Esqui 'a seco' é o
futuro do esporte com as mudanças climáticas?
Enquanto mergulhava
em uma banheira de madeira aquecida no spa ao ar livre CopenHot, no hoje
badalado bairro industrial de Refshaleøen em Copenhague, na Dinamarca, meu olhar
atravessou o estreito de Øresund em direção a um dos pontos mais marcantes da
cidade, chamado CopenHill.
A usina
incineradora inclinada é, agora, coberta por um parque urbano – uma
montanha feita pelo homem em uma cidade quase totalmente plana.
Estávamos em
agosto, em pleno verão no hemisfério norte, com sol e temperatura de 22°C. E
fiquei surpresa ao ver esquiadores descendo pela área verde inclinada do local.
Projetada pelo
arquiteto dinamarquês Bjarke Ingels, CopenHill oferece trilhas de caminhada e
uma parede de escalada na rocha. No alto, fica uma cafeteria. Mas sua atração
mais interessante é a sua pista de esqui, com 400 metros de comprimento.
Ela foi criada com
uma superfície sintética chamada Neveplast, que imita a neve dura e compacta
das montanhas. E hastes cônicas concêntricas geram a aderência necessária para
a prática do esqui.
Desde a sua
inauguração, em 2019, cerca de 10 mil moradores e turistas visitam a usina
todos os anos, ávidos para aprender a esquiar ou descer de prancha no seco.
Eles incluem
caçadores de aventuras como Ellen Dansgaard, que pratica manobras no esqui e na
prancha, durante as competições de esqui e snowboard em estilo livre, toda
sexta-feira à noite. Ela esquia em CopenHill três vezes por semana e compete
nos eventos de estilo livre em todo o país.
"Eu me mudei
para estudar em Copenhague em 2021 porque é o único lugar da Dinamarca onde
posso esquiar [o ano inteiro] e as competições, de fato, reúnem a
comunidade", declarou Dansgaard.
"Se você já
esquiou na neve compacta, a sensação da pista seca é a mesma. O melhor é que
você pode esquiar o ano todo e aprimorar suas habilidades."
Como esquiei em
montanhas a vida inteira, fiquei curiosa.
Fui criada em
Montreal, no Canadá, e me lembro das temporadas de esqui, que começavam no
início de novembro. Mas, com os resorts de esqui de todo o mundo enfrentando os
impactos das mudanças climáticas e o menor volume de
neve,
muitas montanhas, agora, abrem mais tarde e fecham mais cedo a cada ano que
passa.
A Agência de
Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) afirma que a
temporada de neve (o número de dias com neve no solo) foi reduzida em mais de
15 dias desde 1955. E um estudo recente prevê que, em
2050, a redução da duração média das temporadas de esqui fará a demanda pela
produção de neve artificial aumentar em 55% a 97%.
Depois de observar
os esquiadores e snowboarders descendo por Copenhill, soube que o resort de
esqui Tremblant – perto de casa, na província canadense de Quebec – investiu
recentemente US$ 1,4 milhão (cerca de R$ 8,5 milhões) em uma pista de esqui
seca, como alternativa ao clima mais quente.
Por isso, fiquei
imaginando: será que as superfícies artificiais ajudam a preservar ou ampliar a
temporada de esqui?
Talvez, sim,
segundo o escritor especializado em esqui Patrick Thorne. Ele publica uma
newsletter mensal chamada DrySlopeNews.com. Thorne mora em Inverness, na
Escócia, e já esquiou em cerca de 50 pistas secas.
Ele conta que as
primeiras pistas de esqui artificiais datam dos anos 1950, quando Jacques
Brunel – esquiador e instrutor canadense, morador de Beacon, em Nova York
(Estados Unidos) – sonhou em fazer neve no verão.
Brunel picou
pedaços de plástico e colocou sobre uma esteira feita de paraquedas de nylon, o
que permitiu que esquiadores descessem pela pista no tempo mais quente,
vestindo bermudas e trajes de banho.
A invenção de
Brunel chamou a atenção do país em 1956, o que o levou a patentear sua
"esteira de esqui artificial".
As pistas secas
ficaram imensamente populares nos anos 1970, especialmente no Reino Unido.
Muitas delas fecharam nos anos 1990 e início dos anos 2000. Elas caíram em
desuso ou faliram por má administração.
Mas Thorne observa
um recente ressurgimento, talvez causado pelas mudanças climáticas. Hoje,
existem mais de 1 mil pistas secas, em 50 países.
"Na China,
centenas delas foram construídas em meio às cidades e estão realmente
promovendo esta atividade para todos", afirma Thorne. Ele observa que muitos
resorts em regiões com pouca ou nenhuma neve oferecem pistas de esqui secas o
ano inteiro.
Outros resorts usam
pistas secas quando a cobertura de neve não é confiável. Os fabricantes dos
materiais vêm incentivando os resorts a adotar as pistas secas em áreas de
esqui de baixa altitude.
"Recebi um
e-mail do administrador de um resort de esqui na República Checa, pedindo o
contato dos fabricantes", conta Thorne. "Ele disse que não consegue
mais ter certeza de que haverá neve e, por isso, quer instalar uma pista
seca."
O escritor
especializado em esqui Rob Stewart defende que as pistas secas poderão ser a
solução para manter os resorts de esqui funcionando no futuro, especialmente
aqueles em altitudes mais baixas.
"As pistas de
esqui artificiais fazem muito sentido", explica ele. "Se a pista seca
estiver ali e nevar no topo, você nunca irá saber que existe [a superfície
sintética]. Mas, se a neve não vier, você tem uma superfície onde ainda é
possível esquiar."
"A produção de
neve artificial, agora, está presente na maior parte dos resorts de esqui da
Europa e da América Norte. É claro que ela faz muita diferença, mas a questão é
qual será o nível de incerteza da presença de neve nos próximos anos."
"As pistas em
altitude mais baixa começarão a ter cada vez mais dificuldades?",
questiona Stewart. "A maioria das pessoas, provavelmente, responderia que
sim."
No momento, alguns
resorts querem primeiro fazer testes.
Tremblant é um
resort que fica aberto o ano inteiro. Seu diretor de marketing, Jean-François
Gour, indica que o plano era lançar a pista seca como atividade de verão e
observar o interesse das pessoas, antes de instalar pistas mais íngremes.
As pistas secas já
estabelecidas costumam ter forte apoio da comunidade local.
Em outubro, por
exemplo, moradores de Polmont, no centro da Escócia, resgataram sua pista de 50
anos, a Polmonthill Ski Slope. Eles assumiram sua propriedade para impedir que
ela fosse fechada.
O competidor e
instrutor de esqui Bailey Ross aprendeu a esquiar ali. Ele passa quatro dias
por semana nas pistas e está entusiasmado com a retomada do local.
"Ela significa
muito para mim e para comunidade. É uma imensa parte das suas vidas e um ótimo
local para as pessoas tentarem esquiar", conta Ross. Ele destaca que
aprender a esquiar na pista seca pode fazer de você um esquiador melhor na
neve.
"Esquiar na
pista seca é mais difícil porque, quando você faz movimentos na neve, ela pode
se mover abaixo de você", explica ele.
"As pistas
secas ou são duras, ou se parecem com grama. Por isso, cada movimento abaixo
dos seus pés é totalmente diferente. Mas, depois que você fica confortável com
seus esquis, é espetacular."
"E, a cada vez
que você pula na pista, é uma nova sensação", prossegue ele. "Nos
dias quentes, a pista é um pouco mais lenta e aderente. Quando está frio e
seco, a esteira parece mais firme sob seus pés e a movimentação é mais
rápida."
Catherine
Beresford, de Manchester, na Inglaterra, esquia no Centro de Esqui Runcorn em
Cheshire, também na Inglaterra, há 38 anos. Ela também pratica o esqui na neve
em toda a Europa.
Beresford conta
que, como a aderência das pistas secas não é tão boa quanto a da neve, você não
consegue desafiar seus limites da mesma forma. Os movimentos são mais sutis.
"A pista seca
é menos tolerante, mas isso é um ponto positivo, na minha experiência",
explica ela.
"Se você
aprender a esquiar na neve, poderá cometer erros com muita facilidade. Mas,
quando aprende na pista seca, você tecnicamente se torna um esquiador muito
melhor. E, quando você leva essas técnicas para a montanha, seu conhecimento é
muito mais amplo."
A única pista de
esqui seco dos Estados Unidos é o Centro Snowflex Liberty Mountain, em
Lynchburg, no Estado da Virgínia.
Este ano, o centro
comemora seu 15º aniversário. Antes idealizado principalmente para que atletas
de alto nível pudessem treinar fora da temporada de esqui, hoje ele fica aberto
para o público em geral.
"Observamos
agora mais famílias e pessoas que esquiam e praticam snowboard pela primeira
vez", conta o diretor do centro, Derek Woods.
"Na Virgínia,
não temos as melhores condições, nem a temporada de esqui mais longa. E, nos
últimos dois anos, o resort de esqui local Wintergreen teve dificuldades para
conseguir neve. Mas nós ficamos abertos o ano todo."
Idalette de Bruin e
seu parceiro Richard Sinclair dirigem a agência de viagens para esquiar SNO,
com sede em Londres. Eles contam que observaram mudanças na forma em que seus
clientes contratam férias para esquiar.
Os clientes
regulares programam apenas um período de esqui por inverno e preenchem as
lacunas com mais dias de esqui em pista seca no seu retorno. Muitos deles
mencionam as dificuldades com o custo de vida.
Seus clientes
relataram um aumento de 150% no número de visitas a pistas secas –
principalmente para praticar antes de uma temporada de esqui, levar as crianças
para se divertirem nas férias escolares e para se socializarem com outros
esquiadores.
De Bruin leva seus
filhos adolescentes para esquiar em pistas secas com frequência. Ela também
destaca que esta opção exige menos planejamento e menos roupas especiais.
"Como você não
fica exposto à montanha, pode usar roupas normais, casaco e luvas", ela
conta. "Adoro o fato de que você pode sair por apenas uma ou duas horas, o
que for mais adequado para você."
"Se você
quiser praticar esqui antes de sair para um grande período de férias, duas
horas por fim de semana no mês anterior à viagem farão você enfrentar a
montanha com mais confiança."
Depois de ver os
esquiadores se divertirem em CopenHill, fiquei ansiosa para experimentar as
encostas secas de Tremblant quando elas abrirem na primavera – ou seja lá
quando a neve derreter este ano.
Fonte: BBC Travel
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