A reforma
tributária é justa?
Enquanto
setor de serviços alega que reforma vai aumentar impostos, especialistas
contestam, argumentando que a criação de um tributo único afeta uma pequena
parcela dos negócios, atingindo os mais ricos.
O
objetivo central da proposta de reforma tributária que está em votação na
Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (06/07) é a redução das distorções do
sistema brasileiro e da chamada regressividade nos impostos, principalmente no
consumo. Atualmente, o país tem cinco tributos que incidem durante toda a
cadeia produtiva, gerando custos por vezes invisíveis que sobrecarregam
principalmente a parcela mais pobre do país.
Para
tentar corrigir esse problema, propõe-se a criação de um tributo único sobre
consumo, nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado por todos os
países membros da União Europeia. No texto em discussão no Congresso, o IVA
seria dividido em dois, criando a Contribuição Sobre Bens e Serviços – que
unifica PIS, Cofins e IPI, atualmente cobrados pela União – e o Imposto sobre
Bens e Serviços (IBS) – unificando o ICMS, dos estados, e o ISS, dos
municípios.
A
previsão é de que os tributos que vão compor o IVA dual tenham uma alíquota
única, que ainda não está definida. A sugestão do secretário especial do
Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que é um dos idealizadores da reforma
tributária em discussão no Congresso, é que a alíquota seja de 25%, com algumas
exceções.
O
relator do projeto, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), propõe uma
alíquota reduzida pela metade em serviços de transporte público, medicamentos,
serviços de saúde e educação, produtos agropecuários e atividades artísticas.
Também haverá isenção total para alguns medicamentos, como para o tratamento de
câncer; para o Prouni; e para produtores rurais pessoas físicas com receita de
até R$ 2 milhões.
Haverá
também mudança do local de cobrança, com os impostos sobre bens e serviços
sendo cobrados no local de consumo. Hoje, a arrecadação é feita no local de
origem. Essa medida deverá combater a guerra fiscal entre unidades da
Federação.
As
mudanças nos impostos brasileiros serão feitas de forma escalonada. Entre 2029
e 2078, será feita a transição federativa, para que a cobrança passe do
município e estado onde o produto e o serviço são produzidos até o local onde
são consumidos. Já a substituição dos tributos pelo IBS e o CBS vai ocorrer
entre 2026 e 2032.
• Críticas do setor de comércio e serviços
A
alíquota única do IVA dual, no entanto, gerou críticas principalmente por parte
do setor de comércio e serviços, que representa cerca de 70% do Produto Interno
Bruto (PIB) nacional. Um estudo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, afirma que, com as mudanças
previstas nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, ambas de
2019, o setor sofreria um aumento que poderia chegar a quase 200% na carga
tributária.
De
acordo com a CNC, isso implicaria no aumento dos preços ao consumidor e até
mesmo na empregabilidade das empresas de comércio e serviços, que é responsável
por 37% da força de trabalho no país.
No
entanto, especialistas em contas públicas consultados pela DW Brasil divergem
dessas estimativas. Segundo o advogado tributarista e economista Eduardo
Fleury, que é consultor do Banco Mundial, a reforma tributária visa não
aumentar a carga, ao mesmo tempo que não diminui a arrecadação do governo.
• Serviços afetam os mais ricos
"Temos
que entender que o sistema brasileiro é uma metralhadora giratória. Ela acerta
em muitas coisas, não tem padrão claro. Há um monte de exceções", explica
Fleury, que lembra que há desníveis de alíquotas em subsetores dos serviços que
oneram principalmente os mais pobres, como nas telecomunicações, com carga
tributária de aproximadamente 36%.
"Quem
consome serviços é a população de renda mais alta. As classes mais baixas
consomem basicamente internet e transporte, já que a saúde e a educação são pelo
Estado", acrescenta, citando a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF)
do IBGE, de 2017/2018.
O
especialista tributário também cita um estudo do Banco Mundial sobre os mesmos
dados da POF, que divide a população em dez faixas de renda. De acordo com o
levantamento, em 2019 a carga tributária brasileira que incidia sobre o décimo
mais pobre era de cerca de 21%; enquanto o décimo mais rico pagava 12%. Ainda
segundo Fleury, com a reforma, nove das dez faixas de renda pagariam parcelas
menores de impostos em comparação com o sistema atual – apenas os 10% mais
ricos teriam aumento de carga tributária.
Em
outro estudo, com base em dados da Receita Federal de 2019, Fleury também
demonstrou que, dos 70% do PIB relativos ao setor de serviços, apenas 13,7% do
total da economia brasileira correspondia a vendas de fim de cadeia, ou seja,
ao consumidor final. De resto, a administração pública ficaria com 17,4% do
PIB; os serviços financeiros com 7,2%; e os serviços de meio de cadeia, que
vendem para outras empresas e seriam beneficiados pela reforma, com 13,2%, por
exemplo.
"Dos
13,7% de serviços de fim de cadeia, quando se pega os CNPJs, cerca de 89% deles
são de empresas enquadradas no Simples Nacional", diz ele, lembrando que,
na reforma, não há propostas de alteração do tratamento especial dado por esses
empreendedores que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.
• Sobreposição de tributos
Para
os setores de serviços de meio de cadeia, a previsão da reforma tributária é
que sejam aproveitados créditos, para que não haja sobreposição de impostos e
desequilíbrio nos custos, como ocorre hoje. Conforme explica Murilo Viana,
especialista em contas públicas e consultor-sênior da Go Associados, hoje uma
empresa de TI que presta serviços para outra empresa, por exemplo, pode arcar
com o pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS), que não gera crédito
tributário algum para o contratante do serviço, ocasionando cumulatividade e
distorções.
Viana
acrescenta que, com a reforma, o novo tributo pago sobre o valor adicionado
será aproveitado. Comprar objetos de escritório para uma empresa ou mesmo o
gasto de energia dela vão gerar créditos no IVA dual, o que atualmente não
ocorre plenamente.
"Porém,
o setor de serviços voltado ao atendimento ao consumidor não vai aproveitar
isso, porque o elo dele é o atendimento final, então tende a suportar uma carga
maior", completa, lembrando que, embora novas redações das PECs já tentem
amenizar o efeito negativo sobre o Simples Nacional, as empresas optantes por
esse regime ainda assim podem sofrer algum aumento de carga, uma vez que os
insumos adquiridos terão alíquota majorada com o IBS.
Um
estudo da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse) indica que, com um
IVA de 25%, a carga tributária média de 128 subsetores passaria do atual número
entre 21% e 26% para algo em torno dos 50%.
• Custo invisível e desigualdade
Os
cálculos do setor terciário sobre o aumento da carga tributária, no entanto,
não são consenso. Professora catedrática de direito tributário da Universidade
de Leeds e pesquisadora associada à Oxford, a portuguesa Rita de La Feria
ressalta que é impossível saber realmente qual o volume de impostos que estão
embutidos num produto ou num serviço prestado.
"Na
prática, muitos dos serviços têm impostos embutidos nas compras que fazem,
cadeiras, computadores, softwares e o que seja", diz a jurista. Ela
sublinha que o argumento de que a reforma tributária causará aumento de preços,
ou seja, inflação, é inconsistente – justamente porque são utilizados pelos
mais ricos. "A maior parte do consumo das pessoas de baixa renda é em
produtos. Supondo que seja verdade que o serviço é menos tributado no Brasil,
isso é uma regressividade enorme. Assim, tributar serviços da mesma forma que
bens seria aumentar a progressividade do imposto."
Segundo
La Feria, a reforma tributária como está desenhada será tão positiva para a
economia brasileira que acabará por beneficiar os setores de serviços.
"Mesmo que eles estejam assustados, achando que é um aumento da tributação
de valor real. Mas sinceramente acho que uma reforma tributária que desenvolva
o Brasil e alavanque o desenvolvimento econômico vai ajudar a todos."
Lira diz que ligará a Bolsonaro para
pedir que PL não feche questão contra reforma tributária
O
presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que telefonará
nesta quinta-feira ao ex-presidente Jair Bolsonaro em um esforço para que o
partido dele, o PL, não feche questão contra a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) da reforma tributária, que deve ser votada em primeiro turno
nesta noite na Casa.
Em
entrevista à BandNews TV, Lira afirmou que, além dele, os senadores Ciro
Nogueira (PP-PI) e Rogério Marinho (PL-RN), além do governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas (Republicanos) -- três ministros importantes do governo Bolsonaro
-- conversarão com o ex-presidente sobre a reforma.
Bolsonaro
se posicionou publicamente e de forma firme contra a reforma tributária e
participa nesta quinta de uma reunião com a bancada do PL -- a maior da Câmara
com 99 deputados --, também com a presença de Tarcísio, na qual a legenda deve
decidir sua posição sobre a proposta.
Mais
cedo, em entrevista à GloboNews, o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ),
disse que Bolsonaro dará o tom da posição a ser adotada pela sigla.
"O
posicionamento individual político-partidário de qualquer cidadão público,
ainda mais de um ex-presidente, pesa", avaliou Lira à emissora.
"O
nosso apelo, e hoje algumas pessoas, inclusive eu, vão fazer uma ligação ao
ex-presidente Bolsonaro... para que pelo menos o PL não feche questão, que é
uma coisa normal, lícita, partidária", disse Lira.
Quando
a bancada de um partido fecha questão a favor ou contra uma matéria, os
parlamentares filiados àquela legenda que não seguirem a orientação partidária
ficam sujeitos a punições pelas instâncias da sigla.
"Não
é recomendável para nenhum partido se posicionar contra a reforma sem
especificar qual é o tema, qual é o texto, qual é a possibilidade de melhora da
legislação, porque tudo isso nós estamos fazendo", afirmou o presidente da
Câmara.
Por
se tratar de uma PEC, a reforma tributária precisa dos votos favoráveis de 308
dos 513 deputados em dois turnos de votação para então ir ao Senado, onde
necessitará do aval de 49 dos 81 senadores também em dois turnos para ser
promulgada.
Fonte:
Deutsche Welle/Reuters
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