Decisão da CIJ 'vai inflar os ânimos'
também no norte da Palestina, diz pesquisadora
Em meio à aprovação
por Israel do maior número de assentamentos judeus na Cisjordânia dos últimos
30 anos, uma decisão da Corte Internacional de Justiça na última semana
determinou que a ocupação das terras palestinas que eleva ainda mais as tensões
no Oriente Médio é ilegal. Mas quais são as aplicações práticas da resolução
contra Tel Aviv?
Do território que nos
mapas aparecia como a Palestina até a metade do século XX, restaram menos de
22% para uma população cercada por guerras, tensões e repressão na Cisjordânia,
ao norte, e Faixa de Gaza, ao sul. No outro lado, a expansão do Estado israelense
que não poupa sequer essas áreas. Desde o início do monitoramento da
Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017, o número de assentamentos
organizados por Israel em territórios palestinos alcançou um número recorde
neste ano: chegaram a 24,3 mil, o que, segundo relatório da entidade, ameaça
qualquer possibilidade de existência da nação palestina.
Mesmo com as
significativas tensões no Oriente Médio por conta da guerra no enclave, que já
registrou mais de 39 mil mortos, Israel registrou em 2024 o maior número de
aprovações para novos ocupações na Cisjordânia dos últimos 30 anos: mais de
18,5 mil pedidos.
"Continuamos a
construir o país!", dizia em março o ministro das Finanças, Bezalel
Smotrich, sobre o avanço sobre as terras palestinas. Até que na última semana
veio uma decisão histórica da Corte Internacional de Justiça (CIJ), que
declarou o avanço israelense ilegal diante do direito internacional e ainda
recomendou que as localidades sejam devolvidas aos palestinos.
O jornalista, escritor
e fundador do canal Opera Mundi, Breno Altman, disse ao podcast Mundioka, da
Sputnik Brasil, que é a primeira vez que um parecer internacional passou a
considerar ilegítima a ocupação israelense iniciada em 1957 na região. Além disso,
o especialista considera que a resolução caracteriza a situação como um
apartheid.
"Embora não seja
uma sentença de cumprimento imediato, é uma instrução legal que vai balizar o
comportamento do Conselho de Segurança da ONU e de muitos países, que já
começaram a se manifestar de maneira mais enfática. É um fato de grande
importância, ainda que seja simbólico", declarou.
Para o especialista, o
parecer ainda coloca Israel como um Estado "fora da lei" e compara a
situação ao que ocorreu com a África do Sul durante a década de 1980, quando o
então governo passou a ser condenado e marginalizado por conta do apartheid
contra a população negra.
"Lembremos que a
África do Sul, até um certo momento, também teve o apoio dos Estados Unidos e
do Reino Unido. O que foi mudando nos anos 1980 foi, de um lado, a pressão da
opinião pública, na Europa em especial, mas também nos estados norte-americanos
iniciou-se uma onda de mobilização favorável a medidas práticas de isolamento
da África do Sul. E a outra razão era que claramente a continuidade do regime
de apartheid colocava em risco a própria estabilidade do país",
acrescenta.
Porém, diferentemente
do país africano, aponta Altman, há uma forte presença do chamado lobby
sionista no Ocidente, que faz uma influência direta em negócios internos e
sobre a política desses países.
"E claro, isso
acaba sendo um obstáculo para que esses governos ocidentais tomem medidas
práticas contra o Estado de Israel. No entanto, nós estamos assistindo uma
mobilização permanente da opinião pública dos Estados Unidos e da Europa já há
vários meses [...]. Acredito que seja um processo e o Brasil e países que
integram o BRICS, que é esse novo eixo econômico do mundo, podem exercer
pressão sobre Israel, o que deixa cada vez mais difícil esse apoio
incondicional dos EUA", declara.
·
O que quer dizer sionismo?
Conforme Breno Altman,
Israel é considerado a encarnação do movimento sionista, que pregava a
existência de um Estado judeu com duas correntes principais: proteger a
população judia do antissemitismo e da perseguição, em alta principalmente na
Europa, e a criação de um novo país onde ficavam as terras ancestrais desse
povo, que era a região da Palestina. A defesa da doutrina como solução passa a
ganhar força no final do século XIX.
"Na verdade, como
nós sabemos, a escolha da Palestina teve muito mais a ver com acordos internos
entre o sionismo e grupos da religião judaica para preservar os interesses do
imperialismo britânico, naquela época, em ter um parceiro estratégico no Oriente
Médio, que naquele momento estava sob os domínios coloniais do império
turco-otomano", diz. Anos depois, após a Segunda Guerra Mundial, foi
criado o Estado de Israel na região já sob "a benção" de outras
potências, como EUA e França.
"Israel continua
a ser um cão de guarda desse sistema imperialista no Oriente Médio. Agora já
não mais do imperialismo britânico, mas desde 1948 passou a ser um aliado
fundamental dos Estados Unidos naquela região. O próprio Joe Biden, quando era
mais jovem, chegou a dizer a seguinte frase: 'Se Israel não existisse, nós
teríamos que inventá-lo' [...]. São questões como essas que envolvem e que
determinam o comportamento até da grande mídia, especialmente aqueles que atuam
no solo norte-americano ou no solo europeu. Mas ser contra o sionismo não é ser
contra os judeus, assim como ser contra o nazismo não era ser contra os
alemães, e ser contra o fascismo não era ser contra os italianos", resume.
·
Como foi a ocupação de Israel na Palestina?
A doutora em direito
internacional e professora do Programa de Pós-Graduação em Governança,
Tecnologia e Inovação pela Universidade Católica de Brasília Priscila Caneparo
lembrou à Sputnik Brasil que a manifestação da CIJ é uma resposta à consulta
realizada pela Assembleia Geral da ONU.
"Não é uma
decisão, ela traz traz um direcionamento de quais atitudes Israel ou porventura
outro Estado deveria ter em um contexto fático ou concreto ou dentro de um
documento internacional qual a interpretação que deveriam ter para estar em
consonância com o direito internacional [...]. Costumamos dizer que é um
documento moral e político para pressionar a comunidade internacional",
afirma.
Apesar disso, a
resolução aponta que caso Israel siga com a expansão dos assentamentos em
território palestino, já há a interpretação de que está em desacordo com o
direito internacional. Entre os possíveis efeitos da medida, segundo a
analista, estão a "possibilidade concreta de ter o reconhecimento do
Estado da Palestina pela ONU e mais países [atualmente são 116] e até o corte
de recursos destinados" por outras potências a Tel Aviv.
Mesmo com a
importância da atitude da CIJ, a professora acredita que, neste momento, o
reconhecimento das ações ilegais de Israel na Cisjordânia, principalmente, pode
elevar ainda mais a temperatura no Oriente Médio.
"A gente não
consegue nem fazer um cessar-fogo efetivo dentro da região. Essa decisão, por
mais que ela seja necessária, temos que pensar primeiro que a guerra se iniciou
em 7 de outubro na Faixa de Gaza, que é a região sul da Palestina, e a Cisjordânia
é a região norte. Quando a gente vê essa decisão, que é a opinião jurídica, a
primeira consequência que eu consigo vislumbrar é que isso vai inflar os ânimos
também do norte da Palestina", declara.
·
Israel e o descumprimento de recomendações
da ONU
O presidente da
Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah, explicou à Sputnik
Brasil que atualmente há mais de 800 mil judeus nos assentamentos ao longo do
território palestino ocupado. Segundo Rabah, a Corte considerou que os países
devem se abster de prestar assistência ao governo israelense.
"É uma decisão
histórica e vem na esteira da apuração de crime de genocídio também pela Corte
Internacional de Justiça, com petição da África do Sul, admitida em 26 de
janeiro deste ano. Tem ainda a decisão de final de março de cessar-fogo
incondicional, que Israel não cumpriu até agora", pontua.
O dirigente defende
ainda que o Brasil, diante da resolução da CIJ, rompa qualquer tipo de relação
com Israel, que, de acordo com ele, tem um governo que está ampliando um
projeto colonial e genocidário no Oriente Médio.
"Se o Brasil é
signatário das convenções internacionais, como as que recriminam o genocídio, o
apartheid e o colonialismo, é insustentável que mantenha as relações". Por
fim, Ualid Rabah acredita que "as coisas não ficarão como estão" e
Tel Aviv seguirá cada vez mais isolada na comunidade internacional, inclusive
do apoio incondicional dos EUA.
"É bom a gente
ter em mente que os Estados Unidos, diferentemente do que fazem na Palestina,
matam por procuração. Eles mesmos tentaram ocupar o Vietnã e tiveram que sair,
tentaram ocupar o Afeganistão e tiveram que sair. Esse mesmo país está saindo
aos poucos do Iraque porque não consegue sustentar [motivações]. Da Síria, eles
terão que sair muito brevemente e ficaram circunscritos apenas a uma parte do
território, já que não conseguiram derrubar o governo sírio. Eles, juntamente
com forças da Itália e da França, tiveram que sair do Líbano [...]. Ou seja,
não há como persistir um projeto de extermínio como esse", conclui.
¨ 'Nossos inimigos são seus inimigos', diz Netanyahu, pedindo que
EUA acelerem entrega de armas
Em discurso feito no
Congresso dos Estados Unidos, o primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu, afirmou que os inimigos de Tel Aviv são também os inimigos de
Washington.
Durante sua fala, o
líder israelense — perante um Congresso dividido entre continuar ou não
destinando fundos em assistência ao governo Netanyahu — insistiu que Washington
acelerasse a entrega de armas e munições a Israel, depois de culpar o país
norte-americano por ter atrasado a ajuda militar nos últimos meses.
"Agradeço
profundamente o apoio dos Estados Unidos, mesmo nesta guerra atual. Mas este é
um momento excepcional. O envio da assistência militar americana poderia
acelerar dramaticamente o fim da guerra em Gaza e ajudar a evitar uma guerra
mais ampla no Oriente Médio", disse o chefe de governo israelense.
Netanyahu continuou
dizendo que "não estamos apenas nos protegendo, estamos protegendo vocês.
Nossos inimigos são seus inimigos, nossa luta é a sua luta e nossa vitória será
a sua vitória".
<><> Promessas
sem fundos
Os Estados Unidos
anunciaram várias vezes, desde o início do ano, que um acordo de cessar-fogo
havia sido atingido em princípio, ou que israelenses haviam apresentado um
acordo de paz ao Hamas, mas toda vez os israelenses recuavam ou modificavam
essa proposta.
No final de junho, um
mês após Biden ter afirmado em discurso televisionado que um acordo de
cessar-fogo havia sido proposto pelo lado israelense, Benjamin Netanyahu disse
à mídia de seu país que o acordo incluiria apenas um cessar-fogo "parcial"
e informou que Israel seguia firme no compromisso de "eliminar o
Hamas".
¨ Austrália impõe sanções contra 7 israelenses e empresa por
violência contra palestinos
O governo australiano
impôs sanções a sete israelenses e uma empresa por envolvimento na violência
contra palestinos na Cisjordânia, conforme comunicado publicado pelo Ministério
das Relações Exteriores do país nesta quarta-feira (24).
"O governo
australiano impôs sanções financeiras direcionadas e proibições de viagem
contra sete israelenses, bem como sanções financeiras direcionadas a uma
organização por envolvimento de colonos na violência contra palestinos na
Cisjordânia", detalhou o ministério.
A chancelaria do país
destaca ainda que as pessoas sancionadas estavam envolvidas em ataques
violentos contra palestinos, que incluíam "espancamentos, violência sexual
e tortura". Já com relação a empresa que recebeu as restrições, a pasta
acrescentou que pertence a um grupo de jovens "responsável" por
incitar e cometer violência contra comunidades palestinas.
"Instamos Israel
a responsabilizar os culpados pela violência dos colonos e a cessar as
atividades de colonização contínuas, que só aumentam as tensões", pontua.
<><> Sindicato
norte-americano pede fim de apoio
Em meio ao aumento da
pressão internacional sobre Israel por conta da guerra na Faixa de Gaza, um
grupo de sindicatos que representam milhões de trabalhadores dos Estados Unidos
exigiu que o presidente Joe Biden garantisse um cessar-fogo imediato e deixasse
de enviar ajuda militar a Tel Aviv.
As informações foram
veiculadas pelo jornal The New York Times na última terça (23). "[Cortar
imediatamente a ajuda militar ao governo israelense] é necessário para alcançar
uma solução pacífica para o conflito", afirmam os trabalhadores em carta
enviada ao presidente Joe Biden e à qual o jornal norte-americano teve acesso.
¨ Putin e Assad se encontram no Kremlin e discutem escalada da
situação no Oriente Médio
O presidente russo,
Vladimir Putin, recebeu seu colega sírio Bashar al-Assad no Kremlin na noite de
quarta-feira (24). Assad destacou a relevância da reunião com Putin, no
contexto dos atuais eventos geopolíticos, para discutir possíveis perspectivas
e cenários.
Assad disse a Putin
que Rússia e Síria passaram por testes difíceis nas últimas décadas.
"Considerando
todos os eventos que estão acontecendo hoje no mundo e na região da Eurásia
como um todo, nossa reunião de hoje [24] parece muito importante para discutir
todos os detalhes do desenvolvimento desses eventos, para discutir possíveis
perspectivas e cenários", afirmou o presidente sírio.
Por sua vez, Putin
propôs discutir a situação no Oriente Médio, a qual tende a piorar, lembrando
que isso também se aplica à Síria.
"Estou muito
interessado em sua opinião sobre como a situação na região como um todo está se
desenvolvendo. Infelizmente, há uma tendência à escalada, podemos ver isso.
Isso se aplica diretamente à Síria", afirmou o presidente russo.
Assad acrescentou que
a reunião coincide com o aniversário do estabelecimento de relações
diplomáticas entre Damasco e Moscou.
"Nas últimas
décadas, nossos países passaram por provações difíceis. Essas décadas
testemunharam processos complexos de transformação dentro de nossos países. No
entanto, ao longo de todas as décadas, as relações se mantiveram em um nível de
confiança e isso é um indicador da maturidade de nossos povos", afirmou o
líder.
Em reposta, Putin
declarou que estava "muito feliz em vê-lo. Temos a oportunidade de falar
sobre todo o complexo de nossas relações".
O encontro entre as
duas lideranças — o primeiro desde março de 2023 — acontece depois que o
presidente turco Recep Tayyip Erdogan sinalizou a possibilidade de uma reunião
para discutir a normalização dos laços entre Turquia e Síria.
No entanto, o
porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, não confirmou se um possível encontro
entre Putin, Erdogan e Assad foi discutido em conversas privadas: "A
situação na região foi discutida em um contexto amplo", disse Peskov nesta
quinta-feira (25).
Fonte: Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário