segunda-feira, 1 de maio de 2023

Provocados e testados

Primeiro, foi a conclusão fatalista do republicano Donald Trump, garantindo, pela televisão, que a América já perdeu o Brasil, depois de perder Cuba e Venezuela. Em seguida, vieram parlamentares democratas de Biden, preocupando-se com novo papel brasileiro na balança política do Ocidente, da qual pendem divergências políticas e econômicas entre Estados Unidos e China. O governo Lula, com apenas quatro meses, andou rápido para estreitar e aquecer as relações com os chineses, sem maiores preocupações ao adotar atitude de franca simpatia em relação a uma das duas forças em que se concentra a disputa pelo domínio universal. Uma decisão destinada a provocar importantes desdobramentos; mas vê-se que, nesse particular, conseguimos ganhar preocupações tanto de democratas como de republicanos, o que não é pouco. Contudo, suficiente para exigir talento e contorcionismo da diplomacia brasileira, sem faltar a visível antipatia dos europeus pelo Mercosul, que voltou a entusiasmar o Brasil.

São desafios que na semana passada já vinham aguçando preocupações de parlamentares e setores produtivos, porque as ampliadas relações com a China podem empurrar o Brasil para se machucar na linha dos dois fogos mais poderosos do mundo. Por achar que Brasília planeja o esvaziamento dos interesses americanos, a reação não exclui retaliações. Fácil observar.

Certos setores, antes empenhados apenas no escapelo de Bolsonaro, agora sinalizam que Lula pode ser a bola da vez. Observe-se que, repentinamente, áreas influentes junto a Washington, que ignoravam temas políticos brasileiros, como a CPMI 8 de Janeiro, passaram a apoiá-la e cobrá-la, forçando o governo a admitir a investigação.

O cenário da recepção chinesa à gorda e alegre comitiva brasileira, em dimensões raramente vistas para uma delegação estrangeira, teve a clara intenção de criar contraste com a pobre receptividade oferecida ao presidente Lula em Washington, poucas semanas antes. Não se subestime a sutileza de uma cultura milenar.

Tendências nas relações externas, quando mais salientes, precisam cultivar instrumentos de defesa, e precaver os revezes, que nunca faltam. A propósito, tome-se em conta a sabedoria do então chanceler Afonso Arinos, quando, nos anos 60, o presidente Jânio Quadros resolveu dar uma guinada à esquerda, contemplando a Europa Oriental, sob o clima de Guerra Fria, além de agraciar Che Guevara com a maior comenda nacional. Ensinava ele que é preciso ter cuidado, quando as coisas saem muito do figurino.

·         A ditadura do tempo

Interessante refletir sobre os contrastes do cronômetro do presidente Lula. Se, de um lado, dispõe de tempo demais, pois venceu apenas quatro dos 48 meses de mandato, esse mesmo tempo parece exíguo, quando se trata de construir bases mais sólidas para governar, e que lhe assegurem caminhar sem maiores tormentos, como o impasse que envolve o governo na intimidade dos graves fatos de 8 de janeiro. Se ainda são quatro anos pela frente, não é menos verdade que as horas correm impiedosas, e o presidente não tem direito de fingir não vê-las passar, pois os fatos vão desafiando seu prestígio junto aos que o elegeram.

A primeira questão reside em crescentes dificuldades nas relações com o Congresso, culminando com a CPMI do vandalismo, que o Planalto desejou inviabilizar, e, por fim, sem forças para reagir, passou a aceitá-la. Pois, antes mesmo de ser instalada e conhecida a relatoria, ela já conseguia entrar no Gabinete de Segurança Institucional e sacrificar o general Gonçalves Dias, assessor in pectoris da Presidência. Lula sentiu o soco, não há negá-lo.

A bancada governista, cercada de emendas e afagos palacianos, não teve como evitar a investigação, fracasso parlamentar que pode custar dores de cabeça ao governo, além de pagar pelos inevitáveis atrasos na tramitação das matérias de interesse de gestões ministeriais. A CPMI também revela terem sido insuficientes a Lula os bons préstimos do fidelíssimo presidente do Senado. Melhor para o governo seria jogar todas as fichas no deputado Artur Lira, mais hábil e não vacila nas horas graves.

Não bastassem os obstáculos internos e externos, o presidente ainda tem de pousar os olhos nas conchas do Congresso, e descobrir maneira de reanimar o Partido dos Trabalhadores, que, inapetente para maiores embates, continua satisfeito com os louros da vitória, sem dar conta de que louros murcham com os desafios e as horas que estão correndo. A acomodação dos governistas é o melhor presente que a oposição precisa para se movimentar. Sempre foi assim.

 

Ø  "Lula saiu, de Portugal, maior do que é", diz embaixador em Lisboa

 

A despeito de todas as polêmicas em torno de declarações referentes à guerra da Rússia com a Ucrânia e dos protestos da extrema-direita, o embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreiro, acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saiu maior do que é de sua visita de cinco dias ao país europeu. "Houve ganhos tanto do ponto de vista econômico, com o fechamento de vários acordos, quanto do político, pois resultou na reinserção do Brasil como potência no debate internacional. O Brasil voltou a ter voz", afirma.

Para Carreiro, os desafios a partir de agora são manter as conquistas. "É preciso acompanhar todos os acordos assinados, para que, efetivamente, passem a valer e, claro, avançar em outros pontos relevantes, como o pacto entre o Mercosul e a União Europeia", diz. O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, assumiu a posição de ponta de lança para que a parceria entre os dois blocos econômicos, cujas negociações se arrastam por mais de 20 anos, finalmente saia do papel. Na Espanha, que assumirá a presidência da UE a partir de julho, o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, definiu o acordo comercial como prioridade.

O embaixador assinala que o estreitamento dos laços entre Brasil e Portugal é fundamental, dado o crescimento do número de brasileiros em território luso. Com a concessão automática das autorizações de residência, processo que passou a vigorar em 13 de março último, a comunidade de cidadãos legalizados do Brasil vivendo no país europeu saltou de 233 mil, em dezembro de 2022, para quase 340 mil. "Temos muitos projetos em comum, seja na economia, seja na educação, na saúde e na cultura", destaca.

Carreiro enfatiza que, com a viagem de Lula, recebido em Portugal com todas as honras de chefe de Estado, dá por cumprida a sua missão como embaixador, iniciada há quase um ano e meio. Ele ressalta o desejo de retornar ao Brasil para contribuir com o governo. "Disse isso ao presidente, mas, caso a opção seja pela minha continuidade à frente da embaixada, o trabalho continuará da mesma forma, sempre priorizando os interesses brasileiros", ressalta. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

·         Como o senhor avalia a visita do presidente Lula a Portugal?

Com certeza, foi vitoriosa. Brasil e Portugal sempre foram países muito próximos, mas que andavam afastados nos últimos anos. Tenho certeza de que, com todos os acordos que foram fechados entre os dois países — foram 13 — e com a retomada do diálogo político, o presidente saiu muito maior do que já era quando chegou em Portugal. O Brasil recuperou o seu papel de potência dentro do debate internacional.

·         Mas houve percalços, com críticas às declarações do presidente de que a Ucrânia é tão culpada pela guerra quanto a Rússia e os protestos organizados pelo Chega?

O presidente Lula reforçou que o Brasil é contra a invasão da Ucrânia pela Rússia e que está disposto a liderar um grupo de pelo menos 20 países para negociar a paz na região. Isso ficou claro. Nos reunimos, na embaixada, com representantes da comunidade ucraniana que vive em Portugal. Ali foi anunciado que o ex-chanceler Celso Amorim, assessor internacional da Presidência da República, irá à Ucrânia para uma conversa com o presidente daquele país (Volodimir Zelenski). Com relação aos protestos do Chega, houve apoio maciço ao presidente e condenação aos deputados que desrespeitaram um chefe de Estado estrangeiro, convidado para falar no Parlamento. Do lado de fora da Assembleia, havia pouco mais de 500 pessoas protestando, muito longe da maior manifestação da história de Portugal prometida pela extrema-direita. Vimos, ainda, um presidente Lula tranquilo, preocupado em acalmar o presidente do Parlamento (Augusto Santos e Silva). O presidente cumpriu seu papel como líder que sempre foi.

·         Dos 13 acordos assinados entre Brasil e Portugal, quais o senhor destacaria?

Na educação, finalmente, chegou-se a um entendimento para que diplomas de estudantes brasileiros e portugueses sejam reconhecidos automaticamente nos dois países. Esse tema se arrastava desde 2018. No nosso caso, tínhamos mais de 5 mil processos pendentes, dificultando a vida de trabalhadores e estudantes. Na saúde, ficou acertado, por exemplo, que a Fiocruz construirá uma fábrica de medicamentos e vacinas em Portugal, movimento que pode se estender aos países da Comunidade da Língua Portuguesa. Nos direitos humanos, houve acordos para proteção de testemunhas e de respeito às pessoas com deficiências. Há que se destacar, ainda, o acordo operacional entre a Embraer e a Ogma, empresa portuguesa, para a produção e manutenção dos aviões de defesa Super Tucano, já seguindo os parâmetros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

·         Mas ainda há muito a avançar, em especial no acordo Mercosul-União Europeia...

Portugal e Espanha, ressalte-se, defendem que o acordo seja fechado rapidamente. O presidente Lula disse que há poucos detalhes a serem definidos. Creio que tudo está muito bem encaminhado nesse sentido. Além disso, nos próximos 30 dias, devemos finalizar o acordo com Portugal para reconhecimento das carteiras de motoristas dos dois países. Estava quase tudo certo isso ser assinado durante a visita do presidente Lula, mas acabou não saindo.

·         A comunidade brasileira não para de crescer em Portugal. O que esperar desse movimento?

Temos trabalhado incansavelmente para que todos os problemas à comunidade sejam sanados. Nos empenhamos muito para que Portugal seguisse o acordo de mobilidade que havia assinado com o Brasil e a CPLP. Isso permitiu que, em março último, fosse lançada a plataforma para a concessão automática de residência a brasileiros que estavam esperando pelo documento há dois anos. Desde então, mais de 100 mil brasileiros foram regularizados. Tenho que ressaltar que o governo de Portugal tem sido muito sensível em relação às nossas demandas. Durante as eleições brasileiras, no ano passado, o metrô anunciou que fecharia a estação que dá acesso à Universidade de Lisboa, onde a votação aconteceria, para obras. Liguei para o presidente da empresa e, imediatamente, o fechamento foi suspenso. E assim tem sido em todas as nossas demandas, sempre que possível.

·         A estrutura para a visita de Lula a Portugal foi enorme…

Com certeza, mas tudo transcorreu da melhor forma possível. A comitiva tinha mais de 60 pessoas e tudo seguiu como o previsto, na segurança e no suporte ao presidente. Parlamentares realizaram os encontros pretendidos. Ministros cumpriram todas as agendas. A entrega do Prêmio Camões ao cantor Chico Buarque foi um sucesso. Na recepção após o recebimento do prêmio, houve um fato inédito: as presenças do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro na festa. Esperávamos 60 pessoas e compareceram 160.

·         O senhor tem demonstrado desejo de retornar ao Brasil…

Sim, como embaixador, receber o presidente da República no país onde se está acreditado é a maior das missões. Já expressei ao presidente Lula o meu desejo de retornar ao Brasil para uma função no governo que contribua para o país. Mas se o desejo dele for o de que eu continue como embaixador em Portugal, permanecerei executando meu trabalho com toda a dedicação.

 

Fonte: Por Wilson Cid, no Jornal do Brasil/Correio Braziliense

 

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