quarta-feira, 8 de março de 2023


 As empresas que estão levando jovens ao burnout no início da carreira

Existem empresas com alta rotatividade de funcionários jovens, o que pode prejudicar os profissionais logo no início da carreira.

Sarah sempre sonhou em trabalhar na indústria de moda. Com 21 anos de idade, ela decidiu se mudar para Londres e ir atrás do seu sonho, em busca da carreira que ela amava.

"Como muitos outros jovens, eu era apaixonada pela moda", ela conta. "Mas a realidade não era tão glamourosa."

Depois de trabalhar por menos de um ano no varejo de moda, Sarah conseguiu um emprego de assistente de comércio eletrônico na matriz de uma marca de luxo global. Nos dois empregos, ela era rodeada por pessoas da mesma idade e com pensamento similar. Todos eles queriam ter sucesso no mundo da moda.

"É como uma indústria criativa: os jovens sempre gostam de trabalhar nela", ela conta. "E os benefícios são bons, mesmo em vendas: nós conseguíamos produtos com grandes descontos todo o tempo."

Mas Sarah acrescenta que sempre houve alta rotatividade no escritório, especialmente entre os funcionários de baixo escalão.

"Os funcionários jovens pediam demissão todo o tempo", segundo Sarah. "Uma estagiária de 18 anos ficou apenas uma semana, quando percebeu que o seu emprego era essencialmente trabalho manual mal remunerado, com longas horas simplesmente carregando e embalando roupas devolvidas das sessões de fotografias."

"Os estagiários que ficavam meses no emprego acabavam se demitindo com burnout", ela conta. "Havia simplesmente uma rotatividade contínua de profissionais jovens impressionáveis e nada era feito sobre isso. Virou um teste para saber quem tinha mais resistência."

Sarah ficou naquele emprego por dois anos. O entusiasmo de trabalhar no setor de moda logo virou tédio e frustração. "Tarefas administrativas por longas horas e salário baixo", afirma ela.

Como a gerência não oferecia uma trajetória clara de carreira, nem havia sensação de progresso, Sarah conta que seu emprego acabou por imobilizá-la e ela se demitiu.

"A gerência e os funcionários sabiam que era um local de trabalho competitivo - que o seu emprego sempre estaria em alta demanda", segundo Sarah. "Se você saísse, seria substituído por outro jovem profissional animado para estar ali."

Especialistas afirmam que existem muitas empresas que contratam especificamente recém-formados que estão tentando ir atrás das suas paixões - muitas vezes, em carreiras competitivas ou até "glamourosas".

Em alguns casos, pode ser ótimo para esses profissionais, que estão procurando uma forma de entrar em um setor dos seus sonhos. Mas, às vezes, os funcionários jovens podem ficar desmotivados em funções extenuantes com baixos salários, já que os empregadores sabem que as eventuais vagas sempre serão muito cobiçadas.

Estas situações podem fazer com que os profissionais em início de carreira, que estão procurando se estabelecer, fiquem vulneráveis ao burnout ou à desilusão logo no início da vida profissional.

        'Sem as sombras da experiência'

Muitos empregos são formados com a expectativa de que os profissionais jovens irão crescer dentro da empresa.

Muitas vezes, existem caminhos definidos para a promoção e objetivos a serem alcançados. Às vezes, as empresas chegam a oferecer programas de formação e desenvolvimento para orientar os funcionários recém-contratados a atingir cargos mais altos.

Mesmo se o progresso for trabalhoso, muitos empregadores preferem investir em profissionais que permaneçam na empresa.

Mas os especialistas afirmam que outras companhias adotam uma abordagem diferente. Elas formam infraestruturas nas quais contratam funcionários jovens com pouca ou nenhuma oportunidade de ascensão e os entopem de tarefas trabalhosas.

Existem empresas com alta rotatividade de funcionários jovens, o que pode prejudicar os profissionais logo no início da carreira.

Nestas situações, as empresas muitas vezes esperam que esses jovens profissionais se demitam em algum momento, seja porque estão em um beco sem saída ou devido ao burnout gerado pelo cargo. Eles são então geralmente substituídos por outros profissionais jovens, que terão o mesmo destino.

É claro que, muitas vezes, espera-se que os funcionários jovens se esforcem nos primeiros anos das suas carreiras, mostrando ambição, persistência e resiliência no ambiente de trabalho - de certa forma, para ganhar experiência.

Mas nem todo profissional jovem sem um caminho explícito rumo ao crescimento fica em uma empresa que, intencionalmente, cria rotatividade entre seus talentos iniciantes, segundo a professora Helen Hughes, da Escola de Negócios da Universidade de Leeds, no Reino Unido.

Ela cita como exemplo o setor de relações públicas, em que os cargos iniciais de salário mais baixo "enquadram-se na trajetória de carreira da pessoa - a expectativa é que, nos estágios iniciais, você precisa assumir cargos de nível júnior antes de poder progredir."

Mas algumas empresas decidem formar o que Hughes chama de "modelo de visão curta". E existem muitas razões que levam as empresas a decidir pela rotatividade dos seus funcionários jovens, em vez de investir neles.

Em primeiro lugar, existem as implicações financeiras. Os recém-formados começam no ponto mais baixo da escada com salários iniciais e não têm as mesmas expectativas de compensação dos funcionários com experiência.

"Os empregadores, muitas vezes, contratam recém-formados para poder pagar menos", segundo Dominik Raškaj, gerente de marketing do site de empregos Posao.hr, com sede na Croácia. "É, de fato, uma fonte de mão de obra barata e subvalorizada."

Além disso, os profissionais iniciantes podem ser maleáveis e dispostos a aceitar determinadas condições de trabalho.

"Quanto menos experiência tiver o funcionário, mais aberta é sua mente e, geralmente, mais ele aceita em um ambiente de trabalho", afirma Hughes. "Eles não têm as sombras da experiência, o que traz vantagens para o empregador - eles podem ser moldados com mais facilidade."

Mas isso pode fazer com que os profissionais jovens que desejam entrar em uma carreira fiquem suscetíveis a empregos mal remunerados ou ambientes de trabalho tóxicos.

"Os recém-formados podem ser vulneráveis à exploração, por não terem adquirido experiência para saber o que está certo e o que não está", afirma Hughes. "Os recém-formados podem ficar com a sensação de que tudo realmente é competitivo, de forma que eles ficam desesperados para aceitar um cargo desafiador que pode não oferecer as melhores condições."

        'Pode distorcer a visão de uma pessoa'

Nestas situações, o risco imediato é o burnout.

Os profissionais podem ficar sobrecarregados pelas longas horas e imensas cargas de trabalho ou tarefas insignificantes. E, devido à sua falta de experiência, podem ser incapazes de defender seus interesses. Isso pode deixar os funcionários frustrados, no melhor dos casos, ou com alto nível de estresse, como ocorreu com Sarah.

Mas muitos acham que não têm escolha a não ser permanecer, especialmente se estiverem tentando entrar em determinados setores onde o ingresso é muito difícil. E, para os profissionais jovens desesperados para estabelecer-se em uma carreira competitiva, enfrentando longas horas e más condições de trabalho, os efeitos podem ser traiçoeiros.

"Alguns podem decidir permanecer até o burnout porque estão em início de carreira", afirma Hughes. "Mas, sem as experiências do passado para orientá-los, o risco é que eles aceitem que aquilo é o que o mercado de trabalho oferece, as más condições se tornem o normal e o profissional jovem acabe pensando que aquilo é tudo o que ele vale."

Isso pode ter efeitos sérios e duradouros para esses profissionais jovens, prejudicando suas expectativas sobre o que significa estar no mercado de trabalho.

"Você vê os profissionais começarem a sair, reduz os esforços e exibe comportamentos de demissão silenciosa", afirma Jim Harter, cientista-chefe de administração e bem-estar no local de trabalho da empresa de pesquisas norte-americana Gallup. "Isso pode distorcer a visão de uma pessoa sobre o que significa uma carreira e seu relacionamento com o trabalho."

"Os recém-formados podem ficar tão preocupados em conseguir um emprego que acham que qualquer coisa serve", acrescenta Hughes. Mas trabalhar muito por longos períodos com salários baixos e sem solução à vista traz consequências de longo prazo.

"Você se ajusta às normas à sua volta - normas ruins - logo no início da carreira", segundo ele.

A boa notícia é que o mercado de trabalho atual, favorável aos funcionários em muitos países ou setores, pode oferecer opções aos funcionários jovens, se eles acharem que estão sendo explorados em um cargo sem perspectiva de progresso, ou que o custo está ficando alto demais.

"Também existem agora mais perguntas sendo feitas sobre os empregos dos recém-formados", afirma Hughes. "E existem mais denúncias sobre a falta de boas práticas de trabalho nas redes sociais, o que significa que a pressão por mudanças sobre as empresas que não cuidam dos seus funcionários jovens é maior."

Mas, mesmo em uma era de falta de profissionais em muitos países e críticas online, muitos desses ambientes tóxicos ainda se mantêm. Isso significa que pode caber aos funcionários iniciantes reconhecer quando estão em má situação.

Identificar essa situação pode ser difícil, já que os funcionários com pouca experiência de trabalho podem não conhecer os padrões em um cargo inicial, em comparação com uma etapa mais à frente.

Sarah percebeu que o seu trabalho a forçava ao máximo e se demitiu. Mas, em vez de permanecer no mesmo setor de atividade, ela seguiu um caminho diferente. Agora, ela trabalha para uma agência de criação fora do setor de moda.

Sarah conta que está muito mais feliz no seu novo cargo, que oferece claras oportunidades de progresso, um trabalho desafiador e tarefas diárias variadas.

"[A moda] pode ter parecido um lugar impressionante para trabalhar", afirma ela, "mas percebi que é muito mais importante ter um emprego gratificante do que um nome bonito no currículo."

O sobrenome de Sarah é omitido por motivos profissionais.

 

       Quando a raiva impulsiona funcionários a largar seus empregos

 

Estava um calor sufocante dentro da casa noturna onde Alexander trabalhava como DJ, no Estado norte-americano da Virgínia. Mesmo com temperatura de mais de 40 °C no lado externo, o ar-condicionado da casa estava quebrado. A sensação de calor e umidade era ainda maior porque a casa estava promovendo um evento espacial - uma festa de espuma que tinha Pokémon como tema -, e mais de 400 participantes estavam se divertindo com as bolhas.

"Eu literalmente tinha compressas de gelo no pescoço para não desmaiar", relembra Alexander, agora com 35 anos, sobre o evento de 2016. O calor também estava prejudicando o seu equipamento e ele decidiu dar um basta. Alexander pegou o microfone para que todos pudessem ouvir e repreendeu o dono da casa noturna por mentir sobre o conserto do ar-condicionado e pelas condições que estavam fritando seu equipamento. "Chega", disse ele, e saiu correndo.

Muitos de nós imaginamos abandonar um emprego ruim dessa forma tão dramática. Mesmo sem envolver ataques de temperamento, a "demissão por raiva" é um sinal de falhas sérias no local de trabalho: desde descuidos nos padrões de saúde e segurança até a exploração nas condições de trabalho e gerentes abusivos.

A pandemia de covid-19 acabou por intensificar os fatores de tensão que podem levar funcionários a demitir-se de repente. Mas, como a "demissão por raiva" tende a ser o ápice de uma série de problemas no trabalho, os empregadores podem evitar o abandono de funcionários prestando atenção nos sinais de advertência - antes que algum empregado jogue o microfone no chão, a caminho da saída.

        O que é a "demissão por raiva"

A ideia de sair com raiva de um emprego surgiu muito antes do fenômeno começar a ser celebrado na cultura pop, como no clássico da música country dos anos 1970 Take this job and shove it; e antes dos gamers começarem a usar a expressão "rage quitting" (desistência por raiva) na década de 1980 para designar o abandono furioso de um jogo frustrante.

Embora a "demissão por raiva" possa parecer impulsiva, a insatisfação com o trabalho tende a acumular-se ao longo do tempo, até que um incidente isolado deflagre a demissão real. E ter um espaço seguro para onde ir - como grande quantidade de opções de trabalho, outra fonte de renda (como o seguro-desemprego) ou uma oportunidade em vista (como uma formação escolar) - pode fazer com que seja mais fácil puxar o gatilho.

Esses padrões existem de alguma forma em todos os cargos e indústrias, mas assumem formas diferentes em diferentes contextos. Não existem estatísticas sobre as demissões por raiva, mas Peter Hom, especialista em recolocação profissional da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, indica que, na Alemanha, por exemplo, funcionários de grandes empresas são penalizados se pedirem demissão sem aviso prévio. Já os Estados Unidos têm mais liberdade de emprego, o que justificaria que a "demissão por raiva" fosse mais comum naquele país.

Sajeet Pradhan, pesquisador do comportamento empresarial do Instituto Indiano de Administração Tiruchirappalli, afirma que, em comparação com os Estados Unidos e a Europa, a Índia "culturalmente é mais tolerante (infelizmente) ao abuso no trabalho", devido à "distância do poder ou à educação que nos condicionou a respeitar pessoas em posições de autoridade". Na Índia, segundo Pradhan, "a 'demissão por raiva' geralmente acontece nos cargos de alta especialização e entre os millennials".

Geralmente - segundo Nita Chhinzer, pesquisadora de administração estratégica de recursos humanos da Universidade de Guelph, no Canadá - "as pessoas com maior formação são mais propensas a demitir-se porque elas acreditam que seus conhecimentos podem ser aplicados e transferidos com mais facilidade". Mas pessoas em empregos precários ou menos especializados podem muitas vezes demitir-se com curto aviso prévio. Peter Hom destaca pessoas que trabalham nas fábricas voltadas à exportação na China e no México: "é como um jogo das cadeiras - elas pulam de um emprego para outro".

E, embora os trabalhadores jovens às vezes sejam considerados inconstantes, "na verdade, antes que o seu custo seja irrecuperável devido a um investimento perdido na organização, eles tomam a decisão que for melhor para eles", agrega Chhinzer. Faz sentido que eles abandonem um emprego inadequado de forma mais espontânea.

Isso não significa que deixar o trabalho no calor do momento seja sempre algo lógico. Chhinzer afirma que, "com a 'demissão por raiva', na verdade, eles não estão deixando de tomar decisões racionais, mas estão apenas pensando em quais são as suas opções". Funcionários saturados poderão superestimar sua capacidade de conseguir outro emprego.

        O que está por trás da "demissão por raiva"

Embora haja muitas razões para abandonar um emprego insatisfatório, existem certos padrões recorrentes que geram demissões espontâneas.

Uma das razões mais comuns é a má gestão. A supervisão abusiva pode gerar exaustão emocional. Quando os gerentes deixam de atender às repetidas preocupações dos funcionários, o resultado explosivo pode ser a demissão desses funcionários por raiva. A má gestão muitas vezes está relacionada a outras razões das "demissões por raiva", como mudanças constantes de projetos, cronogramas rigorosos, sobrecarga de trabalho e rejeição de preocupações com segurança.

Sarah sofreu tudo isso em um recente período de três meses como caixa em uma pequena mercearia de Michigan, nos Estados Unidos. A jovem de 24 anos havia se mudado com seus pais e pretendia trabalhar temporariamente, e apenas em meio período, enquanto se preparava para cursar graduação em Toronto, no Canadá, mas o pequeno quadro de funcionários e fortes exigências da gerência logo fizeram com que ela trabalhasse em tempo integral.

Era também claro que a segurança dos funcionários não era prioridade. Sendo a única mulher jovem na empresa, Sarah se sentia insegura de muitas formas: clientes embriagados que às vezes eram beligerantes, a maioria das pessoas se recusava a usar máscaras e frequentemente ela era a única funcionária na loja.

O golpe final ocorreu quando um cliente começou a persegui-la. Sarah pediu à sua gerente que mudasse a escala dos funcionários, da sua posição pública na loja, onde qualquer cliente poderia ver quando ela estivesse trabalhando, para um espaço privado. A gerente não apenas recusou, mas também gritou com Sarah por mencionar o perseguidor. "Minha chefe imediatamente se exaltou. Ela dizia: 'Você precisa ser adulta. Por que você não é adulta com relação a isso?' Ela repetiu isso muitas vezes", afirma Sarah.

Sarah pediu demissão naquele mesmo telefonema, um mês antes do final do trabalho. "Eu me senti muito mal porque realmente queria dar duas semanas [de aviso prévio]... mas, quanto mais eu pensava sobre isso e como ela fez tão pouco para me ajudar e trabalhar com aquela situação, mais eu achava que aquilo não valia meu tempo, nem minha segurança", conta ela.

Embora tenha ficado abalada depois da demissão por raiva, ela não ficou em grandes dificuldades financeiras. "Tenho certeza de que, se fosse o emprego dos meus sonhos, eu teria tomado decisões diferentes", analisa Sarah. Ela diz que seria menos provável que se demitisse espontaneamente "se aquele fosse um emprego que já me valorizasse... se fosse um emprego que eu realmente sentisse como uma carreira".

No caso das pessoas que se demitem por raiva, o mau tratamento de uma parte alimenta o mau tratamento pela outra. Depois que a gerente deixou de levar sua segurança em consideração, Sarah decidiu não cumprir aviso prévio.

Nita Chhinzer faz referência à teoria das trocas sociais: "a forma como você me trata determina a forma como eu trato você". Se um gerente alterar cronogramas no último minuto, insistindo que os funcionários façam horas extras ou recusando-se a permitir licença por luto, os funcionários são também mais propensos a retribuir com limitações de comunicação e falta de aviso prévio.

        A covid como promotora

Algumas dessas pressões sobre os funcionários foram potencializadas pela pandemia. Chhinzer afirma que, em 2020, as taxas de pedidos de demissão, de forma geral, caíram, já que as pessoas permaneceram em seus empregos o máximo que conseguiram. Mas as demissões aumentaram muito em 2021, de forma que "os gestores, as organizações e os departamentos de RH estão muito preocupados com a manutenção dos talentos".

Mas, como mostra a experiência de Sarah, essa preocupação nem sempre se traduz em melhor proteção dos empregados, particularmente em cargos com baixos salários.

De fato, a segurança tem sido um catalisador frequente para que funcionários que atendem clientes pessoalmente se demitam por raiva. Uma enfermeira cujos colegas espalhavam informações falsas sobre vacinas; um funcionário de restaurante cujos gerentes escondiam a informação de que a covid vinha se espalhando entre os funcionários; ou uma vendedora com receio de transmitir o vírus para parentes vulneráveis - todos deixaram seus empregos de forma quase repentina durante a pandemia.

Os pesquisadores já estavam investigando a "consciência da morte no trabalho" antes da pandemia. Mas a covid-19 trouxe outra dimensão para essa ansiedade no local de trabalho. Para os que se demitiam por raiva, especialmente os que possuíam alta "ansiedade da morte", o componente "raiva" "pode ser acionado mais provavelmente pelo fato de que os empregadores deixam de fornecer medidas de segurança suficientes para proteger a saúde dos seus funcionários", afirma Rui (Hammer) Zhong, estudante de PhD da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, que pesquisa o lado negativo dos locais de trabalho (essa reação de raiva inflamada opõe-se à outra forma de consciência da morte pesquisada por Zhong e seus colegas - uma reflexão da morte, ou "demissão calma", ao perceber como a vida é curta).

Nita Chhinzer comenta que "as pessoas estão saindo [de seus empregos] não apenas devido ao mau tratamento no trabalho pelos gerentes e colegas; elas também estão saindo devido à situação nos seus empregos", como a necessidade de retornar ao local de trabalho. "Isso não era preocupação anteriormente", segundo ela.

        Alternativas para a "demissão por raiva"

Para alguém tentado a demitir-se por raiva, pode ser útil obter uma perspectiva sobre o que existe atrás da raiva, além da gratificação imediata de esfregar isso em um mau chefe.

Também é útil analisar por que outras pessoas não se demitem por raiva. Histórias de funcionários sobrecarregados que desrespeitam seus maus chefes são gratificantes e, às vezes, inspiradoras. Mas é claro que é alarmante pedir demissão sem um plano B.

Alexander teve a sorte de não depender do seu trabalho como DJ, pois o seu emprego principal era como cientista. Ele observa que "teria sido realmente mais difícil abandonar o trabalho se eu não tivesse outro emprego". E nem todos têm condições de deixar um emprego desmotivador, ou de sair sem o pagamento da rescisão. Por isso, nem sempre é útil que as pessoas que fizeram isso incentivem os demais a sair imediatamente de um mau emprego.

Alibel encontra essa situação com frequência entre seus compatriotas, migrantes venezuelanos na Argentina, que nem sempre contam com situação legal ou financeira para mudar facilmente de emprego.

Quando ela chegou a Buenos Aires, em 2019, seu primeiro emprego foi vendendo carros por telefone. Não levou muito tempo para que ela compreendesse que era uma operação ilegal e Alibel, agora com 28 anos de idade, pediu demissão rapidamente. Ela não perdeu nenhum pagamento porque o emprego era totalmente comissionado: "se você não vendesse nada, não ganharia um centavo", ela conta. Mas, embora haja muitos relatos de pessoas que se demitem por raiva de outros empregos questionáveis, nem todos têm condições de assumir sua posição moral.

De forma geral, o estigma da demissão pode estar diminuindo devido à Grande Renúncia (nome dado à tendência que levou um grande número de trabalhadores norte-americanos a deixar seus empregos durante a pandemia de covid-19), embora a saída de alguns funcionários com planos B possa tornar a situação mais difícil para os colegas que ficam para trás. Mas, em última análise, é papel dos empregadores melhorar as condições de trabalho. "Se os empregadores oferecerem salários decentes e bons benefícios, eles inibirão as demissões", afirma Peter Hom.

Nita Chhinzer destaca que, entre as organizações concentradas em manter seus funcionários, é útil ser proativo, por exemplo, com apresentações semanais, benefícios como auxílio-educação ou sextas-feiras de folga no verão. Peter Hom e seus colegas recomendam que os empregadores prestem mais atenção aos "comportamentos pré-demissão", com a implementação, por exemplo, de entrevistas de permanência com os funcionários atuais (e não apenas entrevistas de saída com empregados demissionários).

O fato de um funcionário demitir-se por raiva deveria ser um chamado de alerta para o empregador.

Seis meses depois de Alexander sair da casa noturna superaquecida com seu equipamento de DJ, ele se reconciliou com o proprietário e voltou a trabalhar lá. Mas, no ano seguinte, ele largou tudo de novo, depois de novas promessas não cumpridas e condições de trabalho sem segurança. "Foi a última vez em que atuei como DJ fora da minha própria casa. Simplesmente me cansei de tudo aquilo", conta ele.

 

Fonte: BBC Worklife/BBC News Mundo

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