Alimentos fermentados, como kombucha,
realmente fazem bem à saúde?
Kefir, kimchi,
chucrute e kombucha são alimentos muito diferentes, mas com algo crucial em
comum: são fermentados.
A fermentação tem sido
usada ao longo da história para preservar alimentos.
"Cada cultura tem
seus alimentos fermentados", diz Gabriel Vinderola, professor associado de
microbiologia na Universidade Nacional do Litoral, na Argentina. "Agora a
fermentação está se espalhando. Existem milhares de tipos, e são produzidos de
uma forma mais industrial."
Produzir alimentos
fermentados em escala industrial – em vez de apenas em nossas cozinhas – tem
suas vantagens e desvantagens.
Apesar da fermentação
eliminar a necessidade de conservantes químicos, pesquisadores do Kings College
London recentemente encontraram aditivos em quase um terço dos produtos
alimentícios fermentados de supermercado testados no Reino Unido.
Esses aditivos –
incluindo sal, açúcar e adoçantes artificiais – estão dentro das diretrizes
legais. Mas isso faz com que alguns sejam tecnicamente classificados como
ultraprocessados.
Assim, os alimentos
fermentados são realmente bons para a nossa saúde ou apenas mais um
ultraprocessado que devemos evitar?
• Benefícios à saúde
Uma consequência da
fermentação de alimentos é que ela pode alterar a biodisponibilidade de
nutrientes em certos alimentos – ou o quanto nossos corpos são capazes de
absorver e se beneficiar dos nutrientes de um alimento específico.
Só muito recentemente
é que começamos a entender os potenciais benefícios da fermentação para a
saúde.
No Ocidente, o
interesse crescente recente pode ser parcialmente atribuído a uma maior
conscientização sobre a relação entre nossa flora intestinal e nossa saúde de
forma geral – e como nossas dietas contribuem para isso.
"O processo de
fermentação pode produzir novos compostos bioativos, como ácidos orgânicos e
diferentes peptídeos que têm efeitos diferentes na nossa saúde", diz Paul
Cotter, diretor sênior de pesquisa do Teagasc Food Research Centre, na Irlanda,
o órgão nacional de agricultura e alimentos do país.
Alguns alimentos
fermentados mostraram-se mais ricos em nutrientes em comparação aos não
fermentados, e alguns contêm probióticos, benéficos para a saúde intestinal.
Os alimentos
fermentados podem ser divididos em dois grupos: aqueles que contêm bactérias
vivas e aqueles com bactérias que morreram durante a produção, como alguns
pães, cerveja e vinho.
Durante a fermentação,
os micróbios geralmente se alimentam do açúcar dos alimentos, e esse açúcar
alimenta todas as reações bioquímicas, explica Vinderola.
"Então ele
começará a liberar coisas – como ácido láctico, que é anti-inflamatório – que
não estavam presentes no alimento antes. Ele também pode cortar cadeias de
aminoácidos para liberar pequenas frações que podem beneficiar nossos
intestinos."
Bactérias vivas em
alimentos fermentados podem se tornar membros temporários ou mesmo permanentes
da microbiota intestinal quando ingeridas, o que pode trazer benefícios à saúde
e também ajudar a reduzir a abundância de bactérias prejudiciais ao competir
com elas.
E mesmo que o alimento
fermentado não tenha bactérias vivas, ele ainda é associado a alguns benefícios
à saúde, diz Vinderola.
Antes de morrerem, os
micróbios produzem moléculas promotoras da saúde, como peptídeos , ele diz.
Esses benefícios à
saúde não necessariamente superam outras características de certos alimentos e
bebidas fermentados, no entanto. O sourdough (pão de fermentação natural), por
exemplo, ainda contém prebióticos após o processo de aquecimento, o que pode ser
benéfico para nossas microbiotas intestinais.
• Saúde intestinal
Nossa saúde intestinal
costuma ser uma preocupação entre cientistas.
Muitos adultos nos
Estados Unidos, por exemplo, não comem fibras suficientes, e pesquisas
descobriram que a maioria das pessoas relatam ter pelo menos um sintoma
digestivo, como flatulência ou inchaço abdominal.
Alimentos fermentados
podem reduzir ou remover alguns compostos capazes de causar problemas
gastrointestinais em algumas pessoas, incluindo os chamados "Fodmaps"
(oligossacarídeos fermentáveis, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis).
Esses açúcares não são
completamente digeridos ou absorvidos em nossos intestinos e podem causar o
estiramento da parede intestinal, o que pode causar dor e desconforto para
alguns. Às vezes, os médicos aconselham as pessoas com sintomas de síndrome do
intestino irritável (SII) a ter uma dieta baixa em Fodmaps.
O processo de
fermentação também pode reduzir ou remover o glúten de alguns alimentos, o que
é benéfico para pessoas com doença celíaca e outros problemas intestinais.
• Sistema imunológico
A preocupação cresceu
entre cientistas, nas últimas décadas, de que o estilo de vida moderno pode
afetar o sistema imunológico, alterando a nossa diversidade de micróbios.
"Nossas dietas
são geralmente baixas em fibras, com muitos antibiótico e estresse, e não
dormimos bem. E todos esses fatores empobrecem os micróbios em nossos
corpos", diz Vinderola.
Em princípio,
alimentos fermentados podem mudar isso.
"O papel
principal dos alimentos fermentados é que eles podem fornecer micróbios vivos.
Esses micróbios entram no intestino e treinam as células imunológicas para
controlar a inflamação", diz Vinderola.
Inflamação de baixo
grau é um problema porque compostos inflamatórios podem se espalhar pelo corpo
através da corrente sanguínea, atingindo o cérebro, coração ou fígado, por
exemplo. Isso pode causar condições crônicas, segundo Vinderola.
Consumir mais
micróbios pode ajudar a treinar o sistema imunológico para diferenciar melhor
entre bactérias boas e ruins, diz Cotter.
Quando nossos sistemas
imunológicos lutam para fazer isso, o risco de desenvolver doenças autoimunes,
como doença inflamatória intestinal, pode aumentar, acrescenta.
Em um estudo recente,
pesquisadores descobriram que comer chucrute – repolho cru fermentado e depois
cortado – pode ter um impacto anti-inflamatório considerável.
Como assim?
Claudia Stäubert, da
Universidade de Leipzig (Alemanha), e colegas descobriram que o chucrute
aumenta a concentração de bactérias do ácido láctico na corrente sanguínea.
Isso pode ativar um receptor chamado HCA3, que informa ao sistema imunológico
que há substâncias estranhas no corpo.
Stäubert confirmou,
por meio de sua pesquisa, que o chucrute é anti-inflamatório devido à ação do
HCA3.
"Isso significa
que o sistema imunológico é menos ativado, o que é bom", diz. "Um
sistema imunológico ruim reage exageradamente, o que pode causar doenças
autoimunes, então é bom consumir alimentos fermentados para treinar o sistema
imunológico a ser menos responsivo", diz.
• Bem-estar e saúde mental
É possível que
alimentos fermentados possam ter impactos positivos no bem-estar mental, embora
a pesquisa nesse campo ainda seja inicial.
Em um estudo de 2023,
os participantes foram divididos em dois grupos: um composto por aqueles que
consumiam alimentos fermentados de origem vegetal pelo menos três vezes por
semana e outro por aqueles que não consumiam.
Os pesquisadores
analisaram e compararam as microbiotas e outros nutrientes em seus intestinos e
descobriram que aqueles que comiam alimentos fermentados tinham mais
diversidade bacteriana e maiores quantidades de ácidos graxos de cadeia curta,
que são produzidos por bactérias, do que aqueles que não comiam.
"A descoberta
mais importante foi que pequenas substâncias químicas no intestino eram muito
diferentes entre os consumidores e não consumidores (de alimentos
fermentados)", diz um dos coautores do estudo, Andres Gomez, professor
assistente na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.
Em outro breve estudo
com os mesmos participantes, Gomez e colegas descobriram que os dados
relacionados a saúde mental eram mais consistentes entre os consumidores
regulares de alimentos fermentados, enquanto os não consumidores tinham relatos
de humor mais flutuantes. Os resultados, no entanto, ainda não foram
publicados.
Gomez tem um estudo –
ainda não publicado – comparando os efeitos de alimentos fermentados orgânicos
e convencionais no intestino. Ele diz que encontrou uma ligação entre o consumo
de alimentos fermentados e o neurotransmissor ácido gama-aminobutírico, especialmente
com alimentos orgânicos.
"Trata-se de um
neurotransmissor inibitório que faz você se sentir calmo e pode ser um remédio
contra ansiedade e depressão", diz.
Em outro estudo ainda
a ser publicado, Gomez alimentou camundongos com uma dieta ocidental rica em
açúcar e gordura, e então fez vários testes de laboratório para confirmar que
eles tinham desenvolvido depressão. Ele então alimentou metade deles com kombucha
e descobriu que os sintomas melhoraram, possivelmente por meio de mudanças na
microbiota, quando comparados aos camundongos que não consumiram kombucha.
• Risco de obesidade
Gomez descobriu em sua
pesquisa que alimentos fermentados podem produzir metabólitos conhecidos por
ajudar a tratar a obesidade. Embora isso tenha sido mais amplamente estudado,
ainda não está claro quais mecanismos estão por trás desse efeito. No entanto,
uma explicação é que alguns dos nutrientes em alimentos fermentados podem
conter metabólitos que ajudam a regular o apetite por meio de
neurotransmissores espalhados pelo corpo.
É possível que haja
mecanismos diferentes por trás da relação entre o consumo de alimentos
fermentados e risco de obesidade, concluíram pesquisadores em 2023.
No entanto, embora os
estudos até agora pareçam promissores, eles dizem que ainda há um longo caminho
para se entender essa relação.
• O futuro dos alimentos fermentados
Assim como em muitas
áreas da saúde, os pesquisadores agora estão se perguntando como os alimentos
fermentados podem ser personalizados para ajudar pessoas e seus problemas de
saúde específicos.
"Nós e outros
laboratórios estamos nos aprofundando em alimentos fermentados específicos para
aprender mais sobre como podemos torná-los ainda melhores para aumentar os
benefícios à saúde", diz Cotter.
Por exemplo, Cotter
descobriu que algumas versões de kefir são melhores no controle do colesterol,
enquanto outras são melhores no tratamento da ansiedade e do estresse por meio
do eixo cérebro-intestino.
"O desafio aqui é
que alguém que faz produtos fermentados em casa não saberá qual versão tem, e
pode não ser a versão certa para suas necessidades específicas", diz.
"Há uma oportunidade para mais pesquisas seguirem o caminho do fermentado
personalizado para que você possa fazer uso dos micróbios certos para suas
necessidades específicas."
E embora a análise do
Kings College London sobre alimentos fermentados em supermercados do Reino
Unido tenha encontrado inconsistências no conteúdo nutricional de diferentes
marcas de alimentos fermentados, os pesquisadores esperam que o trabalho possa
ajudar a melhorar os alimentos fermentados disponíveis comercialmente.
No futuro, por
exemplo, uma melhor compreensão de quais micróbios estão presentes em
diferentes versões de alimentos fermentados pode ajudar produtores de alimentos
fermentados a manter essas bactérias ao aumentar a escala de produção.
"Isso foi um
problema no passado", diz Cotter. "As pessoas fazem alimentos
fermentados em casa por meio de um processo natural e geralmente há muitos
microrganismos presentes. Quando produzidos em uma escala maior, geralmente há
simplificação, e utilizam apenas alguns microrganismos por questões de controle
de qualidade, mas alguns dos benefícios à saúde podem ser perdidos no
caminho."
• Desvantagens
Alguns alimentos
fermentados também contêm aminas, que ocorrem quando aminoácidos são quebrados
por certas bactérias.
Pessoas sensíveis à
histamina, junto com outras aminas, podem ter dores de cabeça após ingerirem
alimentos fermentados ricos nesses subprodutos.
Alguns produtos
fermentados produzidos em massa, como refrigerantes e chás de kombucha prontos,
também podem ser ricos em açúcar. E embora as bactérias probióticas em
alimentos fermentados possam prevenir o crescimento de micróbios nocivos, ainda
há risco de bactérias de intoxicação alimentar em alimentos não pasteurizados.
O kimchi contaminado,
por exemplo, foi associado a dois grandes surtos de Escherichia coli na Coreia
do Sul durante 2013 e 2014.
• Quais consumir
Há pouquíssima
pesquisa sobre quais alimentos fermentados podem ser os mais saudáveis, já que
cada alimento fermentado tem um perfil bacteriano diferente, dependendo de como
foi feito.
"Probióticos e
prebióticos são micróbios específicos que podem ser estudados em ensaios
clínicos, mas não sabemos quais micróbios estão em qualquer alimento fermentado
específico", diz Vinderola. "Alimentos fermentados têm uma comunidade
complexa de micróbios que podem mudar de um kombucha para outro."
Vinderola diz que o
alimento fermentado mais pesquisado é o iogurte, que é sempre composto por dois
tipos específicos de bactérias, não importa onde, no mundo, ele seja produzido
(Lactobacillus bulgaricus e Streptococcus thermophilus). Isso facilita trabalhar
a partir de pesquisas anteriores e assim formar uma base de evidências
confiável.
"No entanto, com
o kefir, por exemplo, você obtém resultados diferentes em diferentes partes do
mundo porque ele terá bactérias diferentes, então é difícil comparar resultados
e construir uma base de evidências", diz Vinderola.
Dadas essas lacunas em
nosso conhecimento, deveríamos comer mais alimentos fermentados?
Sim, diz Cotter – mas
ele aconselha introduzi-los gradualmente à dieta.
"Eu sugeriria
comprar 10 alimentos fermentados e gradualmente introduzi-los em sua dieta para
ver com qual seu corpo concorda", ele diz. "E tome nota do que você
comeu e como se sente depois."
Pode levar alguns dias
até que nosso intestino se acostume a certos alimentos fermentados e, em casos
raros, pode causar uma pequena reação alérgica.
• Frequência
Gomez descobriu que
quem come alimentos fermentados durante toda a vida pode ter uma vantagem
saudável permanente em sua microbiota intestinal.
Ele observou que,
entre os participantes de seu estudo sobre alimentos fermentados e saúde
mental, um era da Coreia e os outros eram dos EUA.
O participante coreano
tinha bactérias intestinais associadas ao kimchi.
"Os participantes
americanos provavelmente começaram a consumir alimentos fermentados mais tarde
na vida, enquanto os coreanos comem muito kimchi. O participante coreano
provavelmente comia isso desde criança", diz Gomez.
Essas descobertas
levaram Gomez a se perguntar se há efeitos permanentes no consumo de alimentos
fermentados por um longo período de tempo.
"Mas isso não
significa que você não possa aproveitar os benefícios dos alimentos
fermentados", diz ele sobre aqueles que começam a consumi-los mais tarde.
Seja qual for o
alimento fermentado que você quiser experimentar, Vinderola aconselha comê-lo
regularmente.
"Obter quaisquer
benefícios à saúde depende da frequência com que você o come", ele diz.
"Você deve comê-lo regularmente, porque o sistema imunológico precisa de
estímulo constante."
Fonte: BBC Future
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