PL
da Anistia: governo pode até castigar desobedientes, mas na hora de votar
matérias polêmicas precisará deles
Intensificam-se,
nesta semana, dois exercícios para a articulação político-parlamentar do
governo, e testar seu ânimo e capacidade de paciência frente a desafios
importantes, ambos sem tempo para poderem ceder a novos adiamentos
estratégicos. O primeiro é o trato a ser dado pelos governistas à campanha que vai
empurrando o Congresso para o benefício da anistia aos que foram acusados de
tramar golpe de estado em janeiro de 2023, com pedido de discussão e votação
urgentes. O segundo desafio, não menos delicado, é fazer passar a PEC que
reorganiza a política de segurança pública. Observadas as duas questões, cabe
registrar que elas não vão apenas medir a capacidade de superar interesses
conflitantes, que são muitos, mas também saber até onde vai o poder das
pressões, que procedem de vertentes várias.
Sobre a
capacidade de Lula pressionar, com base em ameaçadoras listas de deputados
simpáticos à anistia, isso não funciona, porque o governo pode até castigar
desobedientes e recalcitrantes, mas na hora de votar projetos polêmicos nas
comissões e em plenário vai precisar deles. Governo que não goza da
tranquilidade de maioria parlamentar não pode se dar ao luxo de ter o chicote à
mão.
O caso
da anistia, importante teste para os articuladores, colocou contra a parede o
presidente da Câmara, Hugo Motta, tão recentemente eleito, e já condenado a
produzir muitos desagrados, pautando ou não a delicada matéria. Seria
antipático ao Palácio do Planalto, se ceder espaço ao projeto, tido e havido
como inspiração da direita; o que de fato é, embora com todas as evidências de
ter apoio de outros segmentos políticos. Hugo também será contestado, se fizer
ouvidos de mercador, desconhecendo o clamor pelo perdão, desejado pelos
oposicionistas.
É mais
um problema que peca para ideologização, levantado tanto pela direita como pela
esquerda, numa refrega em que nem é mais importante o destino dos acusados de
preparar o golpe. Guerreando “comunistas” e “nazistas” de laboratório, fato é
que a nação não pode continuar sob o clima tenso provocado pela insegurança de
centenas de acusados, alguns culpados, outros nem tanto.
(A
bandeira bolsonarista realmente apropriou-se da campanha, que, ao fim e ao
cabo, quer mesmo é salvar a pele do ex-presidente tornado inelegível. Mas, fora
isso, há outros mastros a sustentá-la, o que inclui até discretas figuras do
próprio governo, que consideram rigoroso demais o tratamento dado aos
depredadores de janeiro de 23, como também discordam da complacência do Supremo
com certos militares envolvidos, ativos ou passivos, destacadamente o
ex-vice-presidente e hoje senador Hamilton Mourão. Sente-se que, se pudesse
escapar da fogueira inquisitória que arde em Brasília, bom para Lula seria
aceitar que fossem pra casa os manifestantes de segundo e terceiro graus, num
gesto de “piedosa tolerância”, condenando apenas quem oferece visibilidade, a
começar por Bolsonaro. Mas nesse caso o presidente ficaria contra o seu PT, que
está com sangue nas pupilas).
O que a
inteligência recomenda a quem cabe dialogar em nome do governo é aceitar, sem
alarde, sem festa, o esvaziamento do projeto de anistia, com imediata atenuação
das penas aos menos culpados. Estaria mutilando a pretensão dos direitistas,
que almejam aliviar a carga das culpas. Mas, ao dialogar, nos momentos mais
vulneráveis, precisa ter cuidado, porque nem sempre os encarregados revelam bom
desempenho, esbarram em detalhes e acabam tumultuando. Na semana passada, a voz
principal da articulação, dona Gleisi Hoffmann, confundiu-se e complicou ao
tentar desviar as pressões que chegam à mesa da Câmara. Retratou-se.
2 - A
segunda questão, outra poderosa consumidora de salivas para quem vai falar em
nome do governo, a PEC da Segurança Pública não precisaria de novas
resistências para garantir difícil tramitação no Congresso. Olhando-se a
Presidência da República, além de se tratar de matéria que conquistou espaço
entre as questões básicas do terceiro mandato, tornou-se a proposta que diz
respeito à permanência de Ricardo Lewandowski no ministério. Sendo o mais
ardoroso defensor da novidade, estaria em situação delicada se o projeto
afundar no mar das muitas resistências, entre as quais persiste o olhar
desconfiado dos governadores, que enxergam um risco para a autonomia dos
estados no campo da segurança. Lula teria como convencê-los? Há quem avança nos
temores, preocupando mais a direita: a PEC seria passo seguro rumo ao modelo
socialista do agrado dos governistas…As incursões contestatórias que tentam
conter tão grave suspeita ainda não surtiram efeito. Já havíamos falado que
estamos num tempo em que tudo acaba resvalando para a ideologia.
Na
atual quadra, quando se trata de novo esforço para abrir espaço no Congresso,
além de tentar remover temores que persistem na área da autonomia estadual,
outro teste para os articuladores do governo é convencer que já não presta para
os nossos dias a Lei 13.675, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública
sete anos atrás. Mas, sobretudo, convencer senadores e deputados que é preciso
mexer na Constituição para se alcançar bom resultado na integração de
inteligência entre todas as polícias e, com isso, chegar ao monitoramento das
grandes quadrilhas, constatado que o crime organizado já não apenas opera, mas
governa. Vê-se, não são poucos os desafios.
Há,
entre os críticos, um argumento objetivo, que o governo não consegue derrubar:
o que pode conter o crime é a gestão, sem necessidade de emendar o texto
constitucional.
• Vladimir Safatle defende punição para
preservar a democracia. Por Andrea DiP, Claudia Jardim, Stela Diogo e Ricardo
Terto
Em mais
uma tentativa bolsonarista de minimizar a gravidade dos acontecimentos do 8 de
janeiro e que não encontra respaldo na maioria da população brasileira,
conforme pesquisas DataFolha e Quest, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ)
apresentou nesta segunda-feira (14) um pedido de urgência para um projeto de
lei que propõe anistia aos condenados pela invasão dos prédios dos Poderes em
Brasília em 2023.
A
urgência do PL da anistia que elimina formalidades e acelera o processo para
que o projeto seja discutido no plenário, sugere a anulação das penas para
aqueles condenados por atos de depredação , em 8 de janeiro, e para os
envolvidos em uma tentativa de golpe de Estado que buscava impedir a posse do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva para manter o candidato derrotado
Bolsonaro no poder.
O
pedido de Sóstenes contou com 264 assinaturas — eram necessárias 257 para que o
requerimento fosse aceito – e a inclusão na pauta depende agora do presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Diante
deste cenário de pressão para anistiar crimes contra o Estado e as possíveis
consequências para a democracia, o podcast Pauta Pública desta semana
entrevistou o filósofo Vladimir Safatle, professor livre-docente da
Universidade de São Paulo que, em 2018, no período em que Jair Bolsonaro viria
a ser eleito presidente, havia alertado que “quando você não acerta as contas
com a história, a história te assombra”, em referência a outra Anistia, a de
1979, que concedeu perdão a todos os que cometeram crimes políticos ou conexos
na Ditadura Militar (1964-1985).
Safatle
avaliou à época que a eleição de Bolsonaro poderia representar um golpe militar
em marcha no país, com características próprias, que poderia acontecer a
qualquer momento: “O Brasil vai viver os próximos meses e os próximos anos com
essa espada de Dâmocles na cabeça, [o golpe] pode acontecer a qualquer
momento”.
Agora,
sete anos depois, Safatle afirma que conceder perdão a golpistas do 8 de
janeiro de 2023 seria repetir o erro histórico de um país que, desde a
redemocratização, acumula ataques à democracia, rompimentos institucionais e
crises políticas marcadas pela impunidade.
Sendo
um dos autores do manifesto Anistia Nunca Mais, uma petição pública que exige
um Tribunal Popular da Pandemia – e a punição dos crimes do governo Bolsonaro,
o filósofo defende que uma punição exemplar será simbólica para a democracia do
Brasil, “seria a primeira vez na história que o Brasil daria uma resposta
minimamente firme contra um golpe de Estado, um elemento histórico importante
para, pelo menos, preservar o país de certas coisas ou para lutar melhor.”
A
seguir, os principais trechos da entrevista que estará disponível em podcast na
próxima sexta-feira, 18 de abril.
• O PL protocolou, na segunda-feira, 14,
pedido de urgência para o projeto da anistia, com apoio de siglas da base de
Lula, passando na frente de pautas urgentes de interesse da população. Como
você vê isso?
Isso
mostra como esse partido não é nada mais do que uma associação que visa
normalizar crimes contra o Estado, essa é a sua função, ele [PL] normaliza o
que pode ser o pior de todos os crimes possíveis, que é crime contra o estado
democrático, então acho que isso mostra, afinal de contas, o que esse partido é
um elemento fundamental de desordem social, só isso, não está preocupado com
ninguém, nem com nada relacionado à população de maneira mais concreta.
• Existem indícios de que o ex-presidente
Jair Bolsonaro participou do planejamento de um golpe de Estado, da tentativa
de assassinato do presidente eleito, do seu vice, e do ministro do Supremo,
Alexandre de Moraes. Ainda assim, uma parcela da sociedade apoia o político. O
que isso significa?
Significa
que todas as vezes que você teve alguma possibilidade de uma mobilização
popular para constituição de uma sociedade um pouco mais igualitária e com um
pouco de soberania popular, o golpe apareceu. Ou seja, esse tipo de violência é
um elemento constituinte da direita brasileira. Eles operaram assim em 1964, na
passagem do Estado Novo e da República Velha. Ou seja, esse é um elemento
naturalizado do processo.
Por
isso, a punição das pessoas envolvidas no golpe de Estado, não vai parar a
direita. Não é disso que se trata, trata-se de outra coisa. Eles vão continuar,
eles têm força orgânica, o governo tem problemas estruturais, eles crescem em
torno desses problemas com apoio da direita dita liberal, porque não existe
isso de Direita Democrática, né? Então bem, isso faz parte da sociedade
brasileira. Agora, e essa Direita ela se alia organicamente aos setores mais
violentos e reacionários da direita. Nesse caso, ela vai se aliar à extrema
direita.
Caso
eles ganhem o ano que vem [eleições de 2026], você vai ver esse movimento
macabro de que vários ministros do Lula vão aparecer como ministros do governo
de extrema direita. Então, eu insisto nisso para dizer, essa dinâmica, ela vai
continuar. Aí você precisa de uma resposta política, que não está ocorrendo.
Não vai adiantar uma resposta jurídica. Mas a resposta jurídica, ela tem uma
função, que é dizer ‘nós não vamos ficar parados diante de um golpe de Estado’.
O erro do Brasil foi esse. O Brasil passou de 1945 a 1964 com algumas
tentativas de golpe de Estado e nenhuma dessas pessoas foi presa ou desarmada.
Você
tem uma história contínua de instabilidade produzida pelas forças armadas,
porque as forças armadas do Brasil é uma força de desordem nacional. Ela é o
eixo da força da desordem nacional. E isso vai continuar, então seria a
primeira vez na história que você dá uma resposta minimamente firme contra um
golpe de estado. Seria muito importante. Isso não vai resolver o problema com a
extrema direita. Mesmo Bolsonaro preso, tem uma fila de pessoas que podem
ocupar esse lugar e que vão ocupar. Você pode ter certeza. Mas pelo menos você
teria um elemento histórico importante para preservar o país de certas coisas
ou pelo menos para a gente lutar melhor, pelo menos isso.
• Nas manifestações a favor de Bolsonaro,
cartazes diziam: ‘Abaixo a justiça, sim a anistia’. No caso, anistia para os
atos de 8 de janeiro, para quem esteve envolvido na tentativa de golpe de
estado. É correto afirmar que para uma parcela da população o conceito de
justiça é opcional?
Sim,
para uma parte dela, porque essa parte da população que se junta à extrema
direita, ela sabe que, digamos, o recurso à lei é um recurso estratégico, é um
recurso instrumental, meramente retórico. Por isso, tudo o que for feito para
penalizar as pessoas que se envolveram em uma tentativa de golpe de Estado
explícita, é absolutamente legítimo.
Não foi
uma baderna. As pessoas não estavam lá se manifestando livremente. Elas
quebraram os três poderes, elas invadiram os três poderes, a Polícia Militar
permitiu essa invasão. Essas pessoas tiveram autorização para fazer, sabe, para
expor a população brasileira, a vulnerabilidade da democracia no seu sentido
mais concreto, do termo, invadindo os prédios, para que você criasse condições
para que o governo fosse obrigado a editar uma Lei de Garantia de Ordem e que
passasse literalmente o governo para as Forças Militares e as Forças Armadas.
Essa era a questão.
Se a
Polícia Militar não é garantia de nenhuma lei e ordem, ela é a figura da
desordem. E a gente viu isso muito claramente no governo Bolsonaro. Polícia
Militar, Polícia Rodoviária Federal, ou seja, esses efetivos policiais, que
eles foram mobilizados para desordem nacional.
Então é
absolutamente necessário e legítimo que essas pessoas sejam punidas. Eu diria
que é a condição para que a democracia brasileira consiga ser preservada de uma
maneira ou de outra e não só as pessoas que estavam lá, mas principalmente o
setor empresarial que financiou o processo, que financiou toda essa
organização. Incluídos o setor militar e o setor político. Porque o que
acontece? Esse setor político que estava envolvido, ele começa a legislar em
causa própria. Ele está lá no congresso, são deputados, e senadores, essas
pessoas deveriam ter sido afastadas. Não tem nenhuma razão mais forte dentro de
uma democracia para você afastar alguém do que atentado contra a democracia.
Tentativa aberta, clara de golpe de Estado. Você tem até a minuta do golpe.
• E um dos pontos do Manifesto Anistia
Nunca Mais você fala sobre desmilitarização do Estado. Por que isso é
importante?
Eu fiz
parte de um grupo de ativistas, que foi responsável por essa campanha que
ocorreu logo no início do governo Lula, que era uma campanha por a Anistia
Nunca Mais, ou seja, pela responsabilização penal de Bolsonaro e não só do
Bolsonaro, mas dos membros do seu governo, dos seus apoiadores, seus apoiadores
no mundo empresarial por crimes contra a democracia e crimes contra a saúde
pública, vinculado às negligências abertas da gestão do Covid-19, né? E de
fato, uma das pautas importantes desse nosso debate era ter a consciência,
digamos, de que o estado brasileiro era muito permeado por forças militares
ainda hoje. Quer dizer, a gente viu muito claramente isso no governo Bolsonaro.
Foi um governo militar, na verdade, um governo militar que se serviu das estruturas
civis. Era um projeto dos militares, que ainda existe, que ainda está presente
no Brasil, eu lembro muito claramente anos atrás, eu escrevia falando do risco
de um golpe militar do Brasil e eu tinha que ouvir uma série de chacotas,
dizendo que isso era um absurdo, que isso era um troço completamente delirante,
sendo que a gente tava vendo muito claramente a dinâmica de um golpe militar em
curso. Hoje, eu acho que ninguém mais tem dúvida, de que o Brasil não só teve
sob o horizonte de um golpe militar, mas ele continua sobre esse horizonte.
Depois do dia 8 de janeiro, o mínimo que a gente esperava era que houvesse uma
espécie de depuração das Forças Armadas como a gente viu no governo da
Colômbia, do Petro, que ao assumir o governo, afastou praticamente 70 militares
da alta cúpula. Porque era a maneira que ele tinha de garantir que o núcleo
político das Forças Armadas não estaria em atuação. Isso não aconteceu no
Brasil.
Fonte:
JB/Agencia Pública

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