Vereador
que propôs multa de R$ 17 mil para doação de comida pede desculpas a ONGs e
promete extinguir projeto
Em
reunião com dez entidades e ONGs que atuam com pessoas em situação de rua em
São Paulo, o vereador que propôs o projeto de lei que prevê multa de R$ 17 mil a quem descumprir determinados requisitos sobre doação de
alimentos pediu desculpas às entidades e se comprometeu a extinguir a
proposta.
O
encontro aconteceu nesta segunda-feira (1º), na Câmara Municipal de São Paulo.
ONGs
participantes da reunião:
- Instituto GAS
- Instituto CÉU Estrela Guia
- Bumerangue do Bem
- Instituto Amigos
- Mãos na Massa
- Moradores de Rua e Seus Cães
- Ninho Social
- Pãozinho Solidário
- Projeto Life
- Projeto Superação
O
fundador do Instituto GAS, Christian Francis Braga, informou
ao g1 que o vereador Rubinho Nunes (União) reconheceu que errou
quando não usou o valor em real (R$) para estipular a multa. Em vez disso, usou
Unidade Fiscal do Estado de São Paulo (UFESP) - medida que serve para definir
várias taxas cobradas pelo Estado.
"Ele
já começou a reunião pedindo desculpas a todas as entidades, a todos que se
sentiram ofendidos com o texto. Ele reconheceu que errou na redação. Reconheceu
que errou porque estava colocando a multa como UFESP, não como real (R$), e que
ele se desculpava com a gente ali", disse o fundador do Instituto GAS.
"Foi
muito produtivo, conseguimos sair de uma suspensão de PL para a sua
liquidação", completou. Na sexta-feira (28), o vereador Rubinho Nunes
(União) já havia recuado e indicado que suspenderia a tramitação do texto.
O
padre Julio Lancellotti considerou a reunião como "um importante movimento
da sociedade civil e da opinião pública, que se manifestaram e marcaram posição
pelo discernimento e sensatez".
"Nós
pautamos a gravidade do que foi esse projeto de lei. O vereador não tinha
percebido, segundo ele, a dimensão do que aconteceu, da reverberação negativa.
Demonstramos a ele que era necessário que ele reconhecesse esse erro para que
este projeto de lei fosse extinto. Segundo ele, nós ficamos acordados que este
projeto de lei foi extinto", afirmou ao g1 o Pai Denisson
D’Angiles, fundador do Instituto CÉU Estrela Guia.
Além
disso, o vereador teria acordado com as ONGs a criação de uma comissão formada
pelo poder público, pelas entidades da sociedade civil e por pessoas em
situação de rua para que o tema do projeto possa ser debatido "de maneira
mais ampla e concreta".
"Ele
pediu desculpas e reconheceu esse erro dele. Assumimos esse compromisso juntos
e, agora, vamos aguardar. Vamos acreditar que isso vai ter legitimidade da
parte dele. Não queremos que esse debate se encerre após às eleições".
afirmou D’Angiles.
O g1 procurou
o vereador para comentar as decisões tomadas durante a reunião, mas não obteve
retorno até a última atualização desta reportagem.
·
Multa de R$ 17 mil
O
texto, que estabelecia regras tanto para ONGs e entidades quanto para pessoas
físicas, foi aprovado (1ª votação) em 25 segundos durante sessão na
Câmara Municipal.
Esse
foi o tempo entre o momento em que o vereador João Jorge (MDB), vice-presidente
da Câmara, declarou aberta a discussão e o momento em que declarou aprovado o
projeto. Confira o diálogo:
- — "Em discussão. Não há oradores inscritos em votação.
Os vereadores... [inaudível]. Está aprovado o projeto do vereador Rubinho
Nunes [União]", diz o presidente da sessão, o vereador João Jorge
(MDB).
- — "Pela ordem, presidente", diz o vereador
Senival Moura (PT).
- — "Pela ordem", diz o vereador Celso Gianazzi
(PSOL).
- — "Pela ordem segunda. Pela ordem, vereador Senival
Moura", diz o vice-presidente.
- — "Presidente, só para registrar voto contrário da
bancada de vereadores do PT, conforme combinado anteriormente",
afirma Senival.
- — "Registrado. Vereador Celso Gianazzi...", diz
João Jorge.
- — "Registrar voto contrário da bancada do PSOL",
diz Giannazi.
- — "Registrado. Mesmo assim, aprovado", finaliza
João Jorge.
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Requisitos impostos pela lei:
Para
doar alimentos, as pessoas físicas deverão:
- Limpar toda a área onde será realizada a distribuição dos
alimentos e disponibilizar tendas, mesas, cadeiras, talheres, guardanapos
e "demais ferramentas necessárias à alimentação segura e digna,
responsabilizando-se posteriormente pela adequada limpeza e asseio do
local onde se realizou a ação";
- Autorização da Secretaria Municipal de Subprefeituras;
- Autorização da Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social (SMADS);
- Cadastro de todos os voluntários presentes na ação junto à
SMADS.
Além
dos requisitos descritos acima, as entidades e ONGs deverão:
- Apresentar a razão social da entidade registrada e
reconhecida por órgãos competentes do município;
- Apresentar documento atualizado com informações sobre o
quadro administrativo da entidade, com nomes e cargos dos membros e as
devidas comprovações de identidade;
- Fazer cadastro das pessoas em situação de vulnerabilidade
social com informações atualizadas;
- Identificar com crachá da entidade os voluntários do
momento da entrega do alimento;
- Autenticar em cartório ou incluir atestado de veracidade
nas documentações apresentadas pelas ONGs e entidades.
O
texto também estabelece que o local em que os alimentos serão preparados
deverão passar por vistoria da Vigilância Sanitária.
A
Prefeitura de São Paulo informou que, atualmente, não existe obrigação de
TPU (Termo de Permissão de Uso) para entrega de alimentação às pessoas em
situação de rua. Disse também que o projeto será analisado pelo prefeito, caso
seja aprovado em segunda votação.
·
OAB diz que projeto é
inconstitucional
"Se
todos são iguais perante à lei e aos poderes públicos constituídos, não pode o
Município se sobrepor às relações humanas e às relações interpessoais. Desta
forma, a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras
pessoas, seja alimentos, bens ou afetos", apontou a Comissão Permanente de
Direitos Humanos da OAB-SP.
O
padre Julio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua de SP,
disse, em entrevista ao g1, que o projeto "é aporofóbico, de punição aos pobres e
daqueles que estão a seu serviço'."
·
'Arbitrariedades sem
sentido', dizem ONGs
Ao g1,
representantes de ONGs que atuam com pessoas em situação de rua apontaram que
exigir listas, documentos e autorizações são "arbitrariedades sem sentido
ou base que, com certeza, afastarão voluntários e inibirão o trabalho
humanitário realizado hoje pelas ONGs na cidade".
"A
proposta encabeçada pelo vereador Rubinho Nunes [União] novamente mostra um
profundo desconhecimento dele em relação à realidade da população vulnerável na
cidade. Centenas de entidades fazem o trabalho que a prefeitura deveria fazer,
mantendo essas pessoas vivas, alimentadas e protegidas do frio. São grupos de
voluntários. Muitas dessas ONGs são formalizadas, mas muitas não são,
justamente por se tratar de projetos formados por cidadãos que resolveram fazer
o que o Estado falha em fazer", destacaram Thiago Branco, fundador
da ONG Mãos na Massa, e Christian Francis Braga, fundador
do Instituto GAS.
"Como
ficam ações emergenciais no frio, por exemplo, se precisarmos de autorizações
das Subprefeituras? As multas de R$ 17 mil para entidades que não possuem fins
lucrativos são um disparate à humanidade e ao bom senso, comprovando que o
parlamentar só tem o objetivo de impedir o socorro humanitário a pessoas que
ele, como representante do povo, deveria ter se importado em todo o seu
mandato", completaram.
Pai
Denisson D’Angiles, fundador do Instituto CEU Estrela Guia, disse
estar estarrecido com o projeto de lei.
"Quando
alguém com o poder de legislar sobrepõe as suas vontades próprias em vez de
coibir a fome, nos preocupa muito. A fome está latente no coração da cidade.
Uma pessoa com um pouquinho de discernimento, com um pouquinho de razão, jamais
cercearia este bem-estar, cercearia a vida de uma pessoa".
"Por
que, em vez de se coibir ações voluntárias, extremamente amorosas, bondosas,
válidas e amparadas pela Constituição, não se propõe ajudar essas instituições
cedendo espaço, mecanismos para que elas funcionem?", questionou.
"São distribuídas cerca de 400 a 600 refeições por dia, tudo isso de
maneira gratuita", completou Denisson.
A Ação
da Cidadania, uma das maiores ONGs de combate à fome no país, também criticou o
projeto: "O político que toma a decisão de restringir o trabalho de
organizações sérias e comprometidas em levar comida e solidariedade à população
em situação de vulnerabilidade social está seriamente comprometido em extinguir
a existência das 10,6 milhões de pessoas que vivem no estado de São Paulo e
hoje não conseguem fazer todas as refeições como deveriam".
"É
triste observar que representantes políticos da maior metrópole do país
estabeleça, critérios para que a sociedade civil cumpra com um trabalho que
deveria ser uma atribuição do poder público, sob consequência de pagamento de
multa de até R$ 17 mil, além de tantas outras barreiras burocráticas com o
claro objetivo de desencorajar a atuação de organizações não-governamentais e
entidades que distribuem refeições diárias para quem não tem o que comer",
destacou a entidade.
Em
nota, Rubinho Nunes (União), autor do projeto, afirmou que "o objetivo do
projeto é garantir protocolos de segurança alimentar na distribuição,
prestigiando a higiene e o acolhimento das pessoas vulneráveis durante a
alimentação". Disse também que "alguns veículos deram uma
interpretação errada e desvirtuada sobre o projeto".
"O
projeto também otimiza a assistência, pois evita desperdício e a venda de
marmitas para compra de drogas devido à distribuição concentrada, o que
prejudica a ajuda a pessoas em regiões mais afastadas da cidade",
completou.
·
Oposição quer barrar
projeto
A
vereadora Luna Zarattini (PT) disse ao g1 que irá
"buscar meios de este retrocesso não acontecer na nossa cidade".
"Em
vez de o Projeto incentivar as ONGs no combate à fome e à miséria na nossa
cidade, estimula multas e penalidades através de muitos requisitos meramente
burocráticos. O vereador em questão tem histórico de perseguir aqueles e
aquelas que tem se indignado com o crescimento da população em situação de rua,
que chega a 52 mil pessoas. É um absurdo que, neste cenário de abandono, a
grande preocupação seja com as ONGs e não com a fome", pontuou a
parlamentar.
A
covereadora Silvia Ferraro, do mandato coletivo Bancada Feminista do PSOL,
disse que pretende obstruir a pauta da Câmara Municipal, caso o projeto siga
para segunda votação.
"Este
projeto tem o objetivo de impedir a distribuição de alimentos para a população
em situação de rua na cidade de São Paulo. Coloca vários obstáculos irreais e
várias burocracias para, na prática, acabar com a distribuição de comida para
uma população extremamente vulnerável e famélica".
“O
vereador autor do projeto quer matar de fome a população em situação de rua,
burocratizando e impedindo na prática, a distribuição de alimentos para uma
população extremamente vulnerável!”, completou.
·
O que diz a Prefeitura
de SP
A
Prefeitura de São Paulo divulgou a seguinte nota:
"A
Prefeitura de São Paulo informa que o Projeto de Lei segue em discussão na
Câmara Municipal de São Paulo e será analisado pelo prefeito caso seja aprovado
em segunda votação.
Atualmente,
não existe obrigação de TPU (Termo de Permissão de Uso) para entrega de
alimentação às pessoas em situação de rua.
A
gestão municipal mantém dois programas de Segurança Alimentar que entregam
refeições para população vulnerável em todas as regiões da cidade.
No
Centro, o programa Rede Cozinha Escola fornece, no mínimo, 400 refeições
diárias de segunda a sábado por meio de cinco organizações sociais.
Pelo
Programa Rede Cozinha Cidadã são distribuídas 2.400 refeições na região central
de segunda a domingo.
Fonte:
g1
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