Novos
critérios para diagnóstico de Alzheimer são criticados por especialistas
Com
outro tratamento caro para a doença de Alzheimer aguardando uma decisão de
aprovação em breve, a Associação de Alzheimer, uma organização sem fins
lucrativos, publicou a versão final de seus novos critérios diagnósticos para a
doença.
Pela
primeira vez, os critérios pedem que os médicos que diagnosticam a doença se
baseiem em biomarcadores — pedaços de beta-amiloide e proteínas tau detectados
por testes laboratoriais ou em exames de imagem do cérebro — em vez de testes
de memória e raciocínio feitos com papel e caneta.
A
ideia por trás da mudança, segundo os autores, é detectar a condição em seus
estágios mais iniciais e tratáveis, antes mesmo do desenvolvimento dos
sintomas. No entanto, isso também significa que as pessoas poderiam ser
diagnosticadas com Alzheimer com base apenas em um exame de sangue, mesmo que
não apresentem dificuldades de memória.
Os
autores argumentam que a biologia deve ser a base do diagnóstico, em vez dos
sintomas. Além disso, eles dizem que o fato de uma pessoa não apresentar
sintomas não significa que ela não os desenvolverá no futuro.
Mas
os critérios foram criticados por especialistas externos e grupos de vigilância
da indústria farmacêutica, que apontam que pessoas podem ter proteínas
beta-amiloide no cérebro e no sangue sem nunca desenvolverem sintomas de
demência. Eles também destacam que não há pesquisas que sustentem a ideia de
que administrar medicamentos caros e arriscados antes do surgimento dos
sintomas beneficiará essas pessoas a longo prazo.
• Riscos e benefícios do diagnóstico
precoce
Em
ensaios clínicos, os novos medicamentos — que são anticorpos que reconhecem e
se ligam a pedaços de beta-amiloide para removê-los do cérebro — mostraram
benefícios modestos.
Peptídeos
beta-amiloide são fragmentos de proteínas que formam placas pegajosas no
cérebro. Juntamente com outra proteína, tau, que cria emaranhados fibrosos que
bloqueiam a comunicação entre células nervosas, são considerados uma
característica marcante da doença de Alzheimer.
Ainda
há debate sobre o papel do beta-amiloide na doença, e alguns especialistas
sustentam que as placas são uma consequência da condição, e não sua causa.
Em
um estudo de 18 meses com pessoas nos estágios iniciais da doença de Alzheimer,
o anticorpo lecanemab — aprovado pela Administração de Alimentos e Medicamentos
dos EUA (FDA) em 2023 — retardou a taxa de declínio cognitivo em 27% em
comparação com um placebo.
Também
no ano passado, o medicamento experimental donanemab pareceu retardar a
progressão da doença em cerca de 35% em comparação com um placebo. Este mês, um
grupo de especialistas que aconselha o FDA em suas decisões de aprovação de
medicamentos recomendou unanimemente a aprovação do donanemab para a doença de
Alzheimer.
Os
medicamentos trazem alguns riscos. À medida que removem o amiloide, podem levar
ao acúmulo de fluidos, inchaço e até micro-hemorragias no cérebro, o que pode
levar à hospitalização.
Ambos
os ensaios foram realizados em pessoas que apresentavam sintomas iniciais de
declínio de memória. Estudos que testaram anticorpos em pacientes com acúmulo
de amiloide no cérebro, mas sem sintomas, não encontraram benefícios para os
pacientes.
“Não
há evidências para isso”, diz George Perry, neurobiólogo e editor do Journal of
Alzheimer’s Disease.
Críticos
dizem que os novos critérios poderiam expandir drasticamente o número de
pessoas elegíveis para tomar os novos medicamentos e poderiam gerar enormes
lucros para os fabricantes de medicamentos no processo.
“A
Associação de Alzheimer deveria perder toda a credibilidade ao lançar
diretrizes que rotulam pessoas perfeitamente normais como portadoras da doença
de Alzheimer”, afirma Adriane Fugh-Berman, diretora do PharmedOut, um programa
da Universidade de Georgetown que rastreia táticas de marketing farmacêutico.
“Se
seguidas, essas diretrizes arruinarão a vida de dezenas de milhares de pessoas
que serão mal informadas de que têm demência”, diz. “As únicas entidades que
ganham com essa tragédia são as empresas farmacêuticas que fabricam
medicamentos para Alzheimer e a Associação de Alzheimer, que se aproveita do
medo.”
A
Associação de Alzheimer diz que seus critérios são baseados nos mais recentes
avanços na ciência do Alzheimer. Como as terapias para Alzheimer não foram
aprovadas para pessoas sem sintomas, por enquanto, ela recomenda não realizar
testes diagnósticos em pessoas sem comprometimento cognitivo, de acordo com o
grupo de trabalho que desenvolveu os critérios.
“Nosso
objetivo ao compartilhá-los agora — mesmo enquanto o campo e nosso conhecimento
continuam a evoluir — é avançar no diagnóstico, tratamento e prevenção para
melhorar o cuidado individual e reduzir o impacto social do Alzheimer”, diz
Maria C. Carrillo, diretora científica e líder de assuntos médicos da
Associação de Alzheimer, e autora principal dos novos critérios.
• Conflitos financeiros de interesse
Os
novos critérios — da principal organização de defesa dos pacientes com
Alzheimer — foram desenvolvidos por um grupo de trabalho de 20 membros, muitos
dos quais relataram vínculos financeiros com várias empresas que estão
comercializando novos medicamentos para Alzheimer ou que têm novos medicamentos
em desenvolvimento.
Um
terço do painel de especialistas é diretamente empregado por empresas
farmacêuticas, enquanto outro terço relatou algum outro tipo de pagamento de empresas
farmacêuticas ou de testes. Dois membros do painel eram funcionários da
Associação de Alzheimer, que também recebe financiamento de empresas
farmacêuticas. Apenas alguns membros do grupo de trabalho declararam não ter
conflitos de interesse relevantes.
“Não
deveríamos confiar neste artigo que foi basicamente desenvolvido pela
indústria. Não é uma prática padrão pensar em diretrizes dessa forma”, afirma
Eric Widera, geriatra da Universidade da Califórnia em São Francisco, que
escreveu um comentário sobre os novos critérios no Journal of the American
Geriatrics Society.
Widera
diz que é uma tática familiar para a indústria farmacêutica: expandir o mercado
para um medicamento, primeiro ampliando a população diagnosticada com a doença
que ele trata. “Isso é um aumento diagnóstico”, disse ele.
Ele
cita exemplos como a campanha de conscientização “Is it low T?“, lançada pela
Abbott Labs, que fabricou um produto de reposição de testosterona, bem como um
teste mais sensível para o hormônio.
De
maneira semelhante, a Biogen criou a campanha “It’s Time We Know” em 2021 para
disseminar a conscientização sobre o comprometimento cognitivo leve após seu
medicamento para Alzheimer, Aduhelm, obter uma aprovação controversa da FDA no
mesmo ano. O Aduhelm foi retirado do mercado desde então.
Widera
estima que até 1 em cada 10 pessoas de 50 anos, que funcionam normalmente,
testaria positivo para beta-amiloide sob os novos critérios. Atualmente, cerca
de 6 milhões de americanos vivem com Alzheimer, mas as estimativas sugerem que
aproximadamente 40 milhões testariam positivo para beta-amiloide.
“Publicações
como esta são um componente necessário de uma estratégia destinada a vender o
maior número possível de anticorpos monoclonais”, afirma Karl Herrup, professor
de neurobiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh.
• Defendendo a necessidade de
contribuição da indústria
Clifford
Jack, que estuda imagens cerebrais na Clínica Mayo, liderou o desenvolvimento
das novas diretrizes e diz estar orgulhoso do que o comitê alcançou.
“Eu
pessoalmente escrevi cerca de 99% do texto no documento final. E eu não tenho
nenhum conflito de interesse”, afirma.
A
mudança nas diretrizes foi motivada, segundo os autores, pela disponibilidade
dos primeiros medicamentos para retardar o progresso da doença, bem como por
novos testes de sangue para proteínas amiloide e tau. Esses testes estão
disponíveis para médicos e pacientes através dos laboratórios especializados
que os produzem, mas não foram aprovados pela FDA, que exige uma prova rigorosa
de que um teste não apresenta muitos falsos negativos ou falsos positivos antes
de liberar seu uso generalizado.
Em
um comentário sobre os novos critérios, publicado na sexta-feira (28) na
revista Nature Medicine, membros do grupo de trabalho disseram que ele era
composto por membros da indústria, medicina clínica e academia, bem como pela
FDA e pelo Instituto Nacional de Envelhecimento dos EUA, para incorporar uma
diversidade de pontos de vista.
“Queremos
que esses critérios reflitam o melhor conhecimento científico disponível
atualmente, e parte desse conhecimento está contido na indústria, que é quem
está realmente conduzindo esses ensaios”, afirma Jack.
“Posso
dizer honestamente que não vi nenhuma tentativa em nenhum momento por parte de
um membro do comitê de inserir qualquer tipo de interesse comercial nessas
diretrizes”, acrescenta.
O
primeiro rascunho dos critérios, que foram apresentados pela primeira vez na
Conferência Internacional da Associação de Alzheimer em 2023, observou que
estavam sendo desenvolvidos como uma colaboração entre a Associação de
Alzheimer e o Instituto Nacional de Envelhecimento (NIA).
Mas
os novos critérios receberam críticas, e o instituto removeu seu nome do título
após ter sido solicitado a fazê-lo pela administração dentro dos Institutos
Nacionais de Saúde (NIH). A colaboração violou uma política do NIH de não
endossar entidades privadas, produtos ou serviços, de acordo com um e-mail do
Instituto Nacional de Envelhecimento.
“O
NIA continua a servir no grupo de trabalho e espera continuar seus esforços
colaborativos com a Associação de Alzheimer e outras organizações envolvidas no
grupo de trabalho”, disse a agência em um comunicado.
Desde
que os critérios preliminares foram divulgados, a Associação de Alzheimer
esclareceu que estes não se destinam a servir como diretrizes diagnósticas
detalhadas para os clínicos. Em vez disso, os critérios são destinados a ser
uma “ponte” entre a pesquisa e o consultório médico.
• Novas diretrizes em desenvolvimento
A
associação disse que planeja convocar um novo grupo de trabalho, com membros
diferentes, para desenvolver diretrizes “práticas” para o diagnóstico de
Alzheimer para médicos. Não está claro o quanto essas diretrizes serão baseadas
nos critérios diagnósticos.
“Terá
que ser algo muito concreto e provavelmente incluirá recomendações que
descrevem produtos comerciais específicos”, afirma Jack.
A
Associação de Alzheimer está comprometida com o desenvolvimento de diretrizes
clínicas confiáveis “e outros tipos de orientações baseadas em evidências que
informem a tomada de decisões clínicas no nível individual, do sistema de saúde
e populacional”, diz o porta-voz Niles Franz.
“Um
critério essencial para diretrizes confiáveis, conforme definido pela Academia
Nacional de Medicina, envolve a colaboração entre um corpo organizador e
painéis de especialistas clínicos e em assuntos específicos que têm conflitos
mínimos tanto intelectualmente quanto financeiramente”, diz Franz em um
comunicado.
“Para
esse fim, a Associação recentemente estabeleceu regras para a coleta de
[divulgações de conflitos de interesse] dos indicados ao painel de diretrizes,
critérios para avaliar esses formulários e selecionar membros do painel, e
processos para gerenciar conflitos existentes e novos durante e após o
desenvolvimento das diretrizes”, acrescenta.
Franz
afirma que a associação espera ter as novas diretrizes clínicas prontas para
publicação até 2025.
Enquanto
isso, Widera e outros dizem que a decisão de tomar um dos novos medicamentos
que eliminam amiloides é altamente pessoal e deve ser feita em estreita
colaboração com um médico.
“Há,
eu diria, provavelmente mais controvérsia em torno dessas diretrizes do que em
torno dos próprios medicamentos”, afirma Widera.
Widera
diz que espera que na próxima rodada de diretrizes, a Associação de Alzheimer
considere os riscos envolvidos.
“Se
você vai ampliar a definição do que é uma doença, também deve dizer quais são
os riscos e danos de fazê-lo”, finaliza.
Fonte:
CNN Brasil
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