quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Futuro climático: o desafio da busca de desenvolvimento com menor demanda de recursos

“Certamente as gerações futuras viverão em um clima diferente daquele que as gerações atuais cresceram. O ponto é o quão disjuntivo esse futuro será”, observa Jean Ometto, ao comentar os desafios no enfrentamento às mudanças climáticas em curso na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Para ele, a mudança climática é decorrente do aumento da demanda por recursos naturais, que cresceu exponencialmente nos últimos 80 anos e o enfrentamento desta situação também está associado à diminuição do uso desses recursos. “As mudanças climáticas derivam, sobretudo, da maior demanda de recursos energéticos e da expansão da ocupação humana sobre áreas naturais, levando, por exemplo, ao desmatamento. Essas atividades determinam alteração na composição da atmosfera terrestre, levando ao aumento da retenção de calor e aumentando o chamado efeito estufa. (...) Ou seja, a trajetória futura da sociedade deve buscar bases de desenvolvimento com menor demanda de recursos, buscando a restauração de sistemas naturais, reciclagem e reaproveitamento de recursos, e redução de perdas”, pontua.

A resolução dos efeitos socioambientais gerados pela ação antrópica depende da união de vários saberes, como o tradicional e o científico. “A complexidade dos problemas que enfrentamos com relação às mudanças climáticas e às mudanças ambientais no planeta não pode ser resolvida com abordagens únicas, mas sim com a composição de diversos conhecimentos (dos saberes tradicionais à tecnologia) e estratégias. Os desafios demandam soluções construídas com bases multidisciplinares e envolvimento de diversos setores da sociedade”, assegura.

Jean Ometto é graduado e mestre em Agronomia e doutor em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e chefe da Divisão de Projetos Estratégicos. Leciona no PPG em Ciência do Sistema Terrestre do INPE. É vice-coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA), coordenador da Plataforma AdaptaBrasil MCTI, coordenador técnico do Projeto de Monitoramento da Cobertura Vegetal no Cerrado, Programa de Investimento Florestal (FIP), do Banco Mundial.

>>>> Confira a entrevista.

•        Cientificamente, o que significa falar em eventos extremos? Como os eventos extremos têm alterado e transformado os ecossistemas?

Jean Ometto – Eventos extremos são fenômenos climáticos de grandes proporções, que estatisticamente são mais intensos que o padrão médio do dado evento (por exemplo, uma chuva extrema se caracteriza por um volume enorme de água que precipita em um curto período).

Os eventos extremos afetam os ecossistemas de várias formas e, claro, dependendo da natureza do evento que estamos considerando. Por exemplo, um evento prolongado de seca pode causar impactos severos aos processos fisiológicos das árvores que compõem uma floresta, podendo levar à morte dos indivíduos ou à redução na capacidade da floresta de absorver carbono.

•        Quais as implicações socioambientais de reter mais calor na atmosfera?

Jean Ometto – A maior retenção de calor na atmosfera implica no aumento da temperatura média do ar, levando ao aumento na intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos. Esse processo pode impactar fortemente comunidades e ecossistemas.

•        Por quais alterações a agricultura tem passado em função das mudanças climáticas?

Jean Ometto – As alterações climáticas que mais impactam a agricultura no Brasil são os eventos de seca extrema (afetando a produtividade e a produção de diversas culturas) e as mudanças nos padrões de precipitação (que afeta o planejamento de plantio ou colheita, interferindo na produção).

•        Nos últimos dois séculos, a demanda por recursos naturais aumentou substancialmente. No atual contexto de mudança climática e aumento populacional, o que se vislumbra em relação a essa demanda? Como a busca por soluções energéticas pode favorecer um agravamento da situação socioambiental?

Jean Ometto – O aumento na demanda de recursos naturais foi exponencial nesses últimos dois séculos, em particular nos últimos 70, 80 anos. O aumento na demanda desses recursos contribui significativamente para o aumento da população mundial, que, por sua vez, demanda mais recursos. Ou seja, a trajetória futura da sociedade deve buscar bases de desenvolvimento com menor demanda de recursos, procurando a restauração de sistemas naturais, reciclagem e reaproveitamento de recursos e redução de perdas.

As mudanças climáticas derivam, sobretudo, da maior demanda de recursos energéticos e da expansão da ocupação humana sobre áreas naturais, levando, por exemplo, ao desmatamento. Essas atividades determinam uma alteração na composição da atmosfera terrestre, levando ao aumento da retenção de calor e aumentando o chamado efeito estufa.

Outro aspecto de alta relevância no aumento do uso de recursos naturais é o impacto nos sistemas naturais e na biodiversidade terrestre e aquática, que inclui sistemas aquáticos terrestres e os oceanos.

Com relação à energia, temos que, como sociedade global, caminhar com bastante urgência para uma matriz de produção de energia não baseada em carbono fóssil (petróleo, carvão, gás natural etc.). A urgência dessa transição refere-se aos esforços para que a temperatura média do planeta não passe de 1,5 ou 2 graus Celsius (valores indicados pela comunidade científica como limites para mantermos o planeta com condições adequadas à sociedade e para a maioria dos ecossistemas).

•        O senhor disse que, para transformar o presente, precisamos buscar soluções onde a informação é gerada, isto é, na ciência, nos conhecimentos tradicionais e ancestrais. Pode desenvolver essa ideia? Como a junção desses conhecimentos pode auxiliar na busca de soluções ao enfrentamento da emergência climática? Como a ciência pode se alimentar do conhecimento dos povos tradicionais e ancestrais e vice-versa? Quais as potencialidades e limites dessa troca?

Jean Ometto – O conhecimento tradicional e ancestral traz uma amplitude de saberes sobre a relação do homem com a natureza e no uso de recursos que podem contribuir substancialmente para a busca de soluções que a sociedade contemporânea enfrenta. Precisamos resgatar nossa relação com a natureza, de forma a repensarmos e redimensionarmos nossas prioridades e formas de conduzir o dia a dia. Os necessários processos de transformação na relação do consumo e das necessidades básicas da vida contribuirão para a redução dos impactos de nossas atividades no planeta.

A relação com o conhecimento tradicional pode contribuir nas estratégias de restauração de áreas naturais degradadas, na utilização racional e ética da biodiversidade, nas opções de consumo, entre vários outros aspectos. Esse processo de transformação é essencial para o enfrentamento da emergência climática, contribuindo com as estratégias de mitigação das emissões e adaptação aos impactos determinados pelas mudanças climáticas.

A complexidade dos problemas que enfrentamos com relação às mudanças climáticas e às mudanças ambientais no planeta não pode ser resolvida com abordagens únicas, mas sim com a composição de diversos conhecimentos (dos saberes tradicionais à tecnologia) e estratégias. Os desafios demandam soluções construídas com bases multidisciplinares e com o envolvimento de diversos setores da sociedade.

•        Que tipo de transformações sociais podemos esperar em decorrência dos eventos extremos e das mudanças climáticas?

Jean Ometto – Bom, temos que trabalhar fortemente em ações e estratégias de adaptação. Para isso, é importante mapear o nível de risco ao qual a sociedade ou os sistemas naturais estão sujeitos. O nível de risco depende da vulnerabilidade e da exposição que a sociedade ou os sistemas naturais têm com relação ao evento climático extremo. O impacto, que pode se consolidar diante do risco, afeta a produção de alimentos, de energia, a saúde, os recursos hídricos etc. As ações de adaptação são muito importantes para reduzirmos os riscos de perdas de vidas humanas, impactos na infraestrutura, na produção de energia, perdas na produção agrícola etc.

•        O senhor já declarou que diante das mudanças climáticas não se deve passar uma mensagem de desesperança, mas de urgência. Pode explicar essa ideia?

Jean Ometto – Precisamos caminhar para a descarbonização das atividades produtivas, mitigando as emissões de gases do efeito estufa, e temos que trabalhar, paralelamente, em medidas de adaptação. Essas ações são urgentes. Não podemos perder a esperança na capacidade de a sociedade buscar uma trajetória sustentável de desenvolvimento, de reconectar-se com a natureza e de construir um futuro socialmente justo e ecologicamente equilibrado para as gerações que virão.

•        Como o senhor tem refletido sobre o futuro à luz das mudanças climáticas?

Jean Ometto – Certamente as gerações futuras viverão em um clima diferente daquele que as gerações atuais cresceram. O ponto é o quão disjuntivo esse futuro será. Preocupa que ações fortes e contundentes, buscando a redução dos impactos e a redução das emissões de carbono, não vêm sendo amplamente adotadas. Com isso estamos em uma trajetória preocupante de emissões e de mudança de temperatura.

Da mesma forma, é preocupante o impacto das ações humanas na biodiversidade planetária. Estamos a caminho da perda de várias espécies por ação direta da humanidade, ou seja, pelos efeitos das mudanças climáticas.

Por outro lado, a capacidade da sociedade de se reinventar, de buscar alternativas, de trazer o saber e a tecnologia em prol de ações positivas, é muito grande. O movimento dos jovens, no mundo todo, buscando mudanças, vem crescendo. O que é muito relevante.

Os impactos das mudanças climáticas já estão ocorrendo e podem se agravar. Mas a humanidade tem que buscar na resiliência as transformações em prol da sustentabilidade e do equilíbrio ético, reduzindo as desigualdades, a iniquidade, e buscando soluções que dialoguem com a sustentabilidade. As ações de hoje moldam o futuro.

 

       Na antessala do colapso climático. Por Carlos Bocuhy

 

A Organização Meteorológica Mundial (OMM) publicou na semana passada seu relatório “Estado do Clima Global”, registrando aumento recorde de calor oceânico. O aumento do nível do mar dobrou entre 1993 e 2002, com perda de geleiras acima da média. Recentemente escrevi, em conjunto com o professor Luiz Marques da Unicamp, um artigo que questiona a métrica utilizada pelos países para calcular suas emissões líquidas de gases efeito estufa (GEE), gerando dados que são enviados para as Nações Unidas para modelagem global.

É evidente que a base de dados sobre emissões está subestimada, ao não considerar outros elementos, não antropogênicos, até mesmo efeitos indiretos do aquecimento planetário, como a liberação de metano do permafrost.

O sexto relatório do IPCC publicado no último mês de março é resultado de oito anos de trabalho de um corpo científico que conta com centenas de especialistas dos mais qualificados em todo o mundo. O relatório apresenta um cenário preocupante, elencando perdas materiais e de vidas humanas.

Apesar de a janela do tempo estar se esgotando para agir e reverter o cenário, o relatório se esforça para passar a necessária dose de otimismo, de modo a estimular ações necessárias.

O quadro global trazido pelos relatórios da OMM e IPCC, além da falta de metodologia adequada na coleta de dados, demonstra a falta de eficácia governamental para enfrentar este desafio civilizatório. Estão esmaecendo a pouca segurança que nos resta para uma possível contenção das mudanças climáticas.

A atual ultrapassagem de aumento médio de 1,1 grau Celsius lança dúvidas sobre a capacidade humana de manter a temperatura dentro dos níveis aceitáveis de 1,5 grau preconizados como índice mais seguro pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).

De outro lado, o IPCC aponta que os efeitos do aquecimento registram efeitos mais severos do que se esperava, conforme demonstra o drástico índice de chuvas registrado em fevereiro de 2023 no litoral norte paulista. O volume recorde de 627 mm de chuva se abateu sobre o município de São Sebastião em apenas 24 horas, provocando 68 mortes, deixando 1.730 desalojados e 766 desabrigados.

Os riscos sobre vulnerabilidade decorrentes de ocupação inadequada do solo continuam subestimados. Dentro da maior metrópole da América do Sul, a cidade de São Paulo continua a crescer sem planejamento ambiental, com plano diretor que não considera de forma efetiva os componentes essenciais das mudanças climáticas. Sem estudos de impacto ambiental sobre a extensa ocupação nas áreas originalmente ocupadas por várzeas, a sociedade civil e especialistas vêm promovendo contínua demanda por estudos ambientais eficazes.

A situação é ambientalmente insustentável, derivando da velha prática da especulação imobiliária que prossegue seu ritmo de business as usual, mesmo dentro do atual cenário da emergência climática. A defesa do status quo é mantida à custa de esforços jurídicos governamentais que tutelam o processo e resistem até a última instância (STF) contra a apresentação de estudos ambientais.

Observando os últimos dados sobre o desmatamento da Amazônia e do Cerrado, é possível compreender quão pouco eficiente tem sido a governança ambiental do país para conter as mudanças climáticas. No corrente mês de março o índice de desmatamento da Amazônia registrou 344 km², um aumento de aproximadamente 180% com relação ao mês de março do ano passado.

A maior parte do desmatamento (76%) decorre da grilagem e ocorre em áreas privadas, o que exige fiscalização eficiente para sua contenção. O agravante é que está deixando as bordas do Arco de Desmatamento e caminhando para o coração da Amazônia, margeando as estradas federais, o que ameaça ainda mais a resiliência da floresta, próxima do ponto de inflexão.

A Mudança do Clima provoca o colapso do ecossistema sobre os elementos bióticos que dependiam do ecossistema original. A iminência do colapso tornou-se uma grande dor de cabeça para o mundo dos negócios. As preocupações iniciadas por agentes de seguro, muitos dos quais irão à bancarrota com as tragédias climáticas, movimentam hoje grupos mundiais de investidores que representam cerca de US$ 130 trilhões. Exigem informações dos grupos empresariais sobre a publicização das iniciativas de cerca de 10 mil empresas com relação aos seus procedimentos quanto às mudanças climáticas.

Enquanto a comunidade europeia caminha para cortar emissões veiculares a partir de 2035, o Brasil sinaliza aumento expressivo na extração de petróleo com possível exploração da margem equatorial brasileira, na região da foz do rio Amazonas. Nas negociações multilaterais, sinalizadas na lista das andanças internacionais do governo Lula, não estão Comunidade Europeia, onde especialmente a Alemanha apresenta posições mais progressistas no combate às mudanças climáticas. Na prática, o Brasil parece perseguir outros objetivos que não a de potência global na área ambiental.

Os sinais de colapso climático trazem à baila o grande problema para a sobrevivência da humanidade: a segurança hídrica, alimentar, e a prevenção das migrações em massa. O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, apontou as consequências drásticas que já atingem dezenas de milhões de pessoas com migrações em massa decorrentes das secas na África Oriental e chuvas devastadoras no Paquistão, em um cenário marcada por intenso desequilíbrio nos ciclos naturais, como a floração das cerejeiras do Japão, que foi a mais precoce em 1.200 anos.

Na antessala do colapso, é preciso montar salas de situação, voltadas à governança ambiental e climática, nas diferentes esferas da competência administrativa: federal, estaduais e municipais. Nesse processo de resistência humanitária, três elementos indispensáveis para a gestão pública ambiental serão essenciais: o uso e aperfeiçoamento dos meios legais disponíveis; o concurso da ciência para decisões informadas; e a transparência de dados, com participação e controle social.

 

Fonte: Entrevista com Jean Ometto, para IHU OnLine/((o))eco

 

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