Glifosato é apontado como provável causa da explosão de casos de
leucemia
Um estudo envolvendo diversos centros de pesquisa
estrangeiros sugere que a explosão de leucemia infantil pode ser explicada pelo
uso do glifosato, agrotóxico mais usado no mundo. Dados iniciais de um estudo
global sobre a substância (GGS, da sigla em inglês), divulgados nesta
quarta-feira (25), mostram que mesmo em doses baixíssimas, o herbicida causa
leucemia em ratos. E que metade das mortes dessas cobaias ocorreu em idade
precoce.
Só nos Estados Unidos, os casos de leucemia em
crianças e adolescentes aumentaram 35% desde 1975, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados
Unidos. E a cada ano, aumenta em torno de 1%. Esse
crescimento, aliás, responde em grande parte pelo aumento de casos de câncer
pediátrico em geral naquele país, da ordem de 0,5% anualmente, em média. Isso
no período de 2003 e 2019, segundo levantamento do mesmo órgão de saúde
publicado em julho no Journal of the National Cancer Institute,
importante publicação sobre o tema. A leucemia é agora, de longe, o câncer
mais comum em crianças.
“Quando você observa um aumento como esse – tão
rápido – em um curto período de tempo, muito provavelmente será impulsionado
por alguma exposição a fatores ambientais”, disse recentemente Catherine
Metayer, professora adjunta da Escola de Saúde Pública da Universidade da
Califórnia, em Berkeley.
Neste estudo global, de longa duração, os
pesquisadores diluíram em água o glifosato sozinho e duas formulações
comerciais, Roundup BioFlow (MON 52276) usado na União Europeia (UE), e Ranger
Pro (EPA 524-517), usado nos Estados Unidos, e ministratam a ratas prenhes. O
experimento continuou com os ratos nascidos, em doses diárias de 0,5, 5 e 50
mg/kg de peso corporal. Essas doses, aliás, são atualmente consideradas
seguras pelas agências reguladoras e correspondem à Dose Diária Aceitável (DDA)
da UE. E ao Nível de Efeito Adverso Não Observado (NOAEL) da UE para o
glifosato. Ou seja, concentrações aceitáveis para o caso de contaminação da
água de abastecimento.
·
Metade das mortes de cobaias
ocorreram antes de um ano
“Cerca de metade das mortes por leucemia observadas
em ratos expostos ao glifosato e herbicidas à base de glifosato ocorreram em
menos de um ano de vida. Por outro lado, nenhum caso de leucemia foi
observado com menos de um ano de idade em mais de 1.600 ratos estudados nas
últimas duas décadas pelo Programa Nacional de Toxicologia dos EUA (NTP) e pelo
Instituto Ramazzini”, disse Daniele Mandrioli, coordenadora do Estudo Global
sobre Glifosato e diretora do Instituto Ramazzini, em Bolonha, na Itália.
O GGS, que ela coordena, é o mais abrangente já
realizado sobre glifosato e herbicidas derivados. Seus dados subsidiam
órgãos governamentais e políticas públicas. Entre as linhas de pesquisa
estão os impactos da substância no surgimento de diversos tipos de câncer,
neurotoxicidade, efeitos multigeracionais, toxicidade de órgãos, desregulação
endócrina e toxicidade no desenvolvimento pré-natal. Vários artigos
revisados por pares do estudo serão publicados a
partir do início de 2024.
“Essas descobertas são de tanta relevância para a
saúde pública que decidimos que era vital apresentá-las agora, antes da
publicação. Os dados completos serão disponibilizados publicamente e
submetidos para publicação em revista científica nas próximas semanas”, disse
Daniele Mandrioli.
Em 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
classificou o glifosato perigoso para a saúde humana e “provável cancerígeno
para humanos”. A autorização do glifosato na União Europeia expira em 15 de
dezembro deste ano, e não há maioria entre os países pela renovação. A França,
maior potência agrícola do grupo, e a Alemanha, são sensíveis aos clamores
populares, contrários aos agrotóxicos. O eurodeputado Pascal Canfin, do grupo
Renew, partido de Emmanuel Macron, acusa o bloco de alinhamento com a indústria
química.
·
Tribunal dos EUA mandou
autoridades reavaliarem o glifosato
Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental
(EPA, na sigla em inglês), que não considera o glifosato canceríeno, está
reavaliando o registro. O processo foi determinado em junho de 2022, por um
tribunal federal de recursos. Segundo o tribunal, a EPA não avaliou de maneira
adequada se o princípio ativo causa câncer. Nos últimos anos, a suprema corte
do país já condenou a Bayer, que comprou a Monsanto, a indenizar vítimas do
glifosato, muitas delas por ter desenvolvido leucemia.
As conclusões do GGS sobre a toxicidade do
glifosato para o microbioma, que foram revistas por pares
e publicadas no final de 2022 e apresentadas ao Parlamento da
UE em 2023, também mostraram efeitos adversos em doses que são atualmente
consideradas seguras na UE (0,5 mg/kg pc/ dia, equivalente à Dose Diária
Aceitável na UE).
Anteriormente, o GGS publicou um estudo piloto
que mostrou toxicidade ao sistema endocrinológico e reprodutivo em ratos em
doses de glifosato atualmente consideradas seguras pelas agências reguladoras
nos Estados Unidos (1,75 mg/kg de peso corporal/dia). Estas descobertas
foram posteriormente confirmadas em uma população humana de mães e
recém-nascidos expostos ao glifosato durante a gravidez.
Coordenado pelo Instituto Ramazzini, o estudo
envolve cientistas da Europa, dos Estados Unidos e da América do Sul, o que dá
peso extra aos resultados. Participam pesquisadores da Escola de Medicina
Icahn em Mount Sinai, Universidade George Mason, Universidade de Bolonha,
Universidade de Copenhague, Boston College, Instituto Nacional Italiano de
Saúde, Universidade Federal do Paraná, Universidade da Califórnia em Santa Cruz
e Hospital São Martinho, de Gênova.
O GGS, que aponta relação com a leucemia, foi
financiado por crowdfunding e requer ainda mais apoio do
público para realizar análises de todos os dados que estão sendo coletados.
Fonte: RBA
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