Pedreiro brasileiro em Londres: 'Fui de pobre coitado a profissional
valorizado'
Há mais de duas décadas, o pedreiro Oséas Andrade
decidiu, como muitos brasileiros, tentar a sorte no exterior, mudando-se para
Portugal.
Em 2013, fez as malas novamente e escolheu como
destino Londres, no Reino Unido, onde já vivia seu irmão.
Na capital britânica, os irmãos se tornaram seus
próprios patrões, abrindo uma empresa de serviços gerais, hoje com cinco
funcionários.
"Era tratado como pobre coitado e aqui sou um
profissional valorizado", diz Andrade, de 41 anos, sobre a vida fora do
Brasil.
Para exemplificar tamanha mudança, ele relembra as
circunstâncias em que trabalhava antes de sair do país: "Quando era jovem
e ajudava meu pai nas obras, pintando a casa das pessoas, pedíamos para
esquentar nossa marmita e tínhamos que comer do lado de fora. Aqui, nunca me
aconteceu isso".
"Sou tratado aqui como um profissional como
qualquer outro. Você entra no metrô e vê pintores, às vezes, com a roupa de
trabalho, sujos de tinta, ao lado de executivos de terno e gravata. E ninguém
dá a menor importância. No Brasil, muita gente nos olha com desdém",
compara.
Recentemente, o governo britânico relaxou as regras
de visto para pedreiros, carpinteiros e indivíduos que atuam no setor pesqueiro
que queiram trabalhar no Reino Unido.
Reparadores de telhados e gesseiros também foram
adicionados à lista de ocupações com escassez de mão de obra.
Pela medida, áreas nas quais há dificuldade para o
preenchimento de vagas têm regras de visto temporariamente facilitadas.
Assim, profissionais que atuam nessas áreas com
escassez de mão de obra podem solicitar um visto de trabalhador qualificado
(skilled worker, no original em inglês) para atuar no Reino Unido.
Jaiderson Lacerda, de 30 anos, tem visão parecida à
de Andrade.
Mineiro de Ipatinga, ele abandonou o trabalho de
técnico de enfermagem e veio tentar a vida no Reino Unido em 2017.
Após um breve período como ajudante de cozinha,
Lacerda hoje atua na construção civil e não se arrepende da escolha.
"No Brasil, tinha uma vida relativamente boa,
ganhava um salário razoável comparado à média geral, mas cheguei a ter até três
empregos, trabalhava bastante, em turnos muito exaustivos, mas não era
sacrificante, pois sempre fui apaixonado pelo que fazia", conta ele em
conversa com a BBC News Brasil em frente a um canteiro de obras no centro de
Londres.
Ele diz que o principal motivo que o levou a
mudar-se para o exterior foi a segurança.
"Não vim para cá só por causa do dinheiro,
apesar de a libra valer muito mais do que o real. Minha maior preocupação no
Brasil sempre foi a violência. Aqui, tenho a possibilidade de viajar e conhecer
novas culturas. Também consigo ajudar minha família no Brasil quando
necessário", acrescenta.
Lacerda nota também que, diferentemente de muitas
obras no Brasil, "aqui cada um tem a sua função e ninguém trabalha além
das horas combinadas".
"Meu pai trabalhava como pedreiro e posso
comparar a minha realidade com a dele. Não tenho o que reclamar. Ele voltava
para casa todo sujo, exausto, e fazia de tudo", diz.
"Por outro lado, aqui temos o que chamamos de
'obra limpa'. Trabalhamos seguindo regras muito rígidas", resume ele, em
alusão ao conceito que combina segurança do trabalho e construção consciente,
que busca minimizar o descarte de resíduos.
Apesar disso, Lacerda diz que cogita voltar a morar
no Brasil temporariamente. Ele se queixa da falta de empregos — uma vez que é
contratado como colaborador independente, por trabalho — devido à desaceleração
da economia do Reino Unido.
"Encontrar emprego aqui tem sido mais difícil.
Penso em voltar a morar no Brasil por um tempo, mas não permanentemente".
Tanto Andrade como Lacerda vivem no Reino Unido
legalmente — ambos têm status de residentes (settled).
Eles contaram à BBC News Brasil que, diferentemente
do passado, quando a contratação de brasileiros indocumentados era comum no
setor de construção civil, hoje essa prática se tornou muito mais difícil.
Para ser contratado, o trabalhador precisa
apresentar o chamado share code, um código virtual único para cada individuo,
no qual consta sua situação migratória. Isso praticamente inviabilizou o uso de
documentação física falsa, como ocorria com frequência anteriormente, segundo
relato de trabalhadores do setor — uma medida do governo para coibir a
imigração irregular.
• Segurança
do trabalho
Um consenso entre os entrevistados sobre o setor de
construção civil no Reino Unido é a segurança do trabalho.
A paulista Raissa Schekiera, gerente de uma empresa
especializada na logística da obra, diz que esse é um ponto crucial.
"Aqui no Reino Unido, nada pode ser feito sem
um risk assessment (avaliação de risco), destaca.
"Nesse documento, estão listadas as atividades
dos funcionários, o que ele pode ou não pode fazer, bem como os riscos
envolvidos em sua função", acrescenta.
"Lembro-me de uma vez que um operário estava
varrendo o chão, tropeçou e quebrou o pé. Caso ele não tivesse assinado o risk
assessment, isso poderia causar problemas imensos para a empresa na
Justiça".
Os profissionais ouvidos pela BBC News Brasil dizem
que, na prática, não encontraram condições parecidas em suas experiências com
obras no Brasil.
• Novas
regras
Para pedir o visto, o profissional precisa obter
uma oferta de trabalho de um empregador no Reino Unido antes de dar entrada no
documento, além de atender aos requisitos do idioma inglês, segundo o
Ministério do Interior britânico.
O profissional interessado em migrar tem o benefício
de pagar taxas de visto mais baixas. A categoria também segue regras mais
flexíveis em relação ao valor do salário exigido para aplicar para o visto.
A lista de ocupações com escassez de mão de obra é
revisada a cada seis meses pelo Migration Advisory Committee (MAC), órgão que
aconselha o governo britânico para assuntos de migração. Uma nova revisão está
prevista para ocorrer a partir de setembro.
O MAC recomendou cinco profissões para serem
incluídas na lista:
• Pedreiros
• Reparadores
de telhados e ladrilheiros
• Carpinteiros
e marceneiros
• Profissões
afins nos serviços de construção civil
• Gesseiros
Atualmente, na maioria dos casos, os estrangeiros
precisam ganhar pelo menos 26,2 mil libras (R$ 165 mil) para pedir um visto de
trabalhador qualificado. Mas essa exigência pode cair para 20,96 mil libras (R$
132 mil) no caso de emprego da lista de escassez.
• Teoria
x prática
Andrade e Shekiera acreditam que haja maior procura
de brasileiros interessados em trabalhar no Reino Unido devido à flexibilização
das regras.
Por outro lado, temem que a contratação dessa mão
de obra se torne inviável pelo alto custo em trazer esses profissionais do
Brasil e pelas exigências a serem cumpridas por eles, como falar inglês.
"Não conheço nenhum funcionário que não tenha
inglês como língua materna nesse programa de patrocínio", diz Shekiera.
"Além disso, estes costumam reclamar que
ganham menos do que outros empregados que não foram contratados por esse
esquema", acrescenta.
"Vale lembrar também que o visto está atrelado
à empresa, portanto, você não pode mudar de emprego quando bem entender",
conclui.
Reino
Unido facilita visto para atrair pedreiros e pode beneficiar brasileiros
As regras de visto para trabalhar no Reino Unido
estão sendo facilitadas para pedreiros, carpinteiros e indivíduos que atuam no
setor pesqueiro no exterior, confirmou o Ministério do Interior britânico.
Reparadores de telhados e gesseiros também foram
adicionados à lista de ocupações com escassez de mão de obra.
Pela medida, áreas nas quais há dificuldade para o
preenchimento de vagas têm restrições de visto temporariamente reduzidas.
Assim, profissionais que atuam nessas áreas com
escassez de mão de obra podem solicitar um visto de trabalhador qualificado
(skilled worker, no original em inglês) para atuar no Reino Unido.
Para pedir o visto, o profissional precisa obter
uma oferta de trabalho de um empregador no Reino Unido antes de dar entrada no
visto, além de atender aos requisitos do idioma inglês.
O profissional interessado em migrar tem o
benefício de pagar taxas de visto mais baixas. A categoria também segue regras
mais flexíveis em relação ao valor do salário exigido para aplicar para o
visto.
A lista de ocupações com escassez de mão de obra é
revisada a cada seis meses pelo Migration Advisory Committee (MAC), órgão que
aconselha o governo britânico para assuntos de migração. Uma nova revisão está
prevista para ocorrer a partir de setembro.
O governo negou que a medida contradiz as
tentativas de reduzir a imigração.
O Partido Conservador, vencedor das eleições gerais
de 2019, comprometeu-se a reduzir o número de imigrantes, sem estabelecer uma
meta específica. "Queremos garantir que tenhamos uma força de trabalho
doméstica especialmente treinada", acrescentou o partido na ocasião.
O MAC recomendou cinco profissões para serem
incluídas na lista:
• Pedreiros
• Reparadores
de telhados e ladrilheiros
• Carpinteiros
e marceneiros
• Profissões
afins nos serviços de construção civil
• Gesseiros
O parlamentar conservador Marco Longhi descreveu o
anúncio do governo como "maluco", acrescentando: "O vício deste
país na imigração como uma solução para tudo precisa parar".
“Precisamos reformar as universidades e treinar
nosso próprio pessoal por meio de estágios e outros meios e produzir pessoas
prontas para o trabalho”, acrescentou.
O Ministério do Interior também adicionou
profissões associadas ao comércio de peixes à lista, juntamente com
"ocupações agrícolas elementares".
O governo está reduzindo as restrições à indústria
pesqueira como parte de uma reforma mais ampla no setor — que inclui um Fundo
de Frutos do Mar do Reino Unido de 100 milhões de libras (R$ 630 milhões).
O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, já
havia se queixado de que a migração para o Reino Unido é "muito
alta", depois que a migração líquida (a diferença entre os migrantes que
entram e saem) atingiu níveis recordes no ano passado.
Segundo o Escritório de Estatísticas Nacionais
(ONS, na sigla em inglês), o IBGE britânico, o país ganhou mais de 606 mil
imigrantes em 2022.
Em um discurso em maio, a secretária do Interior,
Suella Braverman, pediu que as empresas do Reino Unido treinem cidadãos
britânicos em áreas com escassez de mão de obra em uma tentativa de reduzir a
imigração.
A revisão conduzida pelo MAC, publicada em março,
constatou que as vagas aumentaram acentuadamente nos setores hoteleiro e
construção, em relação aos níveis pré-pandemia.
Os conselheiros do órgão de migração não
recomendaram a inclusão de nenhuma ocupação da indústria hoteleira, embora
tenham dito que o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e a pandemia
tiveram "efeitos significativos" em ambos os setores.
O número de vagas subiu 65% no setor de construção
em comparação com os níveis pré-pandêmicos, segundo o relatório do MAC. Isso se
compara a um aumento de 42% na economia como um todo.
Adicionar trabalhadores da construção à lista de
escassez não faria uma grande diferença nos números gerais de migração,
acrescentou o órgão de migração.
O comitê informou que sua revisão foi baseada em
critério que avaliou se uma ocupação representou mais de 0,5% da força de
trabalho de um determinado setor e se seus vencimentos ficaram abaixo do limite
geral exigido para migrantes — segundo a regra geral, é exigido um salário de
pelo menos 26,2 mil libras (R$ 165 mil) por ano para os vistos de trabalho.
O MAC disse que também considerou a "importância
estratégica da construção para a economia do Reino Unido" e como sua força
de trabalho provavelmente mudará na próxima década, com a previsão de que
"a demanda provavelmente aumentará acentuadamente".
Em 3 de julho, um grupo de parlamentares conservadores
defendeu políticas para reduzir drasticamente a migração, alertando que o não
cumprimento delas "corre o risco de corroer a confiança do público".
Eles propuseram a concessão de vistos apenas para
trabalhadores qualificados que ganham mais de 38 mil libras (R$ 240 mil) por
ano.
Atualmente, na maioria dos casos, os estrangeiros
precisam ganhar pelo menos 26,2 mil libras (R$ 165 mil) para pedir um visto de
trabalhador qualificado. Mas essa exigência pode cair para 20,96 mil libras (R$
132 mil) no caso de emprego da lista de escassez.
Fonte: BBC News Mundo
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