redução da
letalidade policial. “Nós temos visto ao longo dos últimos anos, na verdade,
uma intensificação dessa violência policial com resultado de letalidade que tem
a ver com mais de um elemento: com opções erradas dos últimos governos de
fortalecer, por exemplo, as [tropas policiais] especializadas, que fortalecem o
militarismo, mas também colocam mais recursos nas unidades que têm o índice
maior de letalidade.”
·
Em Pernambuco, após a
morte de PMs, familiares de suspeitos foram mortos
Desde 2018, 17 pessoas perderam a vida em
decorrência de seis ações policiais em bairros do Recife e região
metropolitana, em Pernambuco.
A maior chacina registrada pelo Fogo Cruzado
aconteceu em Camaragibe, em setembro de 2023, quando seis pessoas foram mortas.
Na noite do dia 14 de setembro, por volta das 21 horas, o soldado da Polícia
Militar Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e o cabo Rodolfo José da
Silva, de 38, do 20° Batalhão da PM, foram mortos após um tiroteio no bairro de
Tabatinga.
Os agentes foram ao local após a central da Polícia
Militar ter recebido uma denúncia via 190 de que homens estariam armados em
cima de uma laje. Durante o confronto, uma mulher grávida de 18 anos e um
adolescente de 14 anos ficaram feridos e foram hospitalizados.
Na madrugada do dia 15, por volta das 2 horas, os
irmãos Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos, Amerson Juliano da Silva e Apuynã
Lucas da Silva, ambos de 25 anos, foram baleados por homens encapuzados. Ágata
transmitiu a abordagem ao vivo pelas redes sociais.
Por volta de 11 horas, na manhã do dia 15, Alex da
Silva Barbosa, de 33 anos – irmão de Ágata, Amerson e Apuynã –, suspeito de ter
atirado contra os dois PMs, foi morto durante uma suposta troca de tiros com um
efetivo em Tabatinga. Horas depois, os corpos da mãe de Alex, Maria José
Pereira da Silva, e o da esposa, Nathalia Campelo do Nascimento, de 27 anos,
foram encontrados num canavial no município de Paudalho.
A governadora do estado de Pernambuco, Raquel Lyra
(PSDB), em pronunciamento sobre o caso para a imprensa, afirmou que a polícia
está investigando as circunstâncias em que cada uma dessas mortes ocorreu. “Um
grupo de operações especiais da Polícia Civil foi destacado para conduzir essas
investigações. Nós, do governo de Pernambuco, estamos atentos e tomando todas
as providências necessárias para garantir a paz social no nosso estado.
Fortalecendo também as nossas equipes policiais.”
Não é a primeira vez que parentes de suspeitos de
atirarem contra policiais são mortos após o óbito de agentes de segurança. Em
novembro de 2022, o sargento da Polícia Militar Leite Júnior, de 52 anos, foi
morto a tiros durante uma briga de bar em Caruaru, Agreste de Pernambuco.
Após a morte de Leite Júnior, na mesma noite, o
suspeito de ter atirado contra o sargento, a esposa e o cunhado foram mortos
por uma equipe da Polícia Militar do Batalhão Especializado de Policiamento do
Interior (Bepi) – de que ele fazia parte. Segundo a Secretaria de Defesa Social
(SDS), os três estavam armados em um veículo e não obedeceram à ordem de
parada.
Fonte: Por José Cícero, da Agencia Pública
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