A vida na Ucrânia ocupada pela Rússia, um ano depois
Em 30 de setembro de 2022, Moscou anunciou a
anexação de quatro regiões no leste da Ucrânia. Alguns se adaptaram à ocupação,
mas para outros o dia a dia é difícil, entre pressões russas e ameaças de
processo por Kiev.A Rússia celebra neste sábado (30/09) o primeiro aniversário
da anexação ilegal das províncias de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson, no
leste da Ucrânia. O Kremlin se gaba da usurpação com um truque de linguagem,
referindo-se a "filiação de novas regiões".
Foram cunhadas moedas especiais para registrar a
ocasião, e estão programados concertos e festivais nos territórios ocupados.
Moscou promete prosperidade e estabilidade, enquanto na realidade entre 1
milhão e 2 milhões de habitantes abandonaram as regiões, apenas em 2023.
A DW escutou residentes sobre como suas vidas
mudaram nos últimos 12 meses.
Visões conflitantes
Nas autoproclamadas "repúblicas
populares" da região de Donbass, que em 2014 declararam independência em
relação a Kiev, a população tem uma opinião de sua "filiação" à
Rússia diversa da dos territórios ucranianos anexados após a invasão, em 24 de
fevereiro de 2022.
Muitos de Donetsk e Lugansk, sobretudo nas cidades
poupadas dos combates, saúdam a anexação como fim de anos de isolamento
econômico e da incerteza legal que prevalecia desde 2014. "Depois de nove
anos, o abastecimento d'água voltou a funcionar 24 horas por dia, comenta com
orgulho a enfermeira Kateryna L., de Lugansk.
Sua compatriota Maryna K., atualmente desempregada,
está feliz de ver os correios novamente entregando pacotes fora da
"república". Antes, ela tinha que ir de carro até a fronteira para
pegar mercadorias compradas em lojas online russas. Também se alegra que a rede
de telefonia celular esteja novamente funcionando.
O rublo substituiu em Donetsk e Lugansk a moeda
ucraniana, a grívnia. Mas Maryna se preocupa com a desvalorização do rublo e a
inflação resultante: "O gás ficou 70% mais caro, e não se encontram mais
peças sobressalentes para automóveis estrangeiros."
Por sua vez, a corretora imobiliária Anna S. aponta
o encarecimento drástico dos imóveis: "Um apartamento de dois quartos,
avaliado de 8 mil a 10 mil dólares [R$ 40 mil a R$ 50 mil] em fins de 2021,
agora pode custar de 25 mil a 30 mil dólares."
Moradores de Donetsk e Lugansk registram que
demonstrativos projetos de embelezamento urbano foram lançados em suas cidades
depois da anexação. O foco principal é Mariupol, que foi devastada pelo
exército russo no segundo trimestre de 2022. Segundo estimativas da Organização
das Nações Unidas, foram danificados 90% dos edifícios de apartamentos e 60%
das casas de família.
Os residentes enfatizam que não é tão fácil obter
uma moradia substituta quanto alega a propaganda do Kremlin. "Os
documentos expedidos pela administração russa para apartamentos danificados não
permitem o registro de propriedade para prédios novos. Em vez disso, só
concedem uma espécie de direito vitalício de residência sem pagamento de
aluguel", explica Larissa S., ex-empregada de uma firma de advocacia de
Mariupol. Para tornar-se proprietário, é preciso provar que a antiga casa foi
totalmente destruída e que não se possui nenhum outro imóvel na Ucrânia nem na
Rússia.
Pressão para optar por um dos lados
A ex-professora Svitlana T. conta que antes da
guerra havia 30 escolas em seu município, e agora são só seis: "Não há nem
professores nem alunos no nosso lugarejo. Só duas famílias têm crianças em
idade escolar. Elas queriam assistir às aulas à distância oferecidas por uma
escola ucraniana, mas os ocupadores russos as forçaram a frequentar uma escola
'normal', em outra localidade a 40 quilômetros de distância."
Ela tentou dar aulas pela internet para uma escola
ucraniana até meados de 2023, quando as autoridades ocupadoras começaram a
interrogar os educadores desempregados sobre suas fontes de renda, e prenderam
um dos amigos dela.
Os docentes das porções ocupadas de Kherson e
Zaporíjia mostraram-se extremamente cautelosos com o que contavam à DW. Cada
vez mais deles estão adotando o plano de ensino russo. Embora escolas
ucranianas continuem pagando seus funcionários para que deem aulas online, eles
não conseguem comprar mais nada com a moeda nacional.
Enquanto isso, professores ucranianos que ensinem
em escolas "russas" estão sujeitos a até três anos de prisão na
Ucrânia e a terem sua licença cassada por 15 anos, pelo crime de colaborar com
a Rússia. "Os novos livros russos começam a espalhar propaganda já desde a
primeira página. Então eu prefiro ficar desempregada", afirma Svitlana T.
Os habitantes consultados queixaram-se que é
extremamente duro viver nas áreas anexadas sem um passaporte russo, que em
muitos casos é o único acesso a tratamento de saúde. Enquanto isso, a Ucrânia processa
sistematicamente por colaboração com o inimigo os diretores de hospital
indicados pela Rússia.
Os portadores de passaporte ucraniano não conseguem
emprego nem aposentadoria. Sem cidadania russa, não podem registrar um
automóvel nem um imóvel, sequer obter um chip de celular ou ser atendidos nos
bancos. Ainda é possível deixar os territórios ocupados munido de um passaporte
ucraniano, embora seja difícil.
Os ocupadores investigam e interrogam rigorosamente
quem tenha essa intenção, relata Serhiy O., proprietário de uma pequena
companhia de ônibus: "Todo mundo é examinado, os homens sofrem
interrogatórios e revistas corporais."
Ø 'Ninguém pode quebrar a vontade de milhões de pessoas', diz Putin sobre
aniversário da reunificação
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, parabenizou
o aniversário de adesão das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, além das
regiões de Zaporozhie e Kherson, à Federação da Rússia. Para Putin, esse foi um
evento histórico.
"Há um ano, em 30 de setembro, ocorreu um
evento decisivo e verdadeiramente histórico: os acordos de admissão foram
assinados. Milhões de residentes escolheram estar com sua terra natal",
disse.
Para o presidente, houve várias tentativas de
intimidação, que foram vencidas pelo povo.
"Cultura, tradições, língua nativa, tudo isso
era odiado pelos nacionalistas e seus patronos ocidentais, que organizaram um
golpe de Estado em Kiev em 2014, e depois desencadearam uma guerra civil",
acrescenta.
"Mas nada nem ninguém pode quebrar a vontade
de milhões de pessoas, a sua fé na verdade e na justiça histórica",
enfatizou Putin.
·
Referendos de setembro de 2022
A população dos quatro territórios reunificados à
Federação da Rússia participou de referendos realizados entre 23 e 27 de
setembro do ano passado.
Com 100% das cédulas de votação processadas, os
resultados foram incontestáveis: 99,23% dos eleitores votaram a favor da
reunificação em Donetsk, 98,42% em Lugansk, 87,05% em Kherson e 93,11% em
Zaporozhie.
"As pessoas tomaram esta decisão consciente
durante os referendos, há muito esperados, e que foi árdua e verdadeiramente
popular, em total conformidade com os padrões internacionais. Mostraram coragem
e caráter", afirmou.
·
'Muito trabalho pela frente'
Comemorada a decisão que selou a vontade popular,
Putin lembrou que a Rússia tem muito trabalho pela frente para a revitalização
e desenvolvimento socioeconômico das regiões históricas. "Com certeza,
alcançaremos os nossos objetivos", enfatizou.
Ø Rússia exige responsabilidade ocidental no Afeganistão
"A Rússia espera que os Estados Unidos e a Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) reconheçam a responsabilidade pela
situação no Afeganistão", declarou o ministro das Relações Exteriores
russo, Sergei Lavrov, em seu discurso na 5ª Reunião do Formato Moscou de
Consultas sobre o Afeganistão, nesta sexta-feira (29/09).
"Estamos preocupados com as tentativas de
atores não-regionais de se tornarem mais ativos na área afegã", disse o
chanceler ao cobrar a responsabilidade norte-americana e ocidental "pelos
tristes resultados de seus 20 anos de presença militar no Afeganistão".
"Os países ocidentais infligiram danos
irreparáveis ao povo do Afeganistão e devem arcar
com o ônus da reconstrução pós-conflito do país", instou Lavrov.
O representante russo ainda mencionou, para além da
presença militar ocidental na região afegã, os bloqueios que Washington impõe
aos bancos do país islâmico.
"O bloqueio de Washington às participações dos
bancos afegãos é contraproducente e só agrava a situação, complicando as já
difíceis condições de vida dos afegãos", afirmou.
Moscou considera inaceitável "o retorno da
infraestrutura militar dos EUA e da OTAN ao território do Afeganistão e de seus
Estados vizinhos, quaisquer que sejam os pretextos que possam ser dados",
acrescentou o ministro.
Reunião do Formato Moscou de Consultas sobre o
Afeganistão
A delegação do Afeganistão, guiada pelo ministro
interino das Relações Exteriores do governo temporário, Amir Khan Muttaqi, está
na cidade russa de Kazan para participar de negociações segundo o formato de
Moscou sobre o Afeganistão.
As partes vão discutir a situação atual no
Afeganistão e questões de reconciliação intra-afegã, de segurança regional e de
recuperação do país após a guerra.
A tarefa do formato de Moscou é a cooperação para o
desenvolvimento do processo de reconciliação nacional no Afeganistão e o
alcance rápido da paz no país do Oriente Médio.
A primeira reunião do "formato de Moscou"
sobre a solução do conflito afegão foi realizada em 14 de abril de 2017 com a
participação de vice-ministros das Relações Exteriores e representantes
especiais de 11 países (Rússia, Afeganistão, China, Paquistão, Irã, Índia,
Cazaquistão, Tajiquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão).
Ø Rússia investiu na região de Kherson 3 vezes mais que a Ucrânia nas
últimas décadas, diz governador
Andrei Alekseenko, presidente do governo da região
de Kherson, deu uma entrevista à Sputnik, detalhando os progressos econômicos
da nova região russa.
Um ano após a reunificação com a Rússia, a região
de Kherson demonstra os resultados do desenvolvimento socioeconômico, apesar
dos constantes bombardeios e das consequências do ataque terrorista à usina
hidrelétrica de Kakhovka, disse Andrei Alekseenko, presidente do governo
regional.
Falando em entrevista à Sputnik, ele disse que, em
primeiro lugar, foi elaborado e aprovado um programa abrangente para o
desenvolvimento da região nos próximos anos, abrangendo diferentes áreas: do
apoio social à população, algo "sem precedentes" até mesmo para as
novas regiões russas, à construção de estradas.
"É preciso dizer que a região não conhece uma
escala tão grande de construção e reparação de rodovias, escolas, hospitais e
infraestrutura comunitária desde os tempos soviéticos. Neste ano a Rússia
investiu mais na região de Kherson do que o regime ucraniano em todas as
últimas três décadas", sublinhou o governador.
De acordo com Alekseenko, a região de Kherson tem
também outras oportunidades, incluindo o desenvolvimento de uma agricultura
moderna e altamente produtiva. Por exemplo, "já foi proposto um processamento
profundo de matérias-primas no local, para que o maior número possível de
empregos e valor agregado [e] impostos permaneçam na região e trabalhem para os
habitantes da região", disse ele.
De acordo com o funcionário, a região de Kherson se
desenvolverá como uma região industrial e um importante centro de logística no
sul do país, e tudo isso "se traduz em um alto padrão e qualidade de
vida".
"Passados alguns anos, a atratividade da
região para a vida crescerá tanto que as pessoas procurarão vir para cá, como
para a região [meridional russa] de Krasnodar", resumiu, e "a região
tem tudo para dar um salto no desenvolvimento econômico, na infraestrutura e,
consequentemente, na qualidade de vida das pessoas".
Questionado sobre o impacto das sanções ocidentais
no desenvolvimento da região, o funcionário russo informou que neste ano de
2023 a região alcançou um crescimento de 15% na produção industrial. Além
disso, foi colhida uma "boa safra" de 1,5 milhão de toneladas de
grãos, apesar da ausência quase total de irrigação, mesmo antes do incidente na
usina hidrelétrica de Kakhovka.
Quanto ao "não reconhecimento" ocidental
da adesão de Kherson à Rússia, Alekseenko respondeu que "uma caravana que
segue em frente não se importa com os latidos dos cães de outras pessoas, por
mais barulhentos que sejam".
Fonte: Deutsche Welle/Sputnik Brasil/Opera Mundi
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