sábado, 9 de novembro de 2024



 

Como a América Latina encara o desafio da IA

A corrida do ouro sobre a liderança em tecnologias de IA tem sido intensa entre as big techs. Ao mesmo tempo, os países tentam se acomodar, ora na plateia, ora tentando estabelecer as linhas do campo, apresentando alguma proposta de regulação ou de estímulo para o setor. No caso da América Latina, ainda carente de infraestruturas mínimas, o desafio é não ser recolonizada pelo Norte por meio de ondas “modernizantes” – que seriam, supostamente, inevitáveis.

A difícil tarefa de desenhar a governança das IAs tem gerado algumas iniciativas. A União Europeia aprovou recentemente um ambicioso regulamento. O Brasil apresentou um plano governamental para os próximos quatro anos, prevendo investir cerca de R$ 23 bilhões, almejando se tornar referência mundial em inovação e eficiência no setor. Enquanto isso, o projeto de lei que regulamenta a matéria ainda patina no Senado Federal.

Tentando lançar um olhar mais amplo sobre o do continente latino-americano, o cientista político Fernando Filgueiras publicou um artigo intitulado “Desafíos de gobernanza de inteligencia artificial en América Latina. Infraestructura, descolonización y nueva dependencia” na Revista del CLAD Reforma y Democracia.

Neste trabalho, ele estabelece um comparativo entre oito países da região, destacando, principalmente, as prioridades políticas e o desenvolvimento nos níveis técnico, ético e regulatório. Por fim, também se dedica a comparar se há algum instrumento de cooperação regional. Este último, infelizmente, está presente somente em dois países, na República Dominicana e na Colômbia, demonstrando que há uma dificuldade em realizar trocas e aprendizados entre os vizinhos.

“Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, República Dominicana e Uruguai divulgaram estratégias nacionais de IA que apontam para desafios comuns em relação ao desenvolvimento do nível técnico, com o fornecimento de infraestruturas digitais públicas que promovam e apoiem o desenvolvimento do IA. Exceto o Brasil, os demais explicam o desenvolvimento de infraestrutura em parceria com organizações privadas. No que diz respeito ao nível ético, o ponto comum em todas as estratégias é a definição de princípios, geralmente associados à divulgação de valores éticos pela OCDE e pela UNESCO. Finalmente, no que diz respeito ao nível regulatório, as estratégias nacionais na América Latina tendem a permanecer silenciosas ou a reproduzir temas comuns nas práticas de governança divulgadas por agências internacionais. A exceção é o Chile, que afirma claramente que a criação de sistemas para proteger o consumo, a privacidade e os dados dos cidadãos está mais claramente relacionada com o avanço da IA.”

O caso mais preocupante é o da Argentina, que estabeleceu um desenho da estratégia nacional de IA se parecendo uma “bricolagem”. Foram diversas revisões até se chegar em um consenso. Ao mesmo tempo, o governo criou uma parceria com a Meta para ofertar uma IA através do Facebook Messenger para políticas de saúde e proteção para mulheres grávidas. Não há qualquer estudo de impacto da implementação dessa parceria, tampouco os resultados mais qualificados sobre o uso das ferramentas pelas mulheres.

“A bricolagem que sustenta a política argentina de IA não dispõe de meios para criar ou controlar infraestruturas digitais, reproduzindo uma perspectiva colonial das matérias-primas (dados), sem qualquer possibilidade de controlar os riscos”.

A pesquisa aponta que, por enquanto, “todos os países estudados tendem a reforçar uma política de autorregulação por parte das empresas, enquanto defendem o desenvolvimento técnico e ético”. Ou seja, o cenário parece ambíguo e as iniciativas não estão exatamente alinhadas, o que, por fim, pode reforçar os mecanismos de dependência e de colonialismo de dados.

O desafio para a América Latina é não reproduzir novas formas de colonialismo que acabam tornando as pessoas vulneráveis à modulação das big techs. Na prateleira de IAs, não faltam opções do Norte para ofertar um espelho em uma mão e um chicote em outra. Ao mesmo tempo, criar uma solução genuína em meio às dificuldades e contingências históricas criadas no continente parece um horizonte quase impossível. Porém, iniciativas como a brasileira parecem ser um oásis no deserto de ideias. No entanto, a capacidade real de entregar algo diferente dependerá do esforço e da perseverança no desenvolvimento de tal plano, que não depende apenas de intenções de investimento. Será preciso acertar na política, que é um dos tópicos apontados pelo autor como significativo, mas com menos atenção pelos países estudados.

 

Fonte: Por Fabricio Solagna, no O Plano B, projeto parceiro de Outras Palavras


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