sábado, 28 de outubro de 2023

Pesquisa aponta impactos na biodiversidade quatro anos após vazamento de petróleo

Após quatro anos desde o início do derramamento de petróleo cru no litoral brasileiro, um recente estudo do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), aponta uma série de impactos em espécies marinhas já percebidos como consequência de um dos maiores crimes ambientais em mares tropicais.

A pesquisa, publicada no periódico internacional Marine Environmental Research, revelou problemas como a ingestão de óleo, alterações nas proporções de sexo e tamanho, anormalidades em larvas e ovos, alterações comportamentais e aumento de mortalidade. Além disso, as consequências do desastre também ainda são sentidas pelas populações litorâneas. O estudo buscou detectar esses danos e apontar quais dados ainda são deficientes sobre o ocorrido nas áreas ambiental e científica.

Um dos dados apontados pelo estudo foi a extensão das áreas atingidas de cada ecossistema. Segundo a pesquisa, dez diferentes ecossistemas foram prejudicados pelo óleo, sendo os principais:

Estuários (4.929,74 km² de área atingida)
Florestas de mangue (489,83 km²)
Prados de ervas marinhas (324,77 km²)
Praias (185,30 km²)
Planícies de maré (63,64 km²),
Corais de águas profundas (45,95 km²)
Corais de águas rasas (9,69 km²)

De acordo com o estudo, os recifes de corais estão entre os ecossistemas com menor extensão de áreas atingidas pelo óleo, contudo, foram os ambientes mais estudados e por isso, são regiões onde foram detectados mais impactos.

“Os recifes tiveram a menor área impactada, diferente dos estuários e manguezais, que tiveram mais quilômetros atingidos. Contudo, foram os ambientes mais estudados devido a sua relevância como o ecossistema marinho mais diverso e, por isso, onde foram detectados mais impactos. Isso pode se atribuir ao acesso mais fácil dos pesquisadores a esses ambientes”, explica o professor Marcelo Soares, do Labomar, um dos autores do artigo. Ele assina a publicação com a professora Emanuelle Fontenele Rabelo, pesquisadora na Ufersa.

O pesquisador também destaca que “por lógica, a gente imagina que quanto menos óleo recebeu, menos impacto há naquela área, só que o resultado é diferente disso. Depende muito do ambiente. As praias receberam mais óleo que os recifes, mas são constantemente lavadas pelas marés, ondas e correntes, assim como também foi mais fácil fazer a retirada desses óleo na areia da praia, com relação aos recifes”.

·         Alteração na fauna

A pesquisa também revelou dados mais minuciosos sobre o estado das espécies: alterações mutagênicas e morfológicas de espécies, contaminação por metais e hidrocarbonetos tóxicos, mudanças nas taxas de sobrevivência, diminuição na riqueza geral das espécies e aumento oportunista de organismos mais tolerantes a óleos.

Os dados também alertam para regiões prejudicadas que abrigam pelo menos 35 espécies ameaçadas de extinção, dentre eles elasmobrânquios (subclasse que inclui tubarões e raias), peixes, invertebrados, aves migratórios, tartarugas marinhas e mamíferos marinhos.

“Esse impacto do óleo soma-se a outros impactos que essas espécies estão sofrendo, como caça, pesca e destruição de habitat. Ainda não temos dados para estimar se houve redução da população dessas espécies”, alerta o pesquisador.

O trabalho dos pesquisadores também concluiu que a maior parte dos estudos que se dedicam especificamente sobre as espécies atingidas tiveram grande foco nos chamados organismos bentônicos, que vivem em associação com o fundo do ambiente aquático, de onde tiram seus recursos de alimentação.

“Quando o óleo chega a uma região, esses organismos bentônicos são os primeiros a sofrerem danos ecológicos. Assim, nosso estudo mostra efeito em diferentes organismos e diferentes ecossistemas, o que demonstra o impacto significativo desse crime ambiental contra o litoral brasileiro”, ressalta Marcelo Soares, ao explicar que observar esses organismos é importante porque eles costumam servir como bons indicadores de impactos ambientais.

·         Lacunas

Embora já exista uma quantidade significativa de pesquisas que investigam o derramamento do petróleo cru e seus impactos, ainda há muitas perguntas sem respostas, principalmente quando se pensa em consequências que ainda serão observadas em longo prazo, já que é um desastre que ocorreu há um tempo considerado recente.

“Faltam estudos de médio e longo prazo, de 5 a 10 anos, para ver se as populações de animais se recuperaram. Além disso, outros ambientes precisam ser estudados (como recifes mais profundos e bancos de algas calcáreas) para se entender melhor os impactos. Estudos de contaminação nas cadeias alimentares também são necessários, bem como sua relação com a saúde humana”, lista o professor Marcelo Soares.

 

Ø  CNS quer reunir povos da floresta em evento paralelo à COP de Belém, em 2025

 

O dia 17 de outubro marcou o aniversário de 38 anos do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), movimento criado pelo líder seringueiro Chico Mendes, em defesa de um projeto de reforma agrária próprio para a Amazônia, que contemplasse as diversas comunidades que tiram da floresta o seu sustento. A atuação do CNS levaria à criação, em 1990, das Reservas Extrativistas (Resex). Hoje, com mais de 22 milhões de hectares protegidos sob essa modalidade, a instituição continua lutando em busca de dignidade para os povos da floresta e em defesa do legado de seu fundador, assassinado por fazendeiros da União Democrática Ruralista (UDR) em 22 de dezembro de 1988.

Um evento online marcou o início dos preparativos para o VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas, que reunirá mais de 400 líderes de territórios tradicionais. O encontro será realizado entre 13 e 17 de novembro, na Universidade de Brasília (UnB), a mesma onde o CNS foi fundado. Barbosa contou que o grupo discute a realização, em 2025, do 4º Encontro Chamado da Floresta, durante a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças de Clima, a COP 30, em Belém. A data marca os 40 anos do CNS.

CAUSA UNIU EXTRATIVISTAS, INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

“O CNS é o desenho de uma instituição que tem uma utopia muito clara na sua mente, que é [chegar ao] dia em que a floresta amazônica e seu povo estejam protegidos”, disse o presidente da organização, Julio Barbosa, durante live comemorativa do aniversário. “Ainda estamos muito longe de chegar à terra prometida, mas acho que chegamos na porteira dela”.

Criado em 17 de outubro de 1985, o CNS tem como missão representar trabalhadores agroextrativistas organizados em associações, cooperativas e sindicatos, e é formado por líderes de diferentes segmentos extrativistas de todos os estados da Amazônia. São seringueiros, castanheiros, coletores de açaí, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agroflorestais, extratores de óleo e plantas medicinais, entre outros.

Durante a live, Barbosa relembrou a audácia do grupo de seringueiros pioneiros que saiu da Amazônia até a capital federal para cobrar visibilidade ao poder público. “Quando fomos para Brasília, nossa pauta era simples, porque a gente reivindicava que fosse garantido o mercado e um preço justo para o nosso produto”, relembra. “Hoje falamos de produtos da bioeconomia ou da sociobiodiversidade, que na época nem sabíamos o que era essa palavra, como ecologia e meio ambiente”.

Ele também destacou a ampliação das pautas da instituição, que unem, em uma só luta, os extrativistas aos povos indígenas e aos quilombolas.

LÍDERES COBRAM POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MANUTENÇÃO NOS TERRITÓRIOS

Filho e neto de seringueiros, Dione Torquato é secretário-geral do CNS. Ele pontua os desafios que ainda vê pela frente: “Talvez o principal deles seja como implementar nos nossos territórios políticas [que permitam] que nossas populações vivam com dignidade, justiça e respeito”, disse. “Isso porque não é somente um decreto de criação que garante o território, é preciso todo um arcabouço de políticas públicas para que possa trazer, de fato, segurança e melhoria da qualidade de vida das nossas populações”.

A resistência da instituição é um ponto que passa, atualmente, pela formação contínua dos jovens, hoje liderados por Letícia Moraes, secretária de articulação política das juventudes extrativistas: “Somos nesse processo uma sementinha que permeia e percorre todos os biomas do nosso país, não somente a Amazônia, sendo assim agentes multiplicadores capazes de chamar outras juventudes para estarem com a gente nesse debate, envolver a juventude e trazer para nós o orgulho de sermos extrativistas”.

Maria Nice Machado, secretária de mulheres e quebradeira de coco no Maranhão, enxerga o CNS como uma “faculdade” e faz questão de levar esse ensino para outras mulheres do estado. “Um dos pontos principais é buscar e trazer as mulheres das reservas, comunidades e ribeirinhas para dentro para terem conhecimento e empoderamento”, afirmou. “Trazer essas mulheres lá da base é a maior riqueza que encontramos”.

 

Ø  Conclusão do julgamento sobre direitos originários, no STF, não significa fim da luta do povo Xokleng

 

Há um pouco mais de um mês – no dia 21 de setembro –, o placar final do julgamento sobre direitos originários, no Supremo Tribunal Federal (STF), emocionou as pessoas que acompanhavam a sessão por meio de um telão instalado próximo à Praça dos Três Poderes, em Brasília. Olhos marejados, longos abraços, danças e cantos compunham o cenário daquele momento, que entrou para a história dos povos indígenas do país.

Apesar da comemoração, também escutava-se, principalmente do povo Xokleng – centro desse debate –, que a rejeição do marco temporal no STF, por 9 votos a 2, era apenas a continuidade de uma luta que já dura mais de um século.

E os indígenas estavam certos: no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF concluía a análise do caso de repercussão geral sobre direitos constitucionais dos povos originários, o Senado Federal aprovou, às pressas, o Projeto de Lei (PL) 2903/2023 – proposição que busca restringir os direitos territoriais garantidos aos povos indígenas na Constituição Federal de 1988. A aprovação do projeto na Casa também ocorreu praticamente uma semana após a Suprema Corte rejeitar a tese ruralista do marco temporal.

Na última sexta-feira – 20 de outubro –, o PL 2903/2023 passou pelo Poder Executivo: Lula vetou total ou parcialmente 24 de 33 artigos da proposição, perdendo a oportunidade de cumprir com o que prometia antes mesmo de iniciar o mandato, quando dizia ter “obrigação moral” de fazer reparação a povos indígenas.

Os vetos de Lula ainda poderão ser derrubados pelo Congresso Nacional, já que a maioria dos parlamentares vende a ideia de que “a paz no campo” só existirá com a existência de um marco temporal para a demarcação dos territórios indígenas.

·         A luta continua

Como se não bastasse toda essa batalha para garantir o que já é assegurado pela própria Constituição Federal, o povo Xokleng ainda foi surpreendido com uma ação do estado de Santa Catarina logo após a derrota sofrida no STF. No dia 7 de outubro, o governo estadual decidiu fechar as duas comportas da Barragem Norte, de José Boiteux (SC), sob alegação de iminente desastre natural que poderia vir a atingir parcela da população do vale do Rio Itajaí e adjacências, colocando em risco a vida dos indígenas e de milhares de outros catarinenses que vivem à jusante da barragem. Em plena época de chuva no estado.

Sob uso de força policial, a decisão foi colocada em prática logo pela manhã do dia 8 de outubro. Nesse episódio, diversos indígenas ficaram feridos devido à ação ilegal da polícia do estado de Santa Catarina.

Apesar de uma das comportas ter sido reaberta, os indígenas seguem ilhados, sem acesso a serviços médicos e Educação. Os Xokleng relatam que a água do rio fechou estradas, inundou casas e desabrigou famílias. Além disso, algumas aldeias continuam sem acesso à internet e sem energia elétrica.

De acordo com uma liderança do povo – que não será identificada por segurança –, outra situação que está causando transtornos à comunidade é a ida, sem qualquer aviso, de representantes do governo – escoltados pela Polícia Federal – à terra indígena para fazer o controle da barragem. Ao Cimi, a liderança indígena disse que gostaria de ser informada sobre as datas e horários dessas visitas ao território, porque a falta de aviso causa apreensão às pessoas que moram no local, principalmente às crianças e anciões.

·         Reparação 

Perante esse contexto, lideranças Xokleng resistem para fazer valer uma decisão transitada em julgado em agosto de 2017, no STF (ARE 943.208), relacionada à ACP nº 5013528-53.2018.4.04.7205, movida pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão judicial condena a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o estado de Santa Catarina por não terem cumprido acordos anteriormente firmados com o povo Xokleng, relacionados à construção da Barragem Norte. Além disso, obriga os entes públicos em questão a implementar políticas públicas na TI Ibirama La-Klãnõ.

Tal decisão judicial, até então, não foi cumprida – inclusive, há multa diária, para cada réu, por descumprimento após três anos da decisão. Entre as determinações da Justiça, estão a construção de casas, escolas, pontes, estradas, entre outros.

Posteriormente, o MPF, titular do processo, ingressou com uma ação executória – vinculada à decisão do STF mencionada acima – para que o estado de Santa Catarina, Funai e União cumpram com tais medidas. O processo está, atualmente, em tramitação na Justiça Federal de Blumenau – responsável pelo município de José Boiteux, onde está localizada a Barragem Norte.

Em Brasília, os indígenas pedem o cumprimento dessas medidas, o pagamento da multa – a fim de diminuir o impacto da crise humanitária enfrentada, atualmente, pelos Xokleng – e recursos para mitigar os impactos do fechamento da barragem, até que seja concluída a regularização fundiária da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ.

·         A barragem

A Barragem Norte foi construída durante o governo militar, na década de 1970, sobre a TI Ibirama La-Klãnõ com o objetivo de conter as enchentes do Rio Itajaí. Mas, apesar de já funcionar há mais de 30 anos – a inauguração ocorreu em 1992 –, ela nunca foi concluída. O Canal Extravasor da barragem, responsável por garantir a segurança das operações, até então não foi construído.

Em entrevista recente ao NSCTotal, o Secretário de estado da Defesa Civil, coronel Armando, disse que desconhece as condições da tubulação e que “seria perigoso fechar as comportas sem a garantia de conseguir abri-las novamente”. Ainda de acordo com o responsável pela pasta, a água poderia verter e a situação sair do controle.

Uma matéria publicada pelo Cimi, em 2020, apresenta os impactos da construção da Barragem Norte na vida do povo Xokleng, que perduram até os dias atuais: “reduziu drasticamente as áreas planas e boas para a agricultura, também de moradia, degradando o rio, produzindo cheias no inverno, que inundam uma outra parte importante do território, e impondo estiagem nas outras estações, matando os peixes; a barragem e sua zona de impacto estão dentro dos parcos 14 mil hectares remanescentes de todo o esbulho promovido no decorrer do século XX no território tradicional Xokleng; por fim, os indígenas partiram de uma aldeia formando outras oito, enfraquecendo a agência do povo e sua organização social, sendo levados ao deslocamento interno forçado – e até os dias atuais essa perambulação ainda não acabou”.

·         ACO 1100

As lideranças Xokleng aguardam, ainda, a conclusão do julgamento da Ação Cível Originária (ACO) 1100, que está paralisado desde junho deste ano, no STF. A interrupção do julgamento adia a conclusão do caso que envolve a disputa possessória da TI Ibirama-Laklãnõ.

O povo Xokleng espera, ansiosamente, há mais de uma década pela decisão dos ministros da Suprema Corte sobre a constitucionalidade da portaria que declara terra indígena o território por eles tradicionalmente ocupado, uma área de 37.108 hectares. A portaria foi emitida em 2003 pelo Ministério da Justiça (MJ).

Não há qualquer impedimento jurídico em relação à conclusão final da regularização do território Xokleng – já existindo, inclusive, Portaria Declaratória. Por isso, os indígenas, mais do que nunca, lutam pela homologação, demarcação e devolução de suas terras para a ocupação das áreas e construção de casas para as famílias desabrigadas e em áreas de risco.

 

Fonte: Eco Nordeste/De Olho nos Ruralistas/Cimi

 

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