sexta-feira, 4 de abril de 2025

Jeffrei Sachs: As políticas absurdas de Trump empobrecerão os EUA e causarão danos ao mundo

O presidente dos EUA, Donald Trump, está destruindo o sistema comercial global com base em uma falácia econômica básica. Ele afirma erroneamente que o déficit comercial dos EUA é causado pelo resto do mundo explorando o país, repetindo declarações como: "Ao longo das décadas, eles nos exploraram como nenhum outro país jamais foi explorado na história..."

Trump pretende fechar o déficit comercial dos EUA impondo tarifas, impedindo importações e restaurando o equilíbrio comercial (ou induzindo outros países a pararem de "explorar" os EUA). No entanto, as tarifas de Trump não fecharão o déficit comercial; ao contrário, empobrecerão os estadunidenses e prejudicarão o restante do mundo.

O déficit comercial de um país (ou, mais precisamente, o seu déficit em conta corrente) não indica práticas comerciais desleais dos países superavitários. Indica algo completamente diferente. Um déficit em conta corrente significa que o país deficitário está gastando mais do que produz. Em termos equivalentes, está economizando menos do que investe.

O déficit comercial dos EUA é uma medida da prodigalidade da classe dominante corporativa estadunidense, mais especificamente o resultado de déficits orçamentários cronicamente elevados, decorrentes de cortes de impostos para os ricos combinados com trilhões de dólares desperdiçados em guerras fúteis. Os déficits não são culpa do Canadá, do México ou de outros países que vendem mais para os EUA do que compram deles.

Para fechar o déficit comercial, os EUA deveriam fechar o déficit orçamentário. Impor tarifas aumentará os preços (como os dos automóveis), mas não fechará o déficit comercial ou orçamentário, especialmente porque Trump pretende compensar as receitas tarifárias com cortes de impostos ainda maiores para os seus doadores ricos. Além disso, ao aumentar as tarifas, os EUA enfrentarão tarifas de retaliação que prejudicarão diretamente as exportações estadunidenses. O resultado será uma situação de perda para os EUA e para o resto do mundo.

Vamos aos números. Em 2024, os EUA exportaram US$ 4,8 trilhões em bens e serviços e importaram US$ 5,9 trilhões, resultando em um déficit em conta corrente de US$ 1,1 trilhão. Esse déficit de US$ 1,1 trilhão é a diferença entre os gastos totais dos EUA em 2024 (US$ 30,1 trilhões) e a renda nacional dos EUA (US$ 29,0 trilhões). Os EUA gastam mais do que ganham e pegam emprestado a diferença do restante do mundo.

Trump culpa o mundo pelo déficit estadunidense, mas isso é um absurdo. São os EUA que estão gastando mais do que ganham. Considere este exemplo: se você é um funcionário, tem um superávit em conta corrente com o seu empregador e um déficit com as empresas das quais compra bens e serviços. Se você gasta exatamente o que ganha, está em equilíbrio. Mas suponha que você faça compras excessivas e gaste mais do que ganha, acumulando dívidas no cartão de crédito. Agora você tem um déficit em conta corrente. As lojas estão explorando você ou a sua própria imprudência está lhe endividando?

As tarifas não fecharão o déficit comercial enquanto continuar a irresponsabilidade fiscal dos saqueadores corporativos e sonegadores de impostos que dominam Washington. Mesmo que Trump reduza importações de automóveis e outros bens, os estadunidenses passarão a comprar produtos fabricados internamente, reduzindo as exportações. Além disso, tarifas retaliatórias de outros países prejudicarão ainda mais as exportações estadunidenses.

As tarifas elevarão os preços dos automóveis e os salários dos trabalhadores do setor automotivo, mas esses aumentos serão pagos com a queda do padrão de vida dos estadunidenses, não com um aumento na renda nacional. A verdadeira forma de apoiar os trabalhadores dos EUA é com medidas federais opostas às de Trump - como cobertura universal de saúde, apoio à sindicalização e investimentos em infraestrutura moderna e energia verde, financiados com impostos mais altos sobre os mais ricos e as corporações.

Trump e os republicanos no Congresso querem cortar o Medicaid para abrir espaço para mais cortes de impostos para os mais ricos. Em breve, podem atacar a Seguridade Social e o Medicare também.

As tarifas de Trump fracassarão em fechar os déficits comercial e orçamentário, aumentarão os preços e tornarão os EUA e o mundo mais pobres, desperdiçando os benefícios do comércio. Os EUA se tornarão inimigos do mundo pelo dano que estão causando a si mesmos e aos demais.

¨      Trump e o dia que não será esquecido. Por André Gattaz

Ao apresentar as novas tarifas de importação nesta quarta-feira (2/abr), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, gabou-se de que esse dia não será esquecido jamais. E não será mesmo, pois com duas canetadas o imprevisível presidente inaugurou uma nova era de protecionismo para seu país, retomando os anos finais do século XIX. Naquela época o protecionismo foi importante para proteger a nascente indústria do país, porém foi abandonado após a Grande Depressão (da qual o protecionismo foi um dos vetores), em prol de uma maior abertura dos mercados mundiais aos seus produtos. Fundamentados numa pujante indústria e no desenvolvimento tecnológico de ponta, ao longo do século XX os Estados Unidos tornaram-se a maior potência econômica do planeta, exportando seus produtos industriais e serviços em troca da importação de produtos agrícolas, minério e petróleo dos países menos desenvolvidos. 

O final do século XX e o início do XXI presenciaram a chamada “globalização”. Esta, mais do que representar a abertura dos mercados globais, foi caracterizada pela busca das grandes empresas estadunidenses (e do capitalismo central europeu e asiático) de produzir seus produtos em países com menor custo de mão de obra e insumos (especialmente na Ásia), de maneira a maximizar seus lucros. Para esse sistema contribuiu também o fim do padrão-ouro decretado por Nixon em 1971, fazendo com que os Estados Unidos pudessem emitir moeda sem lastro para pagar suas importações. Com isso seus cidadãos passaram a consumir cada vez mais os produtos de todas as partes do mundo (ainda que de marcas estadunidenses, europeias ou japonesas), em troca de um pedaço de papel esverdeado sem valor. Com o acúmulo deste, governos e empresários de todo o mundo passaram a comprar títulos do Tesouro dos EUA, que também vêm se transformando em papéis sem valor, uma vez que chegando a 35 trilhões de dólares (e crescendo), a dívida pública não poderá jamais ser paga. Ou seja: durante décadas os EUA trocaram produtos por dívidas.

Voltemos a Trump. Segundo ele, por décadas o país foi “saqueado, pilhado, estuprado e roubado por nações próximas e distantes, tanto amigas quanto inimigas” – quando na verdade foi o oposto que ocorreu, conforme vimos acima. Assim, o presidente decretou a tarifa de importação mínima de 10% sobre produtos de 126 países, e de tarifas de 11% a 50% sobre outros 59 países – conforme indicado numa tabela que demonstra o uso da mentira como estratégia de governo. Nesta tabela, aquilo que foi denominado como “Tarifas cobradas sobre os EUA” na verdade indica o diferencial entre as exportações e as importações do respectivo país para os Estados Unidos. Assim, um país que exporta US$ 100 bilhões ao ano, porém importa apenas US$ 10 bilhões, acabou sendo representado por uma “Tarifa” de 90% na tabela (sobre a qual os EUA oferecerão um “desconto” de 50%). Portanto, os países que têm maior superávit comercial com os EUA (ainda que países pobres ou em desenvolvimento) foram os mais prejudicados, tais como Vietnã e Camboja – onde são produzidos os tênis Nike que os estadunidenses tanto amam e consomem, mas que não são mercados significativos para produtos Made in USA, tais como os carros da Tesla ou Bourbon whiskey. 

O receio de que as novas tarifas desencadeiem uma “guerra comercial”, no entanto, pode ser infundado, especialmente porque a imprevisibilidade e a arrogância estadunidense vêm levando os demais países a fortalecerem seus laços comerciais, de maneira a buscar mercados alternativos para seus produtos. Esse movimento soma-se ao fortalecimento dos laços multilaterais e a busca de alternativas aos títulos do EUA e ao dólar, que tiveram impulso após a exclusão da Rússia do Swift (o sistema de pagamentos mundial) e o bloqueio de seus recursos em bancos da Europa e dos EUA após a invasão da Ucrânia, e com o fortalecimento e crescimento dos BRICS. Mesmo a “retaliação” dos países prejudicados pode não ser interessante, já que a demanda por seus produtos continuará existindo, e quem pagará a conta será a população estadunidense, já que os importadores deverão cobrar do consumidor o custo extra da importação. 

Há problemas também nos princípios da aplicação dessas novas tarifas. Um dos objetivos de Trump, que é reindustrializar os Estados Unidos, é contraditório ao objetivo de arrecadar impostos de importação para diminuir os impostos sobre a renda e o lucro das empresas, pois uma vez que os consumidores substituam os produtos importados, não haverá mais arrecadação com impostos de importação. Além disso a tal reindustrialização pode acabar não ocorrendo, ou ocorrendo de maneira muito lenta, já que o país ainda tem mão-de-obra e insumos bem mais caros do que no restante do mundo, além de estar sucateando sua educação, o que reflete na produtividade do trabalho e na inovação tecnológica. 

Para o Brasil, apesar do esperneio de setores do governo e empresariais, a conta deve acabar ficando positiva, uma vez que será taxado “apenas” em 10% por ter déficit comercial com os EUA. Assim, os produtos brasileiros estarão entre aqueles com a tarifa mínima de importação, e podem ganhar mercado nos EUA, pois concorrem com produtos de países que foram taxados mais fortemente. Além disso, o choque de demanda nos EUA, com a provável diminuição do consumo, poderá levar a uma maior oferta mundial de todo o tipo de produtos, e a consequente diminuição dos preços – especialmente de produtos das economias mais afetadas pelo tarifaço: China e União Europeia. 

As novas tarifas de Trump, a dívida crescente e impagável dos Estados Unidos, a progressiva fuga do dólar e dos títulos do Tesouro (evidenciada no aumento exponencial do preço do ouro no último ano), o sucateamento da educação e da pesquisa nos EUA (evidente no atual atraso tecnológico do país em relação à China), o abandono das organizações multilaterais, e finalmente o apoio incondicional ao genocídio israelense na Palestina – entre muitos outros fatores – evidenciam a derrocada do império estadunidense. E isto não mais é uma previsão teórica, baseada no conhecimento histórico de que todos os impérios algum dia tiveram fim, mas um processo visível e em plena ocorrência. 

¨      Europa pode acelerar acordo comercial com Mercosul após tarifas de Trump

A União Europeia iniciou nesta quinta-feira (3) uma articulação diplomática e comercial em resposta às novas tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tomou posse em seu segundo mandato em 2025. De acordo com o Financial Times, o bloco europeu ainda discute o pacote de retaliações à sobretaxa linear de 20% sobre produtos europeus, mas já aponta caminhos alternativos, como a aceleração de acordos comerciais em andamento — entre eles, o tratado com o Mercosul, assinado no fim do ano passado no Uruguai, como foi reportado pela Folha de S. Paulo.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, criticou duramente a decisão de Trump e alertou para os impactos globais da medida. “As consequências serão terríveis para milhões de pessoas em todo o mundo. Também para os países mais vulneráveis, que agora estão sujeitos a algumas das tarifas mais altas dos EUA. É o oposto do que queremos alcançar”, afirmou em pronunciamento. Ela acrescentou que “as tarifas também prejudicam consumidores em todo o mundo. Isso será sentido imediatamente. Milhões de cidadãos enfrentarão contas de supermercado mais altas. Os medicamentos custarão mais caro, assim como o transporte. A inflação aumentará.”

Segundo Von der Leyen, a Comissão já finalizou um primeiro pacote de contramedidas específicas para o aço, mas outras medidas estão sendo preparadas. “Estamos nos preparando para outras contramedidas, para proteger nossos interesses e nossas empresas caso as negociações fracassem”, afirmou. A sobretaxa sobre o aço e o alumínio já vigora há semanas e será respondida com tarifas sobre produtos americanos que podem atingir € 26 bilhões (cerca de R$ 157 bilhões). Além disso, nesta quinta-feira, entrou em vigor uma tarifa de 25% sobre a exportação de automóveis europeus aos EUA, atingindo diretamente a indústria do continente.

Von der Leyen também expressou preocupação com os efeitos indiretos da política de tarifas. “Estaremos observando atentamente os efeitos indiretos que essas tarifas podem ter, pois não podemos absorver o excesso de capacidade global nem aceitaremos o dumping em nosso mercado”, destacou.

As reações nos países-membros da UE também foram contundentes. Um porta-voz do governo francês acusou Trump de adotar uma “atitude imperial” e agir como “senhor do universo”. O ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, alertou para a necessidade de unidade europeia, lembrando que seu país é o maior exportador do bloco.

Entre as cartas que Bruxelas pode usar em sua resposta estão sanções amparadas pela Lei de Mercados Digitais (DMA), em vigor desde 2022. A legislação busca limitar práticas anticompetitivas de grandes empresas de tecnologia e pode ser utilizada para multar gigantes como Apple e Meta (controladora do Facebook) por supostas violações. Outras opções em estudo incluem restrições à atuação de bancos americanos na Europa, a exclusão de empresas dos EUA de licitações públicas no bloco e até limitações a direitos de propriedade intelectual.

O setor de serviços, um dos poucos em que os Estados Unidos têm superávit na balança comercial com a Europa — estimado em € 110 bilhões (R$ 664 bilhões) —, também pode ser alvo de medidas de contenção.

O cenário europeu, portanto, aponta para uma reação firme e articulada frente à política agressiva de Trump, com forte apelo à diversificação de parcerias. Nesse contexto, o Mercosul surge como peça-chave para o redesenho das relações comerciais da União Europeia no novo cenário geopolítico.

 

Fonte: Brasil 247 

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