A ultradireita na América Latina:
particularidades locais e conexões globais
Até há pouco tempo, o
tema da ultradireita era contemplado a partir da América Latina como um
fenômeno distante, como algo que acontecia na Europa e obedecia aos conflitos
políticos que lá ocorriam. De fato, a questão migratória é talvez uma das
razões centrais por trás do sucesso eleitoral da ultradireita na Europa, e como
grandes fluxos de migrantes não afetam de maneira pronunciada os países da
América Latina, poderia se pensar que aqui estaríamos a salvo da expansão
eleitoral de forças de ultradireita. No entanto, essa interpretação está errada
por pelo menos três razões. Em primeiro lugar, a bibliografia acadêmica
estabeleceu que não existe um vínculo direto entre a quantidade de imigrantes
que chegam a um país e o ascenso da ultradireita. Por exemplo, a maior parte
dos países da Europa Oriental não recebe um grande número de migrantes, mas sim
observaram um aumento notável no voto a favor de partidos de ultradireita. De
fato, estudos revelam que, mais do que o aumento real de imigrantes, é o medo
da chegada deles o que propicia o sucesso eleitoral de partidos políticos com
uma agenda contra a migração. Isso demonstra que uma das principais causas do
apoio à ultradireita são as percepções dos eleitores, muitas das quais tendem a
descansar em ameaças subjetivas antes do que objetivas.
Em segundo lugar,
embora seja verdade que o próprio da ultradireita europeia é defender posturas
xenófobas (sobretudo, contra a população muçulmana), é redutivo pensar que esse
seja seu traço definidor. Mais ainda, se alguém analisa as ideias desenvolvidas
pela ultradireita fora da Europa, é evidente que a xenofobia deixa de ser um
critério primordial e que, em vez disso, outras ideias ganham maior relevância.
Consequentemente, é preciso desenvolver um conceito de ultradireita
suficientemente amplo para agrupar diversos atores que compartilham uma
determinada idiossincrasia, mas que apresentam diferenças ideológicas em escala
regional e nacional.
Em terceiro lugar,
hoje não há dúvidas de que a ultradireita chegou às Américas. O primeiro caso
emblemático foi a irrupção de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e o
seguinte exemplo paradigmático foi o triunfo eleitoral de Jair Bolsonaro no
Brasil em 2018. Embora seja verdade que nenhum desses líderes conseguiu ser
reeleito, ambos obtiveram uma grande quantidade de votos apesar de terem feito
uma gestão ruim da pandemia de covid-19 e de terem terminado seus respectivos
governos com um balanço econômico bastante regular. Além disso, forças de
ultradireita começaram a ganhar terreno em diferentes países do continente,
sendo representativos os casos de Nayib Bukele (Nuevas Ideas, em El Salvador);
José Antonio Kast (Partido Republicano, no Chile); Rafael López Aliaga
(Renovação Popular, no Peru); Guido Manini Ríos (Cabildo Abierto, no Uruguai);
e, com mais força ainda, Javier Milei (La Libertad Avanza, na Argentina).
Como podemos entender
essa rápida ascensão da ultradireita na região? Quais impactos pode ter sobre a
democracia? Este artigo aspira a responder essas perguntas e para isso se
divide em três partes. Primeiro, é oferecida uma revisão conceitual das noções
de ultradireita e de direita convencional no contexto europeu.
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Ultradireita versus direita convencional
Nas sociedades
modernas, o conflito político existente costuma ser subsumido na dicotomia
entre direita e esquerda. Como é de amplo conhecimento, a origem dessa
distinção analítica remonta à Revolução Francesa, já que, uma vez que o rei é
decapitado e se forma uma Assembleia Nacional, aqueles que estão a favor do
Antigo Regime sentam-se à direita e aqueles que defendem a instauração de uma
nova ordem sentam-se à esquerda. Esse posicionamento espacial acabou dando vida
a duas posturas que desenvolvem marcos ideológicos opostos. Em termos mais
abstratos e seguindo Norberto Bobbio, o próprio da direita é pensar que a
maioria das desigualdades são naturais e, portanto, o Estado deve fazer pouco
ou nada para erradicá-las. Por outro lado, a esquerda afirma que a maioria das
desigualdades são construídas socialmente e, portanto, o Estado deve assumir um
papel ativo para enfrentá-las.
A definição proposta é
bastante comum no estudo da política comparada, mas algo que às vezes é
ignorado é que quando Bobbio e seus seguidores raciocinam sobre se as
desigualdades devem ser contempladas como naturais (ou não), é necessário
considerar tanto a dimensão socioeconômica quanto a sociocultural. Enquanto a
primeira dimensão está relacionada com o clássico debate em torno de grupos
econômicos privilegiados e despossuídos, a segunda obedece à discussão sobre a
integração ou exclusão de grupos com base em critérios culturais (gênero,
nação, etc.). É importante ter em mente ambas as dimensões, principalmente
porque – como veremos mais adiante – o debate sobre as ultradireitas não se
vincula tanto com as políticas econômicas defendidas, mas sim e, fundamentalmente,
com as políticas culturais promovidas. Dado que na Europa as forças de
ultradireita têm consolidado sua representação parlamentar desde a década de
1980, nessa região pode-se observar um extenso debate conceitual sobre o
fenômeno.
O ponto de partida das
definições reside na necessidade de distinguir entre dois blocos dentro do
campo político da direita, a saber, a direita convencional e a ultradireita. Os
critérios para fazer essa distinção são fundamentalmente dois: atributos espaciais
(adoção de posições moderadas ou radicais) e atributos relacionados à relação
mantida com a democracia (aceitação ou rejeição). Levando em consideração esses
dois critérios, é relativamente simples distinguir os dois campos da direita.
Por um lado, a direita convencional se caracteriza por defender ideias de
direita de maneira relativamente moderada e, ao mesmo tempo, por respeitar as
regras do jogo inerentes ao sistema democrático liberal. Trata-se de atores que
adotam posições conservadoras em termos morais (por exemplo, contra o aborto ou
o casamento homossexual) ou que favorecem o livre mercado (por exemplo, redução
do peso do Estado de Bem-Estar), mas sempre o fazem dentro do quadro da
democracia liberal e, portanto, estão dispostos a aceitar a existência de
instituições tanto no nível nacional quanto supranacional que eventualmente
colocam limites ao seu próprio poder. Por sua vez, a ultradireita se destaca
por adotar posturas de direita com bastante radicalidade e, ao mesmo tempo, por
manter um vínculo problemático com a democracia, em particular, com seu
componente liberal (por exemplo, a autonomia dos tribunais de justiça, a
legalidade na atuação da administração pública e a proliferação de organismos
supranacionais que restringem o poder da soberania popular). De fato, não é
casual que as forças de ultradireita comumente utilizem uma retórica populista
para argumentar que há uma “elite corrupta” composta por círculos progressistas
que controlam uma série de organizações – aparato judicial, meios de
comunicação, instituições internacionais, etc. – e que, por isso, propõem a
necessidade de realizar reformas para diminuir o poder dessas organizações ou
substituir aqueles que as controlam para colocar pessoas realmente virtuosas,
ou seja, aquelas que professam ideias de ultradireita.
A expansão da
ultradireita na Europa remonta à década de 1980, quando um grupo de
intelectuais vinculados à assim chamada Nova Direita, na França, se inspira no
trabalho de Antonio Gramsci e propõe que é necessário levantar uma nova
hegemonia cultural centrada na noção de etnopluralismo. Esse termo é utilizado
para argumentar que cada etnia é particular e tem seu valor próprio, de modo
que as desigualdades entre diferentes etnias são naturais e que o Estado não
deve intervir para erradicar tais desigualdades. O singular desse debate é que
planta as sementes para que comece a ganhar muito mais relevância a dimensão
sociocultural em relação à dimensão socioeconômica, que historicamente havia
constituído o eixo articulador do clássico debate entre direita versus
esquerda. Por isso, a ultradireita se apresenta como um projeto que ataca não
apenas a esquerda, mas também a direita convencional, à qual muitas vezes busca
dominar. Existe bastante consenso no campo acadêmico de que o próprio da
ultradireita europeia consiste em elaborar uma proposta programática que atenta
contra a expansão dos valores progressistas que vêm ganhando terreno ao longo
do tempo e que, em certo sentido, também foram adotados pela direita
convencional. Particularmente notável é a forma como a ultradireita europeia
articula ideias opostas ao multiculturalismo e próximas à xenofobia, sobretudo,
contra a população muçulmana. Por sua vez, é importante que as posições
econômicas adotadas pela ultradireita europeia têm variado e, em alguns casos, se
modulam em torno da ideia do “chauvinismo de bem-estar”, um conceito utilizado
para defender, ao menos no discurso, a existência de um Estado de Bem-Estar
robusto, mas apenas para a população nativa, ou seja, não para os imigrantes,
pois estes atentam contra a suposta homogeneidade da nação.
Embora este não seja o
lugar para oferecer uma análise conceitual detalhada sobre ultradireita e
direita convencional na Europa, é importante apontar que dentro de cada um
desses campos existem diferentes famílias de partidos políticos. Por um lado,
no campo da direita convencional, podem ser identificados os partidos
democrata-cristãos, conservadores e liberais, cruciais para a consolidação da
democracia liberal na Europa Ocidental, pois se trata de partidos políticos que
conseguem articular e canalizar ideias de direita no âmbito democrático. Por
outro lado, no campo da ultradireita, costuma-se diferenciar entre a direita
populista radical e a extrema direita: a primeira tem crescido eleitoralmente
graças à crítica ao establishment e à defesa, ao menos nominal – embora com
tensões –, do sistema democrático (por exemplo, partidos como Vox na Espanha ou
Reagrupamento Nacional na França), enquanto a segunda conta com um peso
eleitoral muito reduzido devido ao seu ataque frontal contra a democracia e seu
claro aspecto autoritário (por exemplo, Amanhecer Dourado na Grécia ou o
Partido Nacional Democrata da Alemanha).
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Ultradireita na América Latina
Até pouco tempo atrás,
o debate sobre a ultradireita era observado da América Latina como um fenômeno
distante e localizado na Europa. No entanto, os triunfos eleitorais de figuras
como Recep Tayyip Erdoğan na Turquia, Narendra Modi na Índia e Donald Trump nos
EUA evidenciam que a ultradireita deve ser considerada uma corrente global.
Sobretudo após a ascensão de Bolsonaro à Presidência do Brasil em 2018, o
debate sobre a ultradireita também começou a ganhar preponderância na América
Latina. Agora, é importante refletir sobre como utilizar no contexto
latino-americano os conceitos de ultradireita e direita convencional
anteriormente explicados. A década de 2000 foi, em certo sentido, a “era de
ouro” da esquerda na América Latina e é por isso que uma grande quantidade de
estudos surgiu para compreender não apenas as causas e consequências dessa
virada à esquerda, mas também para distinguir entre diferentes tipos de
esquerdas dentro da região. Justamente devido a essa hegemonia da esquerda, o
estudo da direita foi deixado de lado por grande parte da academia. Em certo
sentido, os elevados níveis de desigualdade socioeconômica imperantes na região
permitiam imaginar que, em cenários de competição democrática, a esquerda teria
uma vantagem comparativa sobre a direita, já que pode conectar com demandas
transversais da sociedade em relação à necessidade de fortalecer o Estado para
enfrentar tais desigualdades. Em outras palavras, é difícil pensar que a
direita possa ganhar eleições se mantiver uma oferta programática centrada na
ideia de que a mão invisível do livre mercado pode por si só solucionar os
problemas de pobreza e desigualdade característicos da região.
Essa argumentação
continua válida até hoje, mas não se deve esquecer que, ao falar da disputa
direita versus esquerda, as desigualdades que se pretende politizar podem ser
de ordem tanto socioeconômica quanto sociocultural. Sob essa perspectiva, a
direita pode tentar se diferenciar da esquerda por meio do desenvolvimento de
temas socioculturais que ajudam a ativar demandas latentes da cidadania em
torno de questões como aborto, casamento igualitário ou povos indígenas. De
fato, o que caracteriza as “novas direitas” que vêm surgindo recentemente na
América Latina é que se distinguem tanto da esquerda quanto da direita
convencional por seu ataque deliberado à correção política e à crítica de
ideias consideradas progressistas. Felizmente, gradualmente o interesse pelo
estudo das direitas na América Latina começou a aumentar, e em vários dos
trabalhos dos últimos anos sobre o tema podemos encontrar o desenvolvimento de
conceituações que convergem com os termos elaborados na Europa e em escala
global.
Por um lado, Simón
Escoffier, Leigh A. Payne e Julia Zulver sustentam em seu livro sobre “a
direita contra os direitos” que esta última deve ser compreendida como um novo
projeto político definido como “uma mobilização coletiva institucional e extra
institucional que pretende controlar, desmantelar ou reverter direitos
específicos promovidos por comunidades e grupos previamente marginalizados e
restaurar, promover ou avançar um statu quo ante de direitos políticos,
sociais, econômicos e culturais tradicionais”. Por sua vez, Lindsay Mayka e Amy
Erica Smith, em seu trabalho sobre a “direita de base” na América Latina,
propõem que esta última deve ser concebida como “um conjunto diverso de
indivíduos e organizações que buscam manter hierarquias sociais percebidas como
tradicionais ou naturais (…) Tais hierarquias incluem áreas como o patriarcado,
a dominação econômica de grandes empresas ou latifúndios, ou a subordinação de
indivíduos LGBTQ+ e indígenas latino-americanos”. Esses dois trabalhos elaboram
conceitos que deliberadamente procuram diferenciar atores da direita
convencional (por exemplo, Sebastián Piñera no Chile ou Mauricio Macri na
Argentina) de novas forças políticas de direita (por exemplo, Bolsonaro no
Brasil ou Rafael López Aliaga no Peru) que colocam especial ênfase na invocação
de temas como a oposição ao aborto, aos direitos LGBTQ+ e à educação sexual nas
escolas.
Em outras palavras, o
que caracteriza essa “nova direita” que parece estar emergindo na América
Latina é a politização da dimensão sociocultural em detrimento da dimensão
socioeconômica, com o intuito de mobilizar não apenas segmentos acomodados da
sociedade, mas também setores populares que professam ideias conservadoras em
relação a questões morais. Isso se torna particularmente evidente quando se
considera a população evangélica e suas preferências eleitorais. Essa “nova
direita” também promove políticas de punitivismo penal contra a criminalidade,
um tema transversalmente considerado pela cidadania latino-americana como
urgente a ser enfrentado. A esse respeito, é importante indicar que a
bibliografia acadêmica distingue entre “questões de valência” e “questões de
posição” : enquanto as primeiras se caracterizam por gerar sentimentos de
consenso entre a cidadania, independentemente das ideias e interesses
individuais, as segundas geram bastante dissenso porque se estruturam segundo a
ideologia do eleitor e seus próprios interesses. Essa distinção é relevante
porque ajuda a compreender que, em vez de competir em todas as dimensões do
espaço político, os líderes e partidos normalmente preferem dar mais
protagonismo àqueles temas em que têm mais credibilidade e que os ajudam a se
diferenciar de seus oponentes.
Até que ponto essa
“nova direita” que alguns autores identificam na América Latina pode ser
considerada ultradireita, seguindo a conceitualização discutida anteriormente?
A semelhança é bastante evidente, pois se trata de forças políticas que não
apenas adotam posturas de direita bastante radicais (especialmente, em assuntos
socioculturais), mas também mantêm uma relação conflituosa com o sistema
democrático, em particular, com o andaime liberal da democracia. Por sua vez,
trata-se de forças políticas que – assim como seus correligionários europeus –
são eminentemente reacionárias; isto é, são atores que se opõem ao ascenso das
minorias que têm ganhado reconhecimento material e simbólico graças a políticas
de acomodação de diversas ordens. Como bem indica o trabalho de Lenka
Bustikova, a ultradireita se mobiliza devido ao ressentimento contra grupos
minoritários ascendentes. Nesse sentido, a ultradireita não está
necessariamente interessada na aniquilação ou erradicação das minorias, mas sim
em suprimir seu desejo de exercer um maior poder político, influenciar as
políticas públicas, obter recursos governamentais e adquirir posições de
relevância. O ponto central sobre quais minorias têm ganhado terreno e são
consideradas desafiadoras varia de acordo com os contextos nacionais e
regionais. No caso da América Latina, tudo indica que a mudança do status quo
das relações entre minorias e maioria está diretamente ligada a temas como
gênero e identidade sexual, enquanto na Europa é muito mais relevante a temática
migratória.
Ao pensar na
ultradireita na América Latina, a Argentina é um dos casos mais chamativos pelo
rápido e inesperado ascenso eleitoral de Javier Milei e pela radicalidade tanto
de suas ideias quanto de seu estilo de liderança. Gabriel Vommaro revela que o
característico de Milei é desenvolver uma série de inovações programáticas,
muitas das quais são bastante oportunistas. Assim, por exemplo, até pouco tempo
atrás Milei não assumia posturas conservadoras em relação a temas morais, mas
agora ostenta uma posição contrária ao aborto. No entanto, professa ideias
libertárias para defender questões como o livre mercado e justificar sua não
oposição ao casamento igualitário. Por sua vez, a contribuição de Vommaro
também nos ensina que a incapacidade de estabilizar a economia
(particularmente, a inflação), tanto na administração de Macri quanto no
subsequente governo peronista, gerou um descontentamento contra a chamada
“casta” política, que foi explorado muito habilmente pelo discurso libertário e
populista de Milei.
O caso de Bolsonaro no
Brasil é talvez o exemplo mais conhecido de ultradireita na região
latino-americana. Lucio Rennó revisa as políticas implementadas durante o
governo de Bolsonaro e demonstra que, à medida que sua campanha de reeleição se
aproximava, aumentaram a radicalidade e o aspecto antidemocrático de seu
governo. Por isso, seu artigo evidencia que, embora não haja dúvida quanto à
catalogação do fenômeno Bolsonaro como ultradireita, é bastante difícil saber
se constitui um caso de direita populista radical (isto é, que mantém uma
relação antagônica com a democracia liberal) ou se se trata, mais propriamente,
de um caso de extrema direita (com uma postura contra a democracia em termos
absolutos). Por fim, a análise da situação brasileira permite supor que, mesmo
que Bolsonaro tenha poucas chances de continuar liderando a ultradireita, tudo
indica que o bolsonarismo como projeto político continuará existindo no país.
A presença da
ultradireita no Chile é bastante nova e está relacionada com o surgimento da
figura de José Antonio Kast, que deu vida ao Partido Republicano. Lisa Zanotti
indica que se trata de um projeto de ultradireita que deve ser compreendido
como uma cisão da direita convencional. De fato, tanto Kast quanto vários
líderes do Partido Republicano vêm de partidos da direita convencional que, na
opinião deles mesmos, se tornaram excessivamente moderados tanto na dimensão
socioeconômica quanto na sociocultural e, por essa razão, supostamente cederam
ao progressismo. Essa contribuição revela um rápido crescimento eleitoral da
ultradireita em um período muito curto de tempo, o que eventualmente pode
acarretar tensões internas, já que existem dentro dela diversas facções e não é
totalmente evidente que possam manter uma relação harmônica entre si.
A Colômbia se destaca
na América Latina pela força dos partidos de direita e pela fraqueza dos
partidos de esquerda. No entanto, Sandra Botero e José Miguel Jaimes Prada
argumentam que até hoje não se vislumbram casos indiscutíveis de ultradireita
no país e, em sua opinião, seria errôneo catalogar o ex-presidente Álvaro Uribe
ou o ex-candidato presidencial Rodolfo Hernández como exemplos de ultradireita.
O único liderança política que caracterizam como o representante mais nítido da
ultradireita colombiana é a da senadora María Fernanda Cabal, que adota os
discursos próprios dessa tendência, embora atualmente ainda faça parte de um
partido político da direita convencional. Em todo caso, os autores sugerem que
a eleição de Gustavo Petro representa um ponto de inflexão na situação política
colombiana e uma situação de crise para a direita, de modo que atualmente
surgem oportunidades para que líderes e grupos da direita convencional acabem
mudando e instaurando um projeto de ultradireita. De fato, os autores indicam
que setores afins ao uribismo estão hoje em dia tentados a seguir nessa
direção.
Junto com Bolsonaro no
Brasil, Nayib Bukele em El Salvador é o outro exemplo de ultradireita na
América Latina que conseguiu acessar o Poder Executivo. Manuel Meléndez-Sánchez
oferece uma análise desse caso de estudo, destacando que se trata de uma liderança
política que, em seus primórdios, carecia de um perfil claro de ultradireita,
mas que com o passar do tempo desenvolveu uma agenda programática com um
marcado tom conservador em questões morais. Por sua vez, as políticas de
confronto à criminalidade são extremamente conflitantes com o Estado de direito
e o andaime liberal do sistema democrático. A reeleição de Bukele no início
deste ano pavimenta o caminho não apenas para a consolidação de seu projeto
político, mas também para a continuidade do processo de erosão democrática que
El Salvador está vivenciando.
Comparado com os
demais países da América Latina, o México se destaca pela ausência de líderes e
partidos de ultradireita eleitoralmente bem-sucedidos. Como explicar essa
situação? Para responder a essa pergunta, Rodrigo Castro Cornejo oferece uma
análise que se foca nas peculiaridades do governo de Andrés Manuel López
Obrador (AMLO). Dado que este último não adotou uma agenda liberal em termos
culturais, trata-se de um projeto de “esquerdismo sem progressismo” que
consegue satisfazer segmentos do eleitorado que poderiam se sentir atraídos por
ofertas programáticas de ultradireita. No entanto, AMLO está prestes a terminar
seu mandato e não está claro se quem o substituirá (Claudia Sheinbaum do
Partido Morena) conseguirá continuar contando com o apoio de potenciais
eleitores de ultradireita, que poderiam ser reunidos por figuras políticas
novas de maneira bem-sucedida.
Embora seja verdade
que no Peru abundam lideranças personalistas e é praticamente impossível
encontrar organizações partidárias robustas, na última década coexistiram no
país diferentes projetos de direita que conseguiram mobilizar importantes
segmentos do eleitorado. Carlos Meléndez oferece uma análise desses diferentes
projetos políticos, mais próximos da direita convencional, mas sugere que
recentemente está se configurando uma iniciativa política de ultradireita. A
figura-chave é Rafael López Aliaga, que, em certo sentido, “colonizou” o
partido político Renovación Popular e, a partir de sua posição de prefeito de
Lima, está tentando articular um exercício governamental de ultradireita,
principalmente por meio da defesa de medidas extremamente conservadoras no
âmbito sociocultural, bem como por seu enfrentamento populista com certos
setores da elite empresarial.
Por fim, o Uruguai
também é um caso de estudo interessante a ser considerado. Após uma longa
hegemonia do projeto político de esquerda do Frente Amplio, a direita
reconquistou o Poder Executivo nas eleições de 2019. O governo do atual
presidente do país, Luis Lacalle Pou, pertence à direita convencional, mas para
alcançar uma maioria no Congresso, dependia em parte dos votos de um partido de
ultradireita: Cabildo Abierto. Talita Tanscheit explica as singularidades desse
caso de estudo, que adota posturas moralmente conservadoras e defende políticas
de “mão dura” contra a criminalidade no contexto uruguaio. Vale ressaltar que
Guido Manini Ríos, o principal líder de Cabildo Abierto, foi anteriormente
comandante em chefe do Exército Nacional e, por isso, não é casual que esse
projeto político tenha uma importante influência no mundo militar e tenda a
elaborar uma leitura revisionista do regime autoritário.
Fonte: Por Cristóbal
Rovira Kaltwasser, em IHU
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