sexta-feira, 7 de julho de 2023

A reforma tributária é justa?

Enquanto setor de serviços alega que reforma vai aumentar impostos, especialistas contestam, argumentando que a criação de um tributo único afeta uma pequena parcela dos negócios, atingindo os mais ricos.

O objetivo central da proposta de reforma tributária que está em votação na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (06/07) é a redução das distorções do sistema brasileiro e da chamada regressividade nos impostos, principalmente no consumo. Atualmente, o país tem cinco tributos que incidem durante toda a cadeia produtiva, gerando custos por vezes invisíveis que sobrecarregam principalmente a parcela mais pobre do país.

Para tentar corrigir esse problema, propõe-se a criação de um tributo único sobre consumo, nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), adotado por todos os países membros da União Europeia. No texto em discussão no Congresso, o IVA seria dividido em dois, criando a Contribuição Sobre Bens e Serviços – que unifica PIS, Cofins e IPI, atualmente cobrados pela União – e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – unificando o ICMS, dos estados, e o ISS, dos municípios.

A previsão é de que os tributos que vão compor o IVA dual tenham uma alíquota única, que ainda não está definida. A sugestão do secretário especial do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, que é um dos idealizadores da reforma tributária em discussão no Congresso, é que a alíquota seja de 25%, com algumas exceções.

O relator do projeto, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), propõe uma alíquota reduzida pela metade em serviços de transporte público, medicamentos, serviços de saúde e educação, produtos agropecuários e atividades artísticas. Também haverá isenção total para alguns medicamentos, como para o tratamento de câncer; para o Prouni; e para produtores rurais pessoas físicas com receita de até R$ 2 milhões.

Haverá também mudança do local de cobrança, com os impostos sobre bens e serviços sendo cobrados no local de consumo. Hoje, a arrecadação é feita no local de origem. Essa medida deverá combater a guerra fiscal entre unidades da Federação.

As mudanças nos impostos brasileiros serão feitas de forma escalonada. Entre 2029 e 2078, será feita a transição federativa, para que a cobrança passe do município e estado onde o produto e o serviço são produzidos até o local onde são consumidos. Já a substituição dos tributos pelo IBS e o CBS vai ocorrer entre 2026 e 2032.

•        Críticas do setor de comércio e serviços

A alíquota única do IVA dual, no entanto, gerou críticas principalmente por parte do setor de comércio e serviços, que representa cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Um estudo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por exemplo, afirma que, com as mudanças previstas nas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110, ambas de 2019, o setor sofreria um aumento que poderia chegar a quase 200% na carga tributária.

De acordo com a CNC, isso implicaria no aumento dos preços ao consumidor e até mesmo na empregabilidade das empresas de comércio e serviços, que é responsável por 37% da força de trabalho no país.

No entanto, especialistas em contas públicas consultados pela DW Brasil divergem dessas estimativas. Segundo o advogado tributarista e economista Eduardo Fleury, que é consultor do Banco Mundial, a reforma tributária visa não aumentar a carga, ao mesmo tempo que não diminui a arrecadação do governo.

•        Serviços afetam os mais ricos

"Temos que entender que o sistema brasileiro é uma metralhadora giratória. Ela acerta em muitas coisas, não tem padrão claro. Há um monte de exceções", explica Fleury, que lembra que há desníveis de alíquotas em subsetores dos serviços que oneram principalmente os mais pobres, como nas telecomunicações, com carga tributária de aproximadamente 36%.

"Quem consome serviços é a população de renda mais alta. As classes mais baixas consomem basicamente internet e transporte, já que a saúde e a educação são pelo Estado", acrescenta, citando a última Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, de 2017/2018.

O especialista tributário também cita um estudo do Banco Mundial sobre os mesmos dados da POF, que divide a população em dez faixas de renda. De acordo com o levantamento, em 2019 a carga tributária brasileira que incidia sobre o décimo mais pobre era de cerca de 21%; enquanto o décimo mais rico pagava 12%. Ainda segundo Fleury, com a reforma, nove das dez faixas de renda pagariam parcelas menores de impostos em comparação com o sistema atual – apenas os 10% mais ricos teriam aumento de carga tributária.

Em outro estudo, com base em dados da Receita Federal de 2019, Fleury também demonstrou que, dos 70% do PIB relativos ao setor de serviços, apenas 13,7% do total da economia brasileira correspondia a vendas de fim de cadeia, ou seja, ao consumidor final. De resto, a administração pública ficaria com 17,4% do PIB; os serviços financeiros com 7,2%; e os serviços de meio de cadeia, que vendem para outras empresas e seriam beneficiados pela reforma, com 13,2%, por exemplo.

"Dos 13,7% de serviços de fim de cadeia, quando se pega os CNPJs, cerca de 89% deles são de empresas enquadradas no Simples Nacional", diz ele, lembrando que, na reforma, não há propostas de alteração do tratamento especial dado por esses empreendedores que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.

•        Sobreposição de tributos

Para os setores de serviços de meio de cadeia, a previsão da reforma tributária é que sejam aproveitados créditos, para que não haja sobreposição de impostos e desequilíbrio nos custos, como ocorre hoje. Conforme explica Murilo Viana, especialista em contas públicas e consultor-sênior da Go Associados, hoje uma empresa de TI que presta serviços para outra empresa, por exemplo, pode arcar com o pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS), que não gera crédito tributário algum para o contratante do serviço, ocasionando cumulatividade e distorções.

Viana acrescenta que, com a reforma, o novo tributo pago sobre o valor adicionado será aproveitado. Comprar objetos de escritório para uma empresa ou mesmo o gasto de energia dela vão gerar créditos no IVA dual, o que atualmente não ocorre plenamente.

"Porém, o setor de serviços voltado ao atendimento ao consumidor não vai aproveitar isso, porque o elo dele é o atendimento final, então tende a suportar uma carga maior", completa, lembrando que, embora novas redações das PECs já tentem amenizar o efeito negativo sobre o Simples Nacional, as empresas optantes por esse regime ainda assim podem sofrer algum aumento de carga, uma vez que os insumos adquiridos terão alíquota majorada com o IBS.

Um estudo da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse) indica que, com um IVA de 25%, a carga tributária média de 128 subsetores passaria do atual número entre 21% e 26% para algo em torno dos 50%.

•        Custo invisível e desigualdade

Os cálculos do setor terciário sobre o aumento da carga tributária, no entanto, não são consenso. Professora catedrática de direito tributário da Universidade de Leeds e pesquisadora associada à Oxford, a portuguesa Rita de La Feria ressalta que é impossível saber realmente qual o volume de impostos que estão embutidos num produto ou num serviço prestado.

"Na prática, muitos dos serviços têm impostos embutidos nas compras que fazem, cadeiras, computadores, softwares e o que seja", diz a jurista. Ela sublinha que o argumento de que a reforma tributária causará aumento de preços, ou seja, inflação, é inconsistente – justamente porque são utilizados pelos mais ricos. "A maior parte do consumo das pessoas de baixa renda é em produtos. Supondo que seja verdade que o serviço é menos tributado no Brasil, isso é uma regressividade enorme. Assim, tributar serviços da mesma forma que bens seria aumentar a progressividade do imposto."

Segundo La Feria, a reforma tributária como está desenhada será tão positiva para a economia brasileira que acabará por beneficiar os setores de serviços. "Mesmo que eles estejam assustados, achando que é um aumento da tributação de valor real. Mas sinceramente acho que uma reforma tributária que desenvolva o Brasil e alavanque o desenvolvimento econômico vai ajudar a todos."

 

       Lira diz que ligará a Bolsonaro para pedir que PL não feche questão contra reforma tributária

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que telefonará nesta quinta-feira ao ex-presidente Jair Bolsonaro em um esforço para que o partido dele, o PL, não feche questão contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, que deve ser votada em primeiro turno nesta noite na Casa.

Em entrevista à BandNews TV, Lira afirmou que, além dele, os senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Rogério Marinho (PL-RN), além do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) -- três ministros importantes do governo Bolsonaro -- conversarão com o ex-presidente sobre a reforma.

Bolsonaro se posicionou publicamente e de forma firme contra a reforma tributária e participa nesta quinta de uma reunião com a bancada do PL -- a maior da Câmara com 99 deputados --, também com a presença de Tarcísio, na qual a legenda deve decidir sua posição sobre a proposta.

Mais cedo, em entrevista à GloboNews, o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), disse que Bolsonaro dará o tom da posição a ser adotada pela sigla.

"O posicionamento individual político-partidário de qualquer cidadão público, ainda mais de um ex-presidente, pesa", avaliou Lira à emissora.

"O nosso apelo, e hoje algumas pessoas, inclusive eu, vão fazer uma ligação ao ex-presidente Bolsonaro... para que pelo menos o PL não feche questão, que é uma coisa normal, lícita, partidária", disse Lira.

Quando a bancada de um partido fecha questão a favor ou contra uma matéria, os parlamentares filiados àquela legenda que não seguirem a orientação partidária ficam sujeitos a punições pelas instâncias da sigla.

"Não é recomendável para nenhum partido se posicionar contra a reforma sem especificar qual é o tema, qual é o texto, qual é a possibilidade de melhora da legislação, porque tudo isso nós estamos fazendo", afirmou o presidente da Câmara.

Por se tratar de uma PEC, a reforma tributária precisa dos votos favoráveis de 308 dos 513 deputados em dois turnos de votação para então ir ao Senado, onde necessitará do aval de 49 dos 81 senadores também em dois turnos para ser promulgada.

 

Fonte: Deutsche Welle/Reuters

 

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