Marcelo Zero: Trump? Paz? Duvido
Como na pandemia do
Covid-19, ninguém conseguiu prever o que aconteceu. Mas o desastre veio.
Nem mesmo o mais entusiasmado
entre os cavernícolas previu vitória tão acachapante de Trump.
Trump, nessa nova
eleição, não ganhou apenas no arcaico colégio eleitoral, como da primeira vez,
quando perdeu no pleito popular por quase 3 milhões de votos para Hillary
Clinton. Ganhou bem no voto popular (por volta de 5 milhões votos, até agora).
Ademais, os republicanos fizeram maioria em ambas as casas do Congresso. Trump,
com grande capital político, vai controlar tudo: Executivo, Legislativo e a
Suprema Corte.
O público
estadunidense preferiu eleger o primeiro presidente condenado criminalmente a
eleger a primeira presidenta. E, antes que os beócios de sempre façam a
comparação cretina, lembro que Lula se elegeu inocentado de todas as acusações
lavajatistas. Trump permanece condenado por júri popular.
Jair “I love you
Trump” Bolsonaro não pode, entretanto, ficar muito entusiasmado. Sua inocência,
ante a justiça brasileira, seria uma joia raríssima.
Nem o voto feminino
adiantou para Kamala. Biden ganhou no voto feminino por 15 pontos percentuais.
Kamala ganhou por apenas 10 pontos. Entre as mulheres brancas ,Kamala perdeu
por 5 pontos percentuais. Kamala perdeu vantagem entre mulheres latinas. Hillary
ganhou nesse segmento por 44 pontos percentuais. Kamala ganhou por somente 24.
Entre homens latinos,
houve muita perda. Biden ganhou nesse grupo por 23 pontos percentuais. Kamala
perdeu por 10 pontos. Entre os homens jovens (18 a 29 anos) Trump ganhou de 56%
a 42%. O único grupo demográfico que manteve uma diferença substancial a favor
dos democratas foi o das mulheres negras (85%), mas não em um grau superior ao
de Biden. Em perspectiva, a troca de Biden por Kamala não adiantou muita coisa.
Se alguma.
E o que esperar desse
Trump, no plano externo, mais poderoso e experiente?
Evidentemente, entre a
campanha eleitoral e o exercício efetivo do poder há mais coisas e obstáculos
do que supõe nossa vã filosofia política.
Mas, em geral, boa
coisa não será.
Deve ser mais do mesmo
piorado. Bem piorado.
Trump deixou claro que
investirá em isolacionismo diplomático e protecionismo econômico. “América
First and World Last”. Essa será a grande diretriz.
Trump promete, logo de
cara, aumentar as tarifas médias de importação em 10%, para todos os países, e
em 60%, para produtos da China. No caso do México, seu vizinho, promete
aumentos tarifários de até 100%, caso esse país não controle o fluxo de
imigrantes.
Ora, as tarifas de
importação médias dos EUA estão em torno de 3,4%. Aumentá-las linearmente para
10%, para todos os produtos vindos do mundo, e em até 60% especificamente para
os produtos chineses, como promete Trump, teria um impacto muito grande no comércio
mundial, uma vez que ocorreriam as correspondentes retaliações.
Os fluxos comerciais
mundiais poderiam se reduzir e se distorcer, causando inflação, carestia e
desorganização produtiva, algo semelhante ao que aconteceu na pandemia.
Obviamente, o alvo
principal dessa ira protecionista é a China.
No artigo intitulado
The Return of Peace Through Strength-Making the Case for Trump’s Foreign Policy
(O Retorno da Paz Através da Força-Defendendo a Política Externa de Trump),
publicado na Foreign Affairs e assinado por Robert C. O'Brien, que foi Conselheiro
de Segurança Nacional de Trump entre 2019 e 2021, afirma-se que:
“Beijing é
agora o principal inimigo de Washington no ciberespaço, atacando regularmente
redes empresariais e governamentais dos EUA. As práticas comerciais injustas da
China prejudicaram a economia americana e tornaram os Estados Unidos
dependentes da China para produtos manufaturados e até mesmo alguns produtos
farmacêuticos essenciais. E embora o modelo da China não tenha nada parecido
com o apelo ideológico aos revolucionários do Terceiro Mundo e aos radicais
ocidentais que o comunismo soviético manteve em meados do século XX, a
liderança política da China, sob Xi Jinping, no entanto, teve a audácia
suficiente para reverter as reformas econômicas, esmagar a liberdade em Hong
Kong, e comprar brigas com Washington e muitos dos seus parceiros. Xi é o líder
mais perigoso da China desde o assassino Mao Zedong. E a China ainda não foi
responsabilizada pela pandemia da COVID-19, que teve origem em Wuhan”.
“O Partido
Comunista Chinês procura expandir o seu poder e segurança, suplantando os
Estados Unidos como líder global em desenvolvimento tecnológico e inovação em
áreas críticas como veículos eléctricos, energia solar, inteligência artificial
e computação quântica. Para fazê-lo, Beijing se utiliza de enormes subsídios,
roubo de propriedade intelectual e práticas comerciais desleais.”
Para conter a China, o
autor afirma que Trump, em seu novo mandato, deverá procurar dissociar
(decoupling) inteiramente a economia dos EUA da economia chinesa. Além das
tarifas de importação de 60% sobre produtos chineses, haverá controles de
exportação rigorosos sobre qualquer tecnologia que possa ser útil para a China.
Enfim, uma guerra comercial. Só falta avisar a Apple e a Tesla, entre outras.
Alguns acham que,
nesses movimentos disruptivos, poderá sobrar algum espaço para que o Brasil
explore lacunas que surgiriam no mercado norte-americano. Porém, isso não é
muito provável.
Trump despreza o
Brasil e a América Latina.
Trump vê nossa região
como uma fonte de grandes problemas (imigração, criminalidade, contrabando,
tráfico de drogas, regimes “rebeldes” etc.), e não como um espaço para
cooperação. Para ele, e parafraseando Hitler, os imigrantes latinos “envenenam”
o sangue dos EUA. Para os trumpistas, os migrantes latinos, inclusive os
brasileiros, são os principais responsáveis pelas supostas questões de
insegurança dos EUA. São também responsáveis pelos misteriosos desaparecimentos
dos pets americanos, um desafio para o FBI.
Não creio que haverá
condições para o desenvolvimento de projetos bilaterais significativos e
mutuamente benéficos.
Meio Ambiente e
transição energética? Esquece. A ordem é perfurar e perfurar, buscando mais
fontes de combustíveis fósseis. Se bobear, Trump vai invadir e explorar a
Margem Equatorial.
Paz? Duvido.
Trump se vende como
um peacemaker, que vai negociar o fim das guerras atuais em pouco
tempo, com alguns telefonemas e poucas mensagens no X.
Na realidade, sua
única preocupação é não gastar muito com guerras e jogar o ônus econômico do
esforço bélico sobre os aliados, principalmente europeus. Os custos das guerras
serão compartilhados. Só isso.
Em relação à Ucrânia,
o autor assevera que a administração Biden forneceu ajuda militar significativa
a esse país, “mas muitas vezes demorou a enviar a Kiev os tipos de
armas de que necessita para ter sucesso”. Os 61 bilhões de dólares que o
Congresso destinou recentemente para a Ucrânia – além dos 113 bilhões de
dólares já aprovados – ‘são provavelmente suficientes para evitar que a
Ucrânia perca, mas não o suficiente para lhe permitir vencer.”
O autor sugere, por
conseguinte, que Trump poderá enviar armas mais destrutivas e modernas para
Kiev. O'Brien e Trump, assim como Biden, parecem apostar, desse modo, numa
muito improvável vitória militar da Ucrânia.
O autor prevê que a
abordagem de Trump será a de continuar a fornecer ajuda letal à Ucrânia,
mas financiada por países europeus, mantendo, ao mesmo tempo, a porta
aberta à diplomacia com a Rússia. Trump também pressionaria a Otan a enviar
forças militares para a Polônia, a fim de aumentar as suas capacidades
mais perto da fronteira da Rússia e para deixar inequivocamente claro que a
aliança defenderá todo o seu território da agressão estrangeira.
Trata-se, assim, de um
discurso ambíguo, que fala em possíveis negociações, mas que redobra a aposta
na guerra.
No que tange ao
Oriente Médio, o autor do citado artigo prevê “o retorno da pressão máxima”.
Tal pressão será exercida essencialmente sobre o Irã, que, de acordo com
O'Brien, “é a fonte de toda a instabilidade na região”, inclusive do conflito
israelo--palestino. Nenhuma palavra sobre Netanyahu e sua política desastrosa.
Claro: Netanyahu e Trump são grandes aliados políticos.
Esse regresso à
política de “pressão máxima” de Trump incluiria a aplicação total das sanções
dos EUA ao sector energético do Irã, aplicando-as não só a esse país, mas
também aos governos e organizações que compram petróleo e gás iranianos.
Gaza e Líbano
continuarão a serem bombardeados impiedosamente. Mais: os esforços serão
redobrados.
No campo interno, a
guerra maior será contra os cerca de 13 milhões de imigrantes, os quais serão
prontamente deportados. Saliente-se que muitos países da América Central e do
Caribe vivem do dinheiro que os imigrantes mandam para seus familiares. Pouco importa:
para Trump são criminosos e sujeitos que escaparam de manicômios.
Acho que Trump nunca
entrou em um hospício. Não sairia de lá.
A questão democrática
é, contudo, a mais grave. A eleição de Trump representa um retrocesso
gigantesco para o Brasil e todos os países da região e do mundo que têm
governos mais progressistas.
Trump promoveu o 6 de
janeiro, nos EUA, e, caso tivesse sido reeleito, ele teria apoiado o 8 de
janeiro, no Brasil.
Trump representa um
perigo para todas as democracias do mundo. Para a democracia brasileira, um
grande perigo.
Com Trump, obcecado,
de forma macartista, pelo “inimigo interno”, como os Pelosi, por exemplo, a
democracia estadunidense vai começar a morrer. Donald, com seu amigo Musk, dará
continuidade ao 6 de janeiro. Um assalto contínuo e de aparência legal as instituições.
Por sorte, toda
pandemia, biológica ou política, passa, e a ciência acaba desenvolvendo
vacinas.
Bernie Sanders já
começou a desenvolver uma: reaproximar o partido democrata à classe
trabalhadora.
Uma vacina universal.
¨ Lula terá de evitar sanções de Trump sem brigar com China e Rússia.
Por Alex Solnik
Ninguém precisa ser
“Mãe Dinah” para constatar que a Argentina de Milei será a principal aliada dos
Estados Unidos de Trump na América Latina.
Não por ambos serem de
“extrema direita”, mas por serem radicalmente capitalistas. Tirar a
Argentina do buraco será necessário para Trump provar que o capitalismo é a
solução e não o problema.
Pelo motivo inverso, a
principal inimiga será a Venezuela, que se define “rumo ao socialismo”. O
socialismo é o inimigo do capitalismo e vice-versa. Trump vai trabalhar para
mostrar que o socialismo é o problema, não a solução.
Diminuir a influência
russa sobre as reservas de petróleo da Venezuela, nas quais está de olho, é um
dos objetivos. Para “fazer a América grande de novo” ele precisa de petróleo
perto de casa, não no Oriente Médio. E é claro que não basta ele querer, vai
ter que combinar com os russos, que já detêm joint-ventures com a estatal do
petróleo venezuelano.
O Brasil, que está no
meio termo, mezzo capitalista, mezzo anticapitalista, vai ser afetado por um
lado e por outro.
Trump vai pedir ajuda
ao Brasil para isolar a Venezuela. Se Lula concordar, será visto como traidor
por seus aliados ideológicos dentro e fora do país, sobretudo pela Rússia; se
não concordar, Trump poderá retaliar o Brasil. E privilegiar a Argentina, cuja
posição anti-Maduro é inequívoca.
E é claro que para
fortalecer a economia argentina ele vai taxar mais as importações do Brasil,
cujos principais aliados, Rússia e China, são seus principais inimigos.
Já eram com Biden, mas
é óbvio que a mão de Trump será muito mais pesada.
Não estão fora do
radar sanções em razão do forte comércio do Brasil com a China.
O Brasil terá de fazer
das tripas coração para evitar as maldades de Trump, e ao mesmo tempo manter
boas relações com a China e com a Rússia.
Todas as “Mães Dinah”
sabem que a reeleição de Lula depende, em boa parte, do desempenho da economia.
Tempos difíceis vêm
aí.
Fonte: Brasil 247
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