sábado, 9 de novembro de 2024

‘Vestíveis’ e IA entram no jogo do monitoramento em tempo real de pacientes

O uso de dados na gestão hospitalar já é uma realidade há tempos, mas os avanços tecnológicos têm possibilitado um aprofundamento da coleta e das análises das informações. Na área de assistência aos pacientes, como no caso de internações hospitalares, a expansão da inteligência artificial e a utilização de dispositivos ‘vestíveis’ – os wearables – estão abrindo um novo horizonte para o monitoramento em tempo real, fator que pode fazer a diferença na jornada do cuidado ao antecipar a necessidade de ações e a tomada de decisões.

A evolução é bem-vinda e necessária. Segundo dados do último relatório de Segurança do Paciente Global, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) este ano, apenas 30% dos países das Américas possuem um sistema de alerta em tempo real para riscos iminentes à segurança do paciente. Diversos outros levantamentos feitos na última década já demonstraram os benefícios da adesão a sistemas que possibilitem o acesso a informações imediatas, com o foco na redução de eventos adversos e na prevenção de uma piora evitável.

Uma das pontes para esse novo cenário foi a adesão ao prontuário eletrônico. Com o tempo, as instituições começaram a enxergar que, mais do que visualizar apenas análises retroativas, era possível dar passos para antecipar o futuro. É o que aconteceu no Einstein, como lembra Claudia Laselva, diretora de Serviços Hospitalares e de Práticas Assistenciais da instituição.

“A adesão ao prontuário eletrônico foi o primeiro passo para termos Big Data na instituição, o que possibilitou a realização de diversos estudos para melhorar a qualidade da nossa assistência”, afirma ela, que também é enfermeira mestre em nefrologia. “Logo percebemos que também era possível utilizar esses dados para construir algoritmos e triggers [gatilhos] que nos permitissem fazer intervenções de segurança em tempo real, prevenindo eventos adversos aos pacientes, evitando atrasos na assistência e favorecendo a adesão aos protocolos institucionais.”

Isso inspirou a criação da Central de Monitoramento Assistencial (CMOA) do Einstein, ainda em 2018. O sistema de dados por trás do CMOA já utiliza inteligência artificial há alguns anos e tem avançado ainda mais conforme a evolução natural da tecnologia e da experiência de uso. “Vários estudos afirmam que, se uma instituição de saúde for capaz de usar dados e fazer intervenções em tempo real, a chance de prevenir um evento adverso ao paciente é de até 8 a 10 vezes maior do que ao trabalhar apenas com auditorias posteriores de prontuário ou notificação de eventos”, diz Laselva.

•        Expansão do monitoramento em tempo real

O centro conta com operadores 24 horas por dia, responsáveis pelo monitoramento dos pacientes e é atualizado a cada cinco segundos. Os dados são originados não apenas dos prontuários eletrônicos, como também dos monitores multiparamétricos e imagens das câmeras instaladas em alguns ambientes mais críticos na instituição, como unidades de geriatria, leitos de terapia intensiva adulta e pediátrica, além das salas de cirurgia – uma adição realizada mais recentemente.

Hoje, são mais de 100 gatilhos – avisos que alertam a CMOA de que é necessário comunicar algo à equipe de assistência. No centro cirúrgico, que recebeu a central em 2019, a diretora afirma que nenhum evento adverso catastrófico relacionado à anestesia foi registrado desde então, e a instituição reduziu em 30% as demais intercorrências graves.

“No centro cirúrgico, a central atua notificando potenciais atrasos ou falhas, bem como favorecendo a adesão aos protocolos de segurança e qualidade”, destaca Laselva. “Por exemplo, temos um protocolo de prevenção de infecção de sítio cirúrgico para controle da glicemia dos pacientes. Não pode haver nem hipoglicemia, nem hiperglicemia, porque isso traz maior risco de infecção. Então, a CMOA controla se há alterações e notifica a equipe local para que faça as correções, se e quando necessário.”

A próxima fronteira envolve agregar os dispositivos ‘vestíveis’ de forma mais intensa como assistentes no monitoramento. “A partir do momento que conseguirmos monitorar esse paciente de uma maneira mais simples, monitorá-lo em ambientes não críticos e em casa, isso vai adicionar uma outra camada de inteligência à CMOA”, diz Laselva.

Publicações como Forbes, The Economist e The Medical Futurist já alçaram os ‘vestíveis’ ao status de tecnologias que têm transformado a maneira como o cuidado acontece dentro e fora das instituições de saúde, mas ainda há um caminho para avançar nessa direção. Embora já existam soluções, hoje ainda não existem aparelhos dessa natureza registrados e validados pela Anvisa no Brasil.

•        Algoritmos e suporte clínico virtual na oncologia

A abordagem também deve dar novos passos na oncologia. A área foi escolhida para um projeto piloto que visa uma atuação clínica mais expandida do sistema de monitoramento. Segundo Laselva, a seleção se deu pelo fato de o paciente oncológico ser mais vulnerável à piora da condição clínica. “O paciente oncológico requer uma maior vigilância e uma resposta rápida para garantir que a deterioração de sua saúde seja identificada e tratada.”

Diferente do padrão da CMOA, em que a equipe de monitoramento apenas comunica os profissionais de saúde na linha de frente sobre a necessidade de intervir, o novo modelo de abordagem conta com a participação direta de uma equipe de suporte clínico virtual e com a criação de um plano de resgate.

“Suponhamos que seja identificada uma queda de pressão arterial. Essa equipe de suporte clínico virtual começa a monitorar esse paciente e aciona, em concordância com a equipe local, o nosso time de resposta rápida. Antes, a equipe local acionava o time de resposta rápida, porém, muitas vezes, tardiamente. Ao usar algoritmos de detecção, conseguimos antecipar e essa intervenção é feita mais rapidamente”, explica Laselva.

Essa agilidade na resposta, segundo ela, influencia na continuidade do cuidado do paciente. Ao invés de ter que transferi-lo para uma unidade de terapia intensiva, onde um paciente oncológico acaba sendo mais exposto a infecções, por exemplo, é possível mantê-lo na unidade oncológica com o devido monitoramento e intervenções de resgate.

A diretora aponta que esse tipo de ação tem um impacto positivo em frentes que vão além da segurança. “Há um impacto na satisfação do paciente, na humanização do cuidado, no tempo de internação, na redução de complicações, e consequentemente, de custo também.” A experiência tem sido tão positiva que há planos de expandir a estratégia para áreas como cardiologia e pneumologia.

•        Passos para o monitoramento

A utilização de dados para o monitoramento em tempo real demanda uma preparação estratégica da instituição. Além da implantação do prontuário eletrônico, Laselva afirma que é preciso garantir a qualidade dos dados e o engajamento dos profissionais. “Precisamos reforçar para o profissional de saúde a importância de preencher os dados em prontuário de maneira acurada e completa, para que estes possam traduzir a condição real do paciente”, detalha.

Na visão dela, a integração entre as equipes de assistência e tecnologia também é fundamental para o sucesso do projeto. E ainda há a necessidade de personalização para cada organização. “Essa construção precisa ser muito direcionada para o perfil de pacientes de cada instituição. É preciso conhecer o perfil dos pacientes”, finaliza Laselva.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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