quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Paulo Kliass: Arcabouço fiscal, Zanin e PM da Bahia

A cada dia que passa cresce a percepção de que os inequívocos traços de conservadorismo nestes primeiros meses do governo Lula 3.0 não se limitam à área da economia. Já no período da transição - quando eram conhecidos os resultados do pleito de outubro do ano passado, mas Bolsonaro ainda ocupava o assento no Palácio do Planalto - as forças progressistas manifestavam certa apreensão com os discursos então atribuídos a Fernando Haddad e a José Múcio Monteiro. Ambos terminaram por serem confirmados nos estratégicos cargos da Fazenda e da Defesa, respectivamente. O ex prefeito de São Paulo parece ter incorporado a persona de professor do INSPER e se distanciado de uma vez por todas daqueles tempos em que se orgulhava de ser mestre da Faculdade de Filosofia da USP. Ao se aproximar das ideias, do ambiente e dos diagnósticos econômicos da turma do financismo, Haddad se afasta paulatinamente dos caminhos do planejamento, do desenvolvimento e das propostas de recuperação do protagonismo do Estado como instrumentos para superação da profunda crise por que passa a sociedade brasileira. Sua conversão ao credo de natureza liberal traz para o interior da agenda do governo as ilusões de que as soluções de mercado seriam suficientes para dar conta das hercúleas tarefas de recompor a destruição pós 2016 e enfrentar os dilemas da desigualdade e do baixo crescimento das atividades da economia brasileira. O indicado para a pasta da Defesa iniciou sua missão com um discurso bastante conciliador com o golpismo reinante no interior das Forças Armadas durante o mandato de Bolsonaro, fato que seria ainda mais aprofundado com a tentativa putschista e terrorista de 8 de janeiro. O conhecido perfil conservador do dirigente político pernambucano era apresentado pelos adeptos da estratégia de “passar pano” como a solução perfeita para evitar o aumento de temperatura nas relações do novo governo com a maioria da elite fardada. Isso significa não rever a participação de setores dirigentes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica em todas as etapas de tentativas de ruptura com o processo democrático desde o golpe perpetrado contra Dilma Roussef em 2016. Ao nomear Múcio, Lula oferecia sua concordância em não buscar a identificação e a punição dos responsáveis pela aventura golpista.

·         Economia e Defesa: conservadorismo em pauta.

Assim, tanto no caso da definição de um programa para a economia como na chamada “questão militar”, Lula optou pela solução recuada de dar uma espécie de continuidade ao que vinha sendo feito até então pelos governos anteriores. Trocam-se os nomes e os responsáveis, é claro, mas o conteúdo da orientação política não muda de forma profunda nem incisiva. A PEC da Transição, a proposta de novo arcabouço fiscal, e a timidez da Reforma Tributária são apenas alguns exemplos de tal opção na área da economia. A recusa em avançar na punição exemplar dos militares das 3 Forças envolvidos no golpe também oferece a leitura de uma estratégia conservadora para os assuntos da pasta da Defesa. Múcio insiste no caminho da conciliação e da negociação para evitar qualquer tipo de medida que possa ser considerada ofensiva pela elite da caserna. No entanto, o Presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas. Se ele não exerce de fato esse poder constitucional, cria-se um vácuo que termina por estimular novas quarteladas no futuro. Ocorre que os meses foram se passando desde a posse e o novo governo pouco fez no domínio da mudança efetiva, seja na economia, seja na caserna. Mais do que isso, outras agendas de governo passaram a ser ocupadas com destaque pela tintura do reacionarismo. Por mais surpreendente que possa se revelar, Lula oferece ao País um enorme retrocesso no ambiente atual e futuro do Supremo Tribunal Federal (STF). Assim como aconteceu com a economia, ele parece não ter aprendido com os erros do passado no quesito “indicação ministros para a Corte Suprema”. Com a vaga aberta pela aposentadoria compulsória de Ricardo Lewandowski, Lula optou por indicar seu advogado nos processos em que foi inocentado pela Justiça.

·         Zanin: terrivelmente conservador no STF.

É perfeitamente compreensível o desejo do Presidente em derrotar politicamente Sergio Moro e as forças envolvidas nas ilegalidades que o impediram de concorrer às eleições de 2018 e que o mantiverem ilegalmente preso por 580 dias. No entanto, o perfil do advogado Cristiano Zanin não corresponde ao que o Brasil espera de um jurista comprometido com as mudanças necessárias em sentido amplo. Os setores progressistas do meio jurídico já apontavam, desde os primeiros rumores envolvendo essa hipótese, os riscos do nome do advogado. Não obstante o importante trabalho efetuado na defesa de Lula, Zanin sempre apresentou um perfil bastante conservador em termos políticos, jurídicos e ideológicos. Quem o conhecia de muito antes sabia de suas características, o que o afastaria a princípio de alguém que merecesse receber o aval de Lula para ocupar o estratégico cargo até 2051. Pois não foi necessário nem um mês desde sua posse para que a opção se revelasse bastante problemática. Foi uma sequência surpreendente de votos no STF que recebeu elogios da direita e do bolsonarismo, ao passo que restou espanto e decepção no lado das forças progressistas. Zanin votou contrariamente à descriminalização das drogas, negou direitos a suspeitos de furtos de valor irrisório, votou contra a equiparação de homofobia aos crimes de racismo, ofereceu manifestação favorável à equiparação das guardas municipais ao sistema de segurança pública e se posicionou a favor de os juízes trabalharem em casos onde haja parentes atuando pelo lado da defesa de interessados. Uma loucura!

·         PM da Bahia: quem segura o genocídio?

Outro tema que vem ocupando muito espaço nos grandes meios de comunicação - e que anda incomodando bastante setores expressivos da base de apoio de Lula - refere-se às revelações crescentes a respeito da violência policial nas unidades da federação. As práticas sistemáticas de ilegalidades, assassinatos e demais barbaridades pelas polícias militares (PMs) dos 26 estados e do Distrito Federal são antigas e bastante conhecidas da população. No entanto, em tempos mais recentes as manchetes envolvendo governadores do Partido dos Trabalhadores ganharam em volume. O caso da Bahia tornou-se emblemático, cuja PM acendeu ao posto de mais violenta em todo território nacional. A questão por si só já seria bastante problemática, mas ganha ainda maior envergadura uma vez que o principal cargo na Esplanada dos Ministérios pertence atualmente àquele que foi governador daquele estado durante dois mandatos seguidos. Rui Costa ocupou o Palácio de Ondina no período que se inicia em 2015 e termina em 2022. Desde o início deste ano ele é o Ministro Chefe da Casa Civil de Lula. Ao longo dos últimos anos a PM baiana passou à frente de corporações similares, até então tidas como as mais violentas, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro. O sucessor de Rui Costa, o atual governador Jerônimo Rodrigues, tem mantido a mesma postura de prestigiar e empoderar as lideranças policiais responsáveis pela escalada da mortandade.  Lula já passou por diversas situações de crise política em seus governos e sabe muito bem que os piores assessores e colaboradores são aqueles que procuram esconder do chefe as dificuldades do mundo real. A solidão do poder e o encastelamento dos líderes políticos muitas vezes impedem que os mesmos mantenham sua sintonia com o humor das ruas e com a temperatura e a pressão do Brasil profundo.  Como pode ser percebido pelo exposto acima, não é apenas o encantamento de Haddad com as magias tentadoras do liberalismo que contribui para oferecer essa indesejável tintura conservadora ao terceiro mandato de Lula. Existem outras dimensões de seu governo que precisam ser enfrentadas e corrigidas para que o programa para o qual ele foi eleito possa finalmente deslanchar. Ao contrário da conhecida reação estreita dos apoiadores oportunistas, as críticas construtivas são fundamentais para o aperfeiçoamento das políticas adotadas, bem como para a correção dos equívocos e desvios existentes até o momento. O Presidente precisa saber que há muito desconforto na sua base progressista e de esquerda com os rumos que alguns dos integrantes de sua equipe estão tentando impor ao governo. Lula sempre repete que só aceitou a incumbência de um novo mandato para conseguir fazer mais e melhor do que nos anteriores. Pois esse é o momento para dar uma sacudida em sua equipe, deixar para trás os traços do conservadorismo ainda existente e corrigir o rumo de seu governo.

 

       Por que confiar em Cristiano Zanin Martins. Por Eduardo Guimarães

 

Não existe um só ministro do STF — além dos “vinte por cento” de Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, que sempre votam como ele quer — que nunca frustrou quem o indicou. Mas para medir o perfil de integrantes daquela Corte é preciso tempo.

Zanin acaba de passar por uma dura sabatina no Senado. Foi perguntado pelos senadores bolsonaristas, insistentemente, sobre sua posição em relação ao Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Devido à inevitabilidade de contrariá-los muito em breve, desconversou.

Nas cinco tentativas da bancada senatorial conservadora de saber como ele votaria nesse quesito, evitou responder. Desconversou porque, nesse caso, não há como votar de forma palatável a essa gente.

Zanin foi sabatinado durante umas sete horas na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e tinha a missão de evitar uma rejeição que seria mais do que possível devido à maioria da direita nas duas casas do Congresso. Agora, tem que começar pelas beiradas.

Só quem queria esmiuçar a alma de Zanin eram os senadores ligados a Bolsonaro. Os progressistas não tinham muito o que perguntar porque sabiam que Lula não indicaria um títere, mas um jurista de alto calibre.

Para ser aprovado, Zanin deixou claro que é católico, casado desde 2004 com a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, com quem teve três filhos. Como católico, não é favorável ao aborto. Todavia, pode-se ter certeza de que, diante de fatos técnicos que indiquem ser possível e necessário votar a favor, não se furtará.

Agirá assim nessa e em qualquer outra questão. Seus primeiros votos no STF, que a tantos desagradaram, devem-se ao fato de que a técnica lhe impôs tais votos. Há quem diga, no próprio STF, que a postura de Zanin é defensável, ainda que divirjam dele…

Como eu.

Conheci Cristiano Zanin Martins pessoalmente há quase seis anos, em 13 de setembro de 2017, quando a esquerda baixou em peso em Curitiba para apoiar Lula durante o primeiro interrogatório presencial comandado pelo então juiz Sérgio Moro. Ficamos no mesmo hotel.

Durante o desjejum, no dia do depoimento, sentei-me com ele e a doutora Valeska e conversamos por cerca de 30 minutos. A simplicidade, a sinceridade e a segurança do casal de juristas me tranquilizou. E até hoje sigo tranquilo.

Zanin precisa de tempo. Não o julguemos por dois ou três votos. No caso do Marco Temporal, não frustrará as expectativas. Não para agradar a militância, mas para cumprir seu dever. Por isso o aval de Lula a ele permanece. Bem como o deste que escreve.

 

Ø  Lula não cede a pressão após ataques a Zanin e já conversa com aliados sobre Bruno Dantas e Jorge Messias

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontra-se em um processo delicado de seleção do próximo ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF). Esse movimento ocorre após uma série de ataques a Cristiano Zanin, o primeiro nomeado por Lula para o STF durante seu terceiro mandato, por setores que tentam patrulhar suas decisões.

Mesmo em meio a uma campanha para a indicação de uma mulher negra ao STF, Lula não aparenta estar inclinado a ceder à pressão. O presidente deixou claro que o critério mais relevante em sua escolha é a confiança, segundo reportam os jornalistas Mariana Muniz e Jeniffer Gularte, do Globo. Antes de sua viagem para a África na semana passada, Lula consultou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sobre suas opiniões em relação a Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Dantas conta com o apoio do senador Renan Calheiros (MDB-AL), principal opositor de Lira em Alagoas.

Nos bastidores, Jorge Messias, chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), é apontado como um nome que tem conquistado crescente influência devido às suas estreitas ligações com o PT. Sua fé evangélica também pode ser um trunfo junto aos parlamentares desse segmento. O deputado evangélico Cezinha de Madureira (PSD) já manifestou publicamente a disposição da bancada em apoiá-lo, caso seja a escolha de Lula. 

Por outro lado, Bruno Dantas, ministro do TCU, intensificou sua campanha para se aproximar de Lula nas últimas semanas. Dantas tem buscado agendas diretas com o presidente e angariado apoio amplo no Congresso, entre ministros do STF e membros do PT, como o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Nos últimos anos, o ministro tem se engajado em causas caras à ala progressista, como a promoção de pautas relacionadas à diversidade, igualdade de gênero e proteção dos direitos das populações indígenas.

 

Fonte: Brasil 247/Blog da Cidadania

 

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