‘Vestíveis’ e IA entram no jogo do
monitoramento em tempo real de pacientes
O uso de dados na
gestão hospitalar já é uma realidade há tempos, mas os avanços tecnológicos têm
possibilitado um aprofundamento da coleta e das análises das informações. Na
área de assistência aos pacientes, como no caso de internações hospitalares, a expansão
da inteligência artificial e a utilização de dispositivos ‘vestíveis’ – os
wearables – estão abrindo um novo horizonte para o monitoramento em tempo real,
fator que pode fazer a diferença na jornada do cuidado ao antecipar a
necessidade de ações e a tomada de decisões.
A evolução é bem-vinda
e necessária. Segundo dados do último relatório de Segurança do Paciente
Global, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) este ano, apenas 30%
dos países das Américas possuem um sistema de alerta em tempo real para riscos iminentes
à segurança do paciente. Diversos outros levantamentos feitos na última década
já demonstraram os benefícios da adesão a sistemas que possibilitem o acesso a
informações imediatas, com o foco na redução de eventos adversos e na prevenção
de uma piora evitável.
Uma das pontes para
esse novo cenário foi a adesão ao prontuário eletrônico. Com o tempo, as
instituições começaram a enxergar que, mais do que visualizar apenas análises
retroativas, era possível dar passos para antecipar o futuro. É o que aconteceu
no Einstein, como lembra Claudia Laselva, diretora de Serviços Hospitalares e
de Práticas Assistenciais da instituição.
“A adesão ao
prontuário eletrônico foi o primeiro passo para termos Big Data na instituição,
o que possibilitou a realização de diversos estudos para melhorar a qualidade
da nossa assistência”, afirma ela, que também é enfermeira mestre em
nefrologia. “Logo percebemos que também era possível utilizar esses dados para
construir algoritmos e triggers [gatilhos] que nos permitissem fazer
intervenções de segurança em tempo real, prevenindo eventos adversos aos
pacientes, evitando atrasos na assistência e favorecendo a adesão aos
protocolos institucionais.”
Isso inspirou a
criação da Central de Monitoramento Assistencial (CMOA) do Einstein, ainda em
2018. O sistema de dados por trás do CMOA já utiliza inteligência artificial há
alguns anos e tem avançado ainda mais conforme a evolução natural da tecnologia
e da experiência de uso. “Vários estudos afirmam que, se uma instituição de
saúde for capaz de usar dados e fazer intervenções em tempo real, a chance de
prevenir um evento adverso ao paciente é de até 8 a 10 vezes maior do que ao
trabalhar apenas com auditorias posteriores de prontuário ou notificação de
eventos”, diz Laselva.
• Expansão do monitoramento em tempo real
O centro conta com
operadores 24 horas por dia, responsáveis pelo monitoramento dos pacientes e é
atualizado a cada cinco segundos. Os dados são originados não apenas dos
prontuários eletrônicos, como também dos monitores multiparamétricos e imagens
das câmeras instaladas em alguns ambientes mais críticos na instituição, como
unidades de geriatria, leitos de terapia intensiva adulta e pediátrica, além
das salas de cirurgia – uma adição realizada mais recentemente.
Hoje, são mais de 100
gatilhos – avisos que alertam a CMOA de que é necessário comunicar algo à
equipe de assistência. No centro cirúrgico, que recebeu a central em 2019, a
diretora afirma que nenhum evento adverso catastrófico relacionado à anestesia
foi registrado desde então, e a instituição reduziu em 30% as demais
intercorrências graves.
“No centro cirúrgico,
a central atua notificando potenciais atrasos ou falhas, bem como favorecendo a
adesão aos protocolos de segurança e qualidade”, destaca Laselva. “Por exemplo,
temos um protocolo de prevenção de infecção de sítio cirúrgico para controle da
glicemia dos pacientes. Não pode haver nem hipoglicemia, nem hiperglicemia,
porque isso traz maior risco de infecção. Então, a CMOA controla se há
alterações e notifica a equipe local para que faça as correções, se e quando
necessário.”
A próxima fronteira
envolve agregar os dispositivos ‘vestíveis’ de forma mais intensa como
assistentes no monitoramento. “A partir do momento que conseguirmos monitorar
esse paciente de uma maneira mais simples, monitorá-lo em ambientes não
críticos e em casa, isso vai adicionar uma outra camada de inteligência à
CMOA”, diz Laselva.
Publicações como
Forbes, The Economist e The Medical Futurist já alçaram os ‘vestíveis’ ao
status de tecnologias que têm transformado a maneira como o cuidado acontece
dentro e fora das instituições de saúde, mas ainda há um caminho para avançar
nessa direção. Embora já existam soluções, hoje ainda não existem aparelhos
dessa natureza registrados e validados pela Anvisa no Brasil.
• Algoritmos e suporte clínico virtual na
oncologia
A abordagem também
deve dar novos passos na oncologia. A área foi escolhida para um projeto piloto
que visa uma atuação clínica mais expandida do sistema de monitoramento.
Segundo Laselva, a seleção se deu pelo fato de o paciente oncológico ser mais
vulnerável à piora da condição clínica. “O paciente oncológico requer uma maior
vigilância e uma resposta rápida para garantir que a deterioração de sua saúde
seja identificada e tratada.”
Diferente do padrão da
CMOA, em que a equipe de monitoramento apenas comunica os profissionais de
saúde na linha de frente sobre a necessidade de intervir, o novo modelo de
abordagem conta com a participação direta de uma equipe de suporte clínico
virtual e com a criação de um plano de resgate.
“Suponhamos que seja
identificada uma queda de pressão arterial. Essa equipe de suporte clínico
virtual começa a monitorar esse paciente e aciona, em concordância com a equipe
local, o nosso time de resposta rápida. Antes, a equipe local acionava o time de
resposta rápida, porém, muitas vezes, tardiamente. Ao usar algoritmos de
detecção, conseguimos antecipar e essa intervenção é feita mais rapidamente”,
explica Laselva.
Essa agilidade na
resposta, segundo ela, influencia na continuidade do cuidado do paciente. Ao
invés de ter que transferi-lo para uma unidade de terapia intensiva, onde um
paciente oncológico acaba sendo mais exposto a infecções, por exemplo, é
possível mantê-lo na unidade oncológica com o devido monitoramento e
intervenções de resgate.
A diretora aponta que
esse tipo de ação tem um impacto positivo em frentes que vão além da segurança.
“Há um impacto na satisfação do paciente, na humanização do cuidado, no tempo
de internação, na redução de complicações, e consequentemente, de custo também.”
A experiência tem sido tão positiva que há planos de expandir a estratégia para
áreas como cardiologia e pneumologia.
• Passos para o monitoramento
A utilização de dados
para o monitoramento em tempo real demanda uma preparação estratégica da
instituição. Além da implantação do prontuário eletrônico, Laselva afirma que é
preciso garantir a qualidade dos dados e o engajamento dos profissionais. “Precisamos
reforçar para o profissional de saúde a importância de preencher os dados em
prontuário de maneira acurada e completa, para que estes possam traduzir a
condição real do paciente”, detalha.
Na visão dela, a
integração entre as equipes de assistência e tecnologia também é fundamental
para o sucesso do projeto. E ainda há a necessidade de personalização para cada
organização. “Essa construção precisa ser muito direcionada para o perfil de
pacientes de cada instituição. É preciso conhecer o perfil dos pacientes”,
finaliza Laselva.
Fonte: Futuro da Saúde
Nenhum comentário:
Postar um comentário