sábado, 28 de outubro de 2023

As freiras sul-americanas que se recusam a deixar Gaza apesar dos bombardeios

As freiras peruanas María del Pilar e María del Perpetuo Socorro Llerena Vargas são missionárias na Igreja da Sagrada Família na cidade de Gaza, a única igreja católica naquele território palestino.

As freiras – que são gêmeas – são missionárias do Instituto do Verbo Encarnado (IVE) e, junto com freiras de outras congregações, elas tentam ajudar mais de 600 pessoas na igreja de Gaza, incluindo crianças deficientes, doentes e idosos em cadeiras de rodas.

Horas depois do ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro – que deixou mais de 1.400 mortos, segundo o governo israelense, e mais de 200 foram feitos reféns –, Israel lançou uma campanha de bombardeamentos sobre Gaza.

Isso deixou mais de 5 mil civis mortos, incluindo mais de 2 mil crianças, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, dirigido pelo Hamas.

O chefe da seção consular da Embaixada do Peru no Egito, Giancarlo Pedraza Ruiz, confirmou à BBC que a embaixada do Peru “realizou esforços para evacuar os peruanos e seus parentes estrangeiros de Gaza para o Egito”.

Pedraza Ruiz destacou que são nove pessoas no total: quatro peruanos, incluindo uma menina de seis anos, e seus familiares. Contudo, as duas freiras peruanas insistem que não sairão de Gaza.

>>>> A seguir, leia o que María del Pilar disse à BBC.

·         A senhora disse que a igreja não tem água encanada, nem eletricidade. Qual é a situação neste momento?

María del Pilar – Estão aqui cerca de 600 pessoas. Como o resto da cidade, não temos água. Mas temos um poço de água natural, usamos essa água para os banheiros e para lavar etc... não sabemos quanto tempo vai durar. E compramos água mineral para as pessoas beberem, pelo triplo do preço normal.

·         A senhora disse que compareceu ao funeral de 18 cristãos que morreram quando uma bomba atingiu a Igreja Ortodoxa de São Porfírio (Israel negou ter como alvo o edifício da igreja, e o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelense, Lior Hayat, disse à BBC que o que aconteceu foi “dano colateral” depois de Israel ter lançado “um ataque à infraestrutura do Hamas que estava muito perto da igreja”). Você poderia explicar o que aconteceu?

María del Pilar - Eles morreram por causa de um bombardeio israelense; um dos quartos onde dormiam desabou. E, como consequência, morreram muitos amigos cristãos, crianças que participavam ou vinham às nossas atividades paroquiais ou frequentavam a nossa escola.

Saí pela primeira vez desde o início de tudo isto para poder acompanhar as famílias cristãs no funeral, para consolá-las um pouco, embora saiba que é muito difícil.

·         Onde as vítimas foram enterradas?

María del Pilar – Cada igreja aqui tem seu cemitério.

·         Você mencionou que naquele funeral viu imagens que jamais serão apagadas da sua mente.

María del Pilar – Sim, infelizmente é verdade. Quando você vai a um funeral, sente a dor de um filho se despedindo de um pai. Bom, a dor dos pais que se despedem dos filhos é mais dolorosa. Há famílias nas quais todos – absolutamente todos – os seus filhos morreram. E eram crianças que conhecíamos. É muito doloroso.

·         Vocês têm comida? Porque só foi permitida a entrada de alguns caminhões com auxílio.

María del Pilar – Graças a Deus, o Patriarcado Latino está ajudando a nós e ao próprio povo. As duas igrejas, latina e ortodoxa, estão colaborando muito bem, e isso é uma grande bênção de Deus. Estamos comprando comida, comprando colchões. É muito caro, obviamente, mas graças a Deus temos comida.

BBC - Você também está abrigando pessoas que se refugiaram na igreja ortodoxa antes da explosão de 19 de outubro?

María del Pilar – Sim, algumas dessas pessoas decidiram vir até nós porque obviamente parte da estrutura desabou. Alguns deles vieram a nós.

·         O consulado do Peru no Egito confirmou que está tomando medidas para permitir a partida de cidadãos peruanos e suas famílias. A senhora está disposta a deixar Gaza?

María del Pilar - Não. Nos ligaram da embaixada do Peru em Israel. E depois da embaixada e consulado do Peru no Egito, e nos disseram que tinham todas as nossas informações, que estava tudo pronto na fronteira para o momento em que quiséssemos partir.

Mas em nenhum momento nos perguntaram o que pretendíamos fazer.

Não vamos abandonar nosso povo. Moro aqui há quatro anos e esta é a minha vida. Esta é a minha paróquia. Este é o meu povo e não vou sair daqui. Eles precisam da nossa ajuda.

·         Mesmo sabendo que os bombardeios aumentam o risco de morrer a cada dia...

María del Pilar – Sim, tenho plena consciência disso porque ouço os bombardeios. Acredito que todos aqui na paróquia têm consciência disso. Todos estes cristãos puderam ir para o sul, para tentar se salvar, mas nenhum deles quis ir. Todo mundo queria ficar em sua igreja. Em outras palavras, quiseram estar perto do Santíssimo Sacramento, perto de Deus, e sentir-se seguros aqui.

·         Israel lançou avisos para as pessoas no norte de Gaza alertando que aqueles que não forem para o sul do leito do rio Wadi Gaza correm o risco de serem consideradas “cúmplices de uma organização terrorista”. Qual é a realidade para quem está aí?

María del Pilar – Dentro da igreja, há crianças deficientes.

As pessoas vieram em cadeiras de rodas, temos idosos e muitos deles não conseguem andar. Temos uma pessoa doente com câncer que fez uma cirurgia no cérebro. E temos alguns feridos da paróquia ortodoxa que estão sendo tratados aqui porque entre os refugiados também temos médicos.

Obviamente, como você poderia levar 600 pessoas, incluindo crianças, doentes e idosos? Nós não podemos. Isso realmente não pode ser feito.

E acredito que esta é uma razão humanitária que eles podem compreender, que podem compreender que não podemos nos mover.

Queremos paz, só queremos paz. Para isso temos que orar muito. O Papa convocou um dia de oração (para sexta-feira, 27 de outubro). Acredito que é hora de todos nós nos unirmos neste grande pedido de orar pela paz.

 

Ø  Brasileiros em Gaza: Grupos estão nas cidades que registraram mais mortes em 24 horas

 

Os grupos de brasileiros na Faixa de Gaza estão localizados nas cidades com mais números de mortes nas últimas 24 horas: Rafah e Khan Yunis, ao Sul do território. As informações são do último boletim do Escritório para Assuntos Humanitários das Nações Unidas (Ocha), divulgado na manhã desta sexta-feira (27).

De acordo com o documento, 52 pessoas morreram nessas regiões, sendo 40 em Khan Yunis e 12 em Rafah, incluindo cinco crianças. 

O grupo de brasileiros conta com 32 pessoas, metade em Rafah (8 crianças, 4 mulheres e 4 homens) e a outra metade em Khan Yunis (9 crianças, 5 mulheres e 2 homens). Há 20 dias, eles esperam autorização do Egito para atravessar a fronteira. O governo brasileiro insiste na negociação e já tem aeronaves prontas para o resgate há mais de uma semana.

O governo egípcio, por meio do chefe do Serviço de Informação do Estado, Diaa Rashwan, argumenta que a saída de estrangeiros ainda não é segura. Israel bombardeia intensamente tanto o Norte quanto o Sul de Gaza, onde está localizada a fronteira com o Egito. 

·         Ajuda humanitária 

A crise humanitária em Gaza só aumenta. Apenas nesta semana a entrada de caminhões da ONU foi permitida por Israel. Ainda assim, a organização afirma que a quantidade não é suficiente e os riscos de faltar alimento e água se intensificam. 

No último domingo (22), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertou que 120 bebês incubados podem morrer por falta de combustível para os geradores de energia elétrica na Faixa de Gaza. 

 

Ø  Israel afirma que ONU apoia terroristas e bloqueia acesso da entidade a Gaza

 

Após bombardear torres de comunicação, limitar o acesso a internet dos palestinos em Gaza e comandar o dia mais hostil de ataques aéreos contra a região, o governo israelense está dificultando a entrega de ajuda humanitária da ONU para civis.

As Nações Unidas emitiram uma nota pedindo que Israel cesse os ataques brevemente para a passagem de ajuda humanitária, incluindo combustível, essencial para alimentar os geradores dos hospitais em Gaza.

Israel deu um sincero "dane-se" para a ONU. Em nota da representação israelense na ONU, fica evidente a postura da diplomacia do regime Netanyahu:

"O que faz a ONU para evitar que o Hamas desvie combustível, comida e medicamentos? O que faz a ONU para evitar que o Hamas dispare indiscriminadamente foguetes de edifícios da ONU, mesquitas e infraestruturas civis, enquanto utiliza palestinos como escudos humanos?", afirma. "A resposta é simples: nada - ela permanece em silêncio, como tem feito há décadas!"

"Israel está em guerra com o Hamas, uma organização terrorista genocida. Isso não é uma guerra com os palestinos. Isso não é punição coletiva. Israel faz o máximo para proteger os civis e mitigar danos a eles".

Israel matou mais de 3 mil crianças palestinas desde o dia 7 de outubro de 2022 e outros 4 mil civis palestinos, incluindo mulheres e idosos. 433 bebês foram mortos.

"O Direito Internacional Humanitário continua sendo o livro de referência das Forças de Defesa de Israel, apesar da brutalidade do Hamas e do escudo que a ONU lhes proporciona", afirma Israel, que bombardeou hospitais, escolas e assassinou jornalistas em Gaza.

·         A ONU implora por misericórdia 

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, tem pedido clemência de Israel em favor do apoio humanitário da organização aos civis de Gaza.

"Repito meu apelo por um cessar-fogo humanitário, pela libertação incondicional de todos os reféns e pela entrega de suprimentos que salvam vidas na escala necessária", disse ele.

Guterres advertiu que, sem uma mudança fundamental com cessar-fogo, o povo de Gaza enfrentará uma avalanche sem precedentes de sofrimento humano.

"Todos devem assumir suas responsabilidades. Este é um momento de verdade. A história está nos julgando a todos", afirmou o português.

 

Ø  Israel destruiu mais de 115 unidades de saúde em Gaza nos últimos dias

 

Na terça-feira, as forças militares do Estado de Israel bombardearam um hospital Al-Ahli Arabi na cidade de Gaza. Um verdadeiro crime de guerra, que se insere no massacre que o Estado liderado por Benjamin Netanyahu tem levado a cabo contra a população palestina. As imagens deste ataque não deixaram ninguém indiferente. Esta ação custou a vida a pelo menos 500 pessoas, muitas delas crianças e mulheres que procuravam nas proximidades deste hospital um local seguro para se refugiarem dos constantes bombardeamentos a que Israel tem sujeito o povo palestiniano.

Na conferência de imprensa realizada no próprio hospital, horas depois do massacre, o Dr. Ghassan Abu Sitta, um palestino britânico, apareceu às portas do hospital atacado. Ele disse que chegou naquela manhã de terça-feira ao hospital Al-Ahli al Arabi de Shifa devido à sobrecarga de pacientes naquele centro. Depois de operar o dia todo, ele decidiu passar a noite ali. A explosão, segundo seu depoimento, fez cair o teto das salas de cirurgia. Ao sair, encontrou dezenas de corpos empilhados, “alguns de crianças mortas, outros ainda em movimento”.

Esse hospital, segundo a ONU, foi um dos 20 no norte de Gaza que Israel deu ordem de evacuação, mas segundo fontes da Organização Mundial da Saúde (OMS) “tem sido impossível dada a atual insegurança, o estado crítico de muitos pacientes e a falta de ambulâncias, pessoal, capacidade de leitos do sistema de saúde e abrigo alternativo para os deslocados”.

Infelizmente, este hospital não foi o único que sofreu ataques. Antes da explosão em Al Ahli, a ONU já tinha documentado 57 ataques a unidades de saúde e hospitais em Gaza, com danos em 26 hospitais e outras infraestruturas e um total de 16 trabalhadores da saúde mortos. Alguns deles totalmente destrutivos. Pelo menos outros quatro hospitais em Gaza pararam completamente de funcionar devido aos “bombardeios contínuos” de Israel, segundo o porta-voz do Ministério da Saúde da Palestina, Ashraf al Qudra, na quinta-feira.

Numa declaração televisiva, Al Qudra especificou que os centros de saúde afetados são os hospitais de Beit Hanun, Al Durra, Al Karama e o Hospital Internacional de Oftalmologia na cidade de Gaza.

Além dos bombardeios e dos danos diretos às infra-estruturas devemos acrescentar a falta de materiais e insumos que limita a capacidade de intervenção dos serviços de saúde em Gaza. Os poucos centros que continuam a funcionar no norte do território estão sob extrema pressão. O acesso restrito à eletricidade e à água e um contexto de cerco em que não há materiais, insumos ou alimentos tornam o trabalho nos hospitais extremamente complexo.

Uma situação que têm de enfrentar num contexto de crise humanitária de grande escala em que entre 800 e 1.000 pessoas ficam feridas todos os dias, número que inclui apenas aqueles que conseguem chegar a um hospital e estão registados. O acesso às unidades de saúde é perigoso e complicado pela escassez de gasolina; apenas os pacientes mais gravemente doentes procuram cuidados hospitalares. Todos estes pacientes internados em hospitais e centros de saúde não podem ser tratados dada a escassez de recursos e as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde. Guillemette Thomas, coordenadora médica de Médicos Sem Fronteiras (MSF) para os Territórios Palestinos Ocupados, disse: “Temo que essas pessoas corram sério risco de morrer nas próximas horas porque está se tornando impossível receber cuidados médicos”.

A ajuda humanitária está bloqueada há dias nas portas da passagem de Rafah, entre o Egipto e Gaza. A ONU não prevê que qualquer comboio consiga aceder a Gaza até sábado devido ao bloqueio de Israel e à cumplicidade do Egipto e da União Europeia, que mantêm a supervisão da passagem. Uma verdadeira situação de asfixia para a população palestiniana que expressa o carácter de genocídio do povo palestiniano.

O castigo a que está sujeita a população palestiniana adquiriu conotações selvagens mesmo dentro dos parâmetros de uma guerra, algo que numerosas organizações internacionais têm vindo a denunciar. Nesta mesma quinta-feira, o jornal britânico The Guardian publicou uma coluna de Dhananjayan Sriskandarajah, diretor executivo da Oxfam na Grã-Bretanha, denunciando a situação na Faixa de Gaza. Aí ele salienta que “o que está a acontecer hoje em Gaza não tem precedentes ",nenhum fato justifica a punição colectiva de 2 milhões de pessoas ou nega a responsabilidade de Israel em satisfazer estas necessidades básicas dos civis”. Ao mesmo tempo, relativamente ao bombardeamento do hospital em Gaza, salienta que "a perda de pelo menos 500 vidas é a prova de que um hediondo crime de guerra foi cometido através de ataques deliberados contra infra-estruturas civis, ou é a prova de que em tal num lugar densamente povoado como Gaza, é absolutamente impossível minimizar a perda de vidas civis."

No contexto da guerra, os ataques dirigidos à população civil ou a determinados edifícios ou bens civis, como hospitais, bem como ao pessoal de saúde, são regulados pelo Direito Internacional Humanitário e são classificados como crimes de guerra. Algo que Israel não se preocupou esconder, exceto Al Ahl. Israel tem o apoio dos estados imperialistas europeus e dos Estados Unidos para continuar a perpetrar o genocídio do povo palestiniano. O direito internacional é letra morta e uma verdadeira hipocrisia, a mesma que vemos nos responsáveis ​​por governos e instituições como a União Europeia quando dão total apoio às ações de Israel e, ao mesmo tempo, lamentam atos como o de o hospital Al-Ahli.

Confrontados com a hipocrisia dos estados alinhados com o genocida Netanyahu, os profissionais de saúde de todo o mundo denunciam o criminoso Estado de Israel e exigem o fim dos bombardeamentos. Nesta mesma semana, os profissionais de saúde na cidade de Nova Iorque começaram a divulgar uma declaração de solidariedade e apoio ao povo palestiniano face aos ataques brutais que sofrem por parte do Estado de Israel. Apelam a outros trabalhadores, sindicatos, voluntários, estudantes e organizações da área da saúde para difundirem e assinarem a declaração.

Milhares de trabalhadores de todos os setores, muitos deles profissionais de saúde, também saem às ruas e se juntam às manifestações convocadas em todo o mundo para denunciar o massacre do povo palestiniano.

 

Fonte: BBC World Service/Fórum/Esquerda Diário

 

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