Como a América Latina encara o desafio da
IA
A corrida do ouro
sobre a liderança em tecnologias de IA tem sido intensa entre as big techs. Ao
mesmo tempo, os países tentam se acomodar, ora na plateia, ora tentando
estabelecer as linhas do campo, apresentando alguma proposta de regulação ou de
estímulo para o setor. No caso da América Latina, ainda carente de
infraestruturas mínimas, o desafio é não ser recolonizada pelo Norte por meio
de ondas “modernizantes” – que seriam, supostamente, inevitáveis.
A difícil tarefa de
desenhar a governança das IAs tem gerado algumas iniciativas. A União Europeia
aprovou recentemente um ambicioso regulamento. O Brasil apresentou um plano
governamental para os próximos quatro anos, prevendo investir cerca de R$ 23 bilhões,
almejando se tornar referência mundial em inovação e eficiência no setor.
Enquanto isso, o projeto de lei que regulamenta a matéria ainda patina no
Senado Federal.
Tentando lançar um
olhar mais amplo sobre o do continente latino-americano, o cientista político
Fernando Filgueiras publicou um artigo intitulado “Desafíos de gobernanza de
inteligencia artificial en América Latina. Infraestructura, descolonización y nueva
dependencia” na Revista del CLAD Reforma y Democracia.
Neste trabalho, ele
estabelece um comparativo entre oito países da região, destacando,
principalmente, as prioridades políticas e o desenvolvimento nos níveis
técnico, ético e regulatório. Por fim, também se dedica a comparar se há algum
instrumento de cooperação regional. Este último, infelizmente, está presente
somente em dois países, na República Dominicana e na Colômbia, demonstrando que
há uma dificuldade em realizar trocas e aprendizados entre os vizinhos.
“Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia, México, Peru, República Dominicana e Uruguai divulgaram
estratégias nacionais de IA que apontam para desafios comuns em relação ao
desenvolvimento do nível técnico, com o fornecimento de infraestruturas
digitais públicas que promovam e apoiem o desenvolvimento do IA. Exceto o
Brasil, os demais explicam o desenvolvimento de infraestrutura em parceria com
organizações privadas. No que diz respeito ao nível ético, o ponto comum em
todas as estratégias é a definição de princípios, geralmente associados à
divulgação de valores éticos pela OCDE e pela UNESCO. Finalmente, no que diz
respeito ao nível regulatório, as estratégias nacionais na América Latina
tendem a permanecer silenciosas ou a reproduzir temas comuns nas práticas de
governança divulgadas por agências internacionais. A exceção é o Chile, que
afirma claramente que a criação de sistemas para proteger o consumo, a
privacidade e os dados dos cidadãos está mais claramente relacionada com o
avanço da IA.”
O caso mais
preocupante é o da Argentina, que estabeleceu um desenho da estratégia nacional
de IA se parecendo uma “bricolagem”. Foram diversas revisões até se chegar em
um consenso. Ao mesmo tempo, o governo criou uma parceria com a Meta para
ofertar uma IA através do Facebook Messenger para políticas de saúde e proteção
para mulheres grávidas. Não há qualquer estudo de impacto da implementação
dessa parceria, tampouco os resultados mais qualificados sobre o uso das
ferramentas pelas mulheres.
“A bricolagem que
sustenta a política argentina de IA não dispõe de meios para criar ou controlar
infraestruturas digitais, reproduzindo uma perspectiva colonial das
matérias-primas (dados), sem qualquer possibilidade de controlar os riscos”.
A pesquisa aponta que,
por enquanto, “todos os países estudados tendem a reforçar uma política de
autorregulação por parte das empresas, enquanto defendem o desenvolvimento
técnico e ético”. Ou seja, o cenário parece ambíguo e as iniciativas não estão
exatamente alinhadas, o que, por fim, pode reforçar os mecanismos de
dependência e de colonialismo de dados.
O desafio para a
América Latina é não reproduzir novas formas de colonialismo que acabam
tornando as pessoas vulneráveis à modulação das big techs. Na prateleira de
IAs, não faltam opções do Norte para ofertar um espelho em uma mão e um chicote
em outra. Ao mesmo tempo, criar uma solução genuína em meio às dificuldades e
contingências históricas criadas no continente parece um horizonte quase
impossível. Porém, iniciativas como a brasileira parecem ser um oásis no
deserto de ideias. No entanto, a capacidade real de entregar algo diferente
dependerá do esforço e da perseverança no desenvolvimento de tal plano, que não
depende apenas de intenções de investimento. Será preciso acertar na política,
que é um dos tópicos apontados pelo autor como significativo, mas com menos
atenção pelos países estudados.
Fonte: Por Fabricio
Solagna, no O Plano B, projeto parceiro de Outras Palavras
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