quinta-feira, 31 de agosto de 2023

A revolução do BRICS: como a expansão do grupo simboliza a revolta do Terceiro Mundo?

A última cúpula do BRICS na África do Sul foi um marco para a história das relações internacionais, com a aprovação da entrada de seis novos membros ao grupo. Essa verdadeira revolução do BRICS também representa uma espécie de revolta do assim-chamado Terceiro Mundo contra as potências centrais do sistema.

A princípio, é preciso lembrar que o termo Terceiro Mundo foi utilizado (vagamente) durante a Guerra Fria para se referir a países economicamente menos desenvolvidos pertencentes à Ásia, África e América Latina, que possuíam certas características comuns, tais como maiores níveis de pobreza, elevadas taxas de desigualdade e dependência econômica para com os países avançados do Ocidente.

O assim chamado Primeiro Mundo era composto, por sua vez, pelos Estados desenvolvidos, incluindo Estados Unidos, Canadá, a Europa Ocidental, o Japão e países como Austrália e Nova Zelândia. Já o Segundo Mundo era composto pelo bloco comunista liderado pela União Soviética e os países do Leste Europeu.

Todavia, com o desaparecimento da União Soviética o termo Segundo Mundo já não é mais utilizado para se referir aos países do espaço pós-soviético ou mesmo à própria Rússia. Ainda assim, o título Terceiro Mundo continua em uso em diversos círculos acadêmicos e políticos ao redor do mundo.

A própria China, por exemplo, apesar de ter se desenvolvido economicamente durante as últimas décadas, permanece sendo considerada como parte do Terceiro Mundo, juntamente com regiões como América Latina, África e a maior parte dos países asiáticos.

Nos meios de comunicação social e na academia, quando se discute, seja o Terceiro Mundo seja o Sul Global, aponta-se que a culpa por seu subdesenvolvimento se deve ao fato de que, por um longo período da história, suas economias foram distorcidas pelas potências ocidentais (o chamado Primeiro Mundo), tornando-os dependentes dos grandes centros industrializados europeus e norte-americanos.

Em vista disso, os países do Terceiro Mundo foram incentivados a exercer o papel de meros exportadores de produtos primários para o mundo desenvolvido, enquanto absorviam destes produtos manufaturados de maior valor agregado; esse tipo de situação teria gerado, por sua vez, pouca mobilidade social, estruturas sociais e rurais de teor tradicionalista, além de uma deficiente distribuição da riqueza nacional.

Países como Brasil, Argentina, Índia e diversos Estados africanos teriam assumido, em algum momento do tempo, justamente essas características. Ora, dado que as economias dos países subdesenvolvidos na América Latina, Ásia e África foram orientadas para as necessidades dos países industrializados (pertencentes ao Ocidente, o assim chamado Primeiro Mundo), e dado que sua importância política se viu diminuída em vista dessa condição, todas essas regiões se viram menos representadas em instituições multilaterais de tomada de decisão global.

O controle destas organizações acabou então nas mãos de um pequeno grupo privilegiado de países (o vulgo G7), que passou a utilizá-las para o seu próprio benefício. O baixo poder de voto de países não ocidentais nestas instituições é um retrato claro da falta de consideração das potências centrais pelas economias emergentes, que, durante os anos 2000, passaram a pleitear maior voz e representatividade dentro do sistema.

Foi então que, em 2009, surge o BRIC, uma associação política heterogênea que visava enfrentar o caráter injusto da arquitetura global sob dominação do Ocidente, dando espaço para que países do Terceiro Mundo pudessem defender seus interesses no sistema.

Se antes, durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, as economias do Terceiro Mundo desenvolviam-se de forma lenta, nos anos 2000 o crescimento acelerado de diversos países latino-americanos, africanos e asiáticos apontava para uma nova realidade econômica global, realidade essa que demandava mudanças políticas significativas.

China e Índia, por exemplo, dois Estados com sistemas sociais e econômicos bastante distintos (mas ainda assim considerados como parte do Terceiro Mundo), desempenharam um papel fundamental na promoção dessa mudança sistêmica, que encontrou sua mais clara manifestação na formação e consolidação do BRICS.

Como resultado, o BRICS não somente auferiu maior autoridade no plano internacional, como também passou a operar no formato BRICS+, visando atrair a cooperação de países terceiros no âmbito das reuniões do grupo. Desse modo, conforme outros Estados foram sendo convidados a discutir as principais pautas da agenda global junto aos cinco membros originais, o BRICS foi gradualmente se transformando numa espécie de fórum dos países do Terceiro Mundo.

Com crescente urgência, os problemas do subdesenvolvimento, da falta de representatividade em instituições multilaterais dominadas pelo Ocidente, assim como a ênfase na multipolaridade nas relações internacionais tornaram-se o foco de permanentes debates intra-BRICS.

Como se não bastasse, discussões acerca da possibilidade de ampliação do grupo foram ganhando forma ao longo dos anos, culminando então na esperada expansão do BRICS, aprovada durante a última cúpula na África do Sul.

O BRICS mostrou, portanto, que a unidade do Terceiro Mundo é sim possível, e que ela pode ser expressada pela cooperação em plataformas políticas alternativas e abrangentes, facilitando a defesa de seus interesses no plano internacional.

Por certo, qualquer que seja o desenvolvimento futuro do grupo daqui para a frente, fato é que o assim chamado Terceiro Mundo (ou, para quem preferir, o Sul Global) já demonstrou claramente sua insatisfação com as estruturas de poder existentes.

Tais estruturas, dominadas pelo Ocidente (o vulgo Primeiro Mundo), além de radicalmente injustas também são radicalmente obsoletas, a julgar pelas novas realidades globais do século XXI. É por isso que, além de simbólica, a cúpula na África do Sul representou uma verdadeira revolta do Terceiro Mundo e uma revolução do BRICS.

 

Ø  Potência em ascensão: parceiros no BRICS, Brasil deve refletir sobre sucesso da Índia, diz analista

 

O sucesso espacial não é um caso isolado na lista de conquistas da Índia nos últimos tempos e pode ser encarado como um êxito para o BRICS. Segundo especialista ouvido pela Sputnik, o país reúne importantes características de uma potência em ascensão, podendo servir de exemplo para o Brasil.

Na última semana, a Índia chamou a atenção do mundo ao se tornar o primeiro país a realizar um pouso no polo sul da Lua, com a missão bem-sucedida Chandrayaan-3, se tornando, também, o quarto país a aterrissar no satélite natural da Terra.

"A realização da missão Chandrayaan-3 coloca a Índia na lista dos países que tiveram sucesso na corrida espacial. Isso significa um reconhecimento da sua capacidade tecnológica, científica e também administrativa", afirma, em entrevista à Sputnik Brasil, Annibal Hetem Junior, professor do curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC).

O feito indiano, segundo o acadêmico, permitirá complementar o que os cientistas já conhecem sobre a superfície da Lua. E, como a missão tem como foco uma região ainda não explorada, ela pode contribuir com importantes novidades sobre o assunto, trazendo também um retorno muito positivo para o país responsável.

"Eu acredito que o desenvolvimento de novas tecnologias gera novas oportunidades em todas as áreas. O setor espacial é especialmente citado nesses casos por se tratar do mais alto nível de especialidade e foco. Com toda certeza, tudo o que a Índia desenvolveu para chegar ao Chandrayaan-3 terá retorno positivo para seu povo, seja como benefícios diretos ou como patentes."

Além do impacto na sociedade indiana, esse sucesso, na opinião do professor, pode ser benéfico também para os parceiros da Índia, incluindo o Brasil, aliado do país asiático no grupo BRICS.

"O BRICS é essencialmente um relacionamento comercial e, portanto, sem maiores incursões em aspectos científicos. Entretanto, todo contato comercial leva a trocas de tecnologias e conhecimentos. Logo, devemos esperar que haja cooperações da Índia com o Brasil, mas não de imediato", avalia o especialista, destacando que a última atualização das metas do Brasil no setor, publicadas no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), não traz dados sobre possíveis parcerias com a Índia ou sobre projetos ligados a sondas espaciais ou missões de longo alcance.

"Tudo o que puder ser feito no sentido de viabilizar um envolvimento do Brasil com o programa espacial indiano será visto daqui em diante, a partir de ações que podem se iniciar agora."

Em termos geopolíticos, Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), acredita que o êxito da missão espacial indiana representa muito para o BRICS como um todo, ao fortalecer a sua imagem aos olhos de uma série de países que veem o grupo como uma liderança que se opõe de maneira firme à antiga ordem internacional liderada por Estados Unidos e Europa.

"Hoje, essa ideia de mudança da ordem está completamente disseminada. Os grandes países da periferia querem se integrar ao BRICS, querem participar do BRICS, querem participar dessa mudança da ordem. De modo que o sucesso econômico, científico e tecnológico de cada país que compõe o BRICS é muito representativo. E isso, obviamente, inclui o sucesso da missão espacial indiana", explica à Sputnik Brasil.

Para Gonçalves, essa ideia de mudança da ordem encarnada pelo BRICS é tão importante que deve ser vista até como algo mais fundamental do que a capacidade de cooperação entre seus membros. Ele ressalta que a cooperação internacional envolvendo tecnologias avançadas não é algo simples. De maneira que, para o Brasil, além da questão do fortalecimento do BRICS, esse sucesso indiano precisa ser analisado mais como um exemplo a ser seguido.

"É necessário que haja um esforço dentro de cada país. Em se tratando do Brasil, de cooperação, é necessário que haja, da parte do Brasil, um esforço com vistas a alcançar esse estágio", opina. "Mas não há dúvidas de que o êxito da Índia pode ser considerado um êxito nosso também, na medida em que isso fortalece o BRICS."

O analista aponta que o grande feito indiano no espaço vem acompanhado de avanços importantes em diversas outras áreas, desde o setor econômico ao nuclear, levando o país a um crescente reconhecimento internacional.

"O seu desempenho econômico, seu desempenho tecnológico, seu investimento em ciência e tecnologia é altíssimo. Portanto, é algo sobre o qual deveríamos refletir com mais profundidade. E a sua importância se dá também pela sua inserção geoestratégica. A Índia é vizinha da China, próxima da Rússia, colabora muito com a Rússia. E a Índia está em uma parte do mundo que, hoje, forma a liderança econômica do mundo. Portanto, por todas essas razões, é claro que temos que admitir que a Índia é uma potência em ascensão."

 

Ø  Brasil aumenta importações de níquel da Rússia para o máximo desde 2005

 

Em julho deste ano, Brasil comprou níquel da Rússia por um máximo de US$ 11,1 milhões (R$ 53,86 milhões), o que permitiu a Rússia nesse mês se tornar a principal fornecedora de níquel para o país, de acordo com a análise dos dados da Sputnik do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo os dados do departamento brasileiro, em julho a Rússia aumentou os embarques de níquel para o Brasil em 2,2 vezes em comparação com junho – até US$ 11,1 milhões (R$ 53,86 milhões). Este foi o nível mais alto desde maio de 2005, quando as importações russas de níquel atingiram US$ 1,15 milhão (R$ 5,58 milhões).

Em termos absolutos, as importações brasileiras de níquel russo aumentaram por um fator de 2,3 para 435,9 toneladas de níquel, a maior remessa desde julho de 2019.

A Rússia foi a principal fonte de níquel do Brasil em julho. Em segundo lugar ficou a Noruega com embarques de US$ 10,4 milhões (R$ 50,47 milhões), e em terceiro - os Estados Unidos com US$ 7,3 milhões (R$ 35,42 milhões). Na lista dos cinco maiores exportadores também entram a Alemanha com embarques de US$ 4,7 milhões (R$ 22,81 milhões) e a África do Sul com US$ 3 milhões (R$ 14,56 milhões).

Ao mesmo tempo, nos primeiros sete meses deste ano, os principais importadores de níquel deste ano para Brasil foram os Estados Unidos, com US$ 48,3 milhões (R$ 234,38 milhões) em metal, ante US$ 36,9 milhões (R$ 179,06 milhões) em 2022, e a Noruega (US$ 44,7 milhões (R$ 216,91 milhões), ante US$ 61,7 milhões (R$ 299,41 milhões) um ano antes).

A Rússia, que aumentou os embarques entre janeiro e julho em 2,5 vezes, para US$ 28,8 milhões (R$ 139,75 milhões), fecha os três primeiros colocados, embora há um ano estivesse na sexta posição da lista de maiores exportadores.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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