'Blindagem' a Bolsonaro e implosão da Lava Jato marcaram PGR sob o
comando de Augusto Aras
O segundo mandato do procurador-geral da República,
Augusto Aras, se encerrou nesta terça-feira, 26, sem que o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) tenha escolhido um novo nome para o principal posto
no Ministério Público.
Desde que Lula assumiu a Presidência, Aras
trabalhou pela recondução ao cargo, embora não seja algo comum o mesmo PGR
passar três gestões na cadeira - não há na Constituição uma limitação de
mandatos. Isso porque é o presidente da República que tem o poder de escolher
quem será o PGR.
Para o mandato de dois anos, os únicos requisitos
previstos na lei são que o candidato seja membro do Ministério Público Federal
(MPF) e tenha pelo menos 35 anos. Aras chegou a ser elogiado por Jaques Wagner
(PT-BA), líder do governo no Senado. O parlamentar disse que o procurador
prestou um "serviço importante para o Brasil".
Na semana passada, na sua última sessão no Supremo
Tribunal Federal (STF), o PGR fez um desagravo a si mesmo dizendo que foi alvo
de "incompreensões e falsas narrativas" quando acusado de alinhamento
ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Paralelo a isso, no canal do YouTube do
MPF, Aras tem publicado uma série de vídeos intitulada "Principais
resultados da gestão de Augusto Aras à frente do MPF", nos quais, em
alguns minutos, mostra seus próprios feitos no cargo.
Lula ainda não revelou qual será a sua escolha. Os
subprocuradores Paulo Gustavo Gonet Branco e Antonio Carlos Bigonha são os
favoritos até o momento. Gonet atua em casos eleitorais e representou o MPF no
julgamento que tornou Bolsonaro inelegível. Ele disse que o ex-presidente agiu
para "degradar ardilosamente" a democracia. Já Bigonha é o escolhido
da cúpula do PT e tem amizade com José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e com
José Genoíno, ex-presidente da legenda.
• Lista
tríplice começou em Lula I e pode terminar em Lula III
Desde 2001, a Associação Nacional dos Procuradores
da República (ANPR) elabora uma lista tríplice com sugestões de nomes para a
escolha do presidente. A listagem foi aceita pela primeira vez em 2003, por
Lula, em seu primeiro mandato, quando ele escolheu Cláudio Lemos Fonteles como
procurador-geral da República.
A primeira vez que a lista foi rejeitada foi em
2019, quando Bolsonaro escolheu Augusto Aras, um nome de fora das indicações.
Dois anos mais tarde, em setembro de 2021, o PGR foi reconduzido ao cargo.
Os subprocuradores Luiza Frischeisen, Mario
Bonsaglia e José Adonis Callou de Araújo Sá são os três indicados pela ANPR. Em
entrevistas, Lula já disse que não deverá seguir a lista tríplice deste ano.
Frischeisen já havia sido indicada quando Bolsonaro decidiu reconduzir Aras.
• Relação
próxima de Jair Bolsonaro
O que mais pesou contra uma recondução de Augusto
Aras ao cargo de procurador-geral da República foi o apoio prestado a Bolsonaro
durante seu mandato na Presidência. Esse é o principal ponto de divergência
entre petistas a respeito do nome do procurador.
Durante a sua gestão, Aras agiu para suspender e
arquivar várias investigações que colocaram Bolsonaro em xeque. Uma das
principais é o inquérito das fake news. Depois de pedir, em outubro de 2019, o
prosseguimento das investigações, meses mais tarde, em maio de 2020, logo
depois da uma operação que apreendeu celulares de investigados, o PGR mudou de
ideia. Ele pediu ao ministro Edson Fachin que o inquérito fosse suspenso,
"para garantir a segurança jurídica" dos atos praticados.
Outro caso emblemático foi um parecer que Aras
elaborou em abril de 2020, nas primeiras semanas da pandemia, defendendo que
Bolsonaro pudesse decidir sobre as medidas de isolamento social. O gesto
confrontava o entendimento de Luís Roberto Barroso, de que o País deveria
seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde.
• Operação
Lava Jato
Um dos pontos que favorecia uma recondução de Aras
ao cargo foi o fim da operação Lava Jato. Como autoridade máxima do MPF, o
procurador usou a sua atribuição de decidir sobre a organização das
forças-tarefas e extinguiu a de Curitiba. Os processos em trâmite e as
investigações permaneceram na mesma jurisdição - a 13ª Vara Federal -, mas foram
integradas ao Curitiba ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado (Gaeco).
A atuação de Lindôra foi decisiva para o
sepultamento da força-tarefa. Ela visitou os gabinetes de Curitiba e exigiu
acesso a documentos importantes da operação, abrindo uma crise interna.
Procuradores levaram o episódio a Brasília, mas não tiveram êxito em afastar os
olhares da vice-procuradora-geral.
Resta saber se todos eles terão a disposição que o
procurador-geral demonstrou nesses 4 anos, para enfrentar e desestruturar as
bases do lavajatismo enquanto recebia ao revés uma chuva de projéteis traçantes
iluminados por um jornalismo alimentado pelo denuncismo atroz e acrítico —
Augusto Aras (@AugustoAras) July 9, 2023
Com o fim da operação, os profissionais que nela
atuavam com exclusividade retornaram às suas antigas atribuições e tanto os
processos quanto os inquéritos foram para a "vala comum" da Justiça
Federal. Nas redes sociais, mais de uma vez, Aras relembrou o feito como um
gesto positivo da sua gestão, atribuindo a si o mérito de ter solapado o
"lavajatismo".
Um exemplo dessas situações foi em julho. Ao
compartilhar uma notícia sobre a sucessão na PGR, Aras escreveu sobre os outros
candidatos: "Resta saber se todos eles (candidatos à PGR) terão a disposição
que o procurador-geral demonstrou nesses 4 anos, para enfrentar e desestruturar
as bases do lavajatismo".
<><> Augusto Aras diz adeus à PGR
O mandato de Augusto Aras à frente da
Procuradoria-Geral da República (PGR) encerrou nesta terça-feira, 26, depois de
quatro anos marcados por polêmicas.
Indicado fora da lista tríplice da Associação
Nacional dos Procuradores da República (ANPR) por Jair Bolsonaro (PL), Aras tem
sido alvo de críticas da oposição ao ex-presidente por supostamente protegê-lo
ao não dar andamento a denúncias como as investigações da CPI da Covid ou
indícios de corrupção na saúde e educação durante o governo anterior.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não
indicou um sucessor para o principal cargo do Ministério Público. Seja qual for
o nome, ele será o responsável por pedir a abertura de investigações contra o
próprio Lula, como Aras foi para Bolsonaro.
Entre especulações sobre a recondução de Aras ao
posto e dúvidas se Lula seguirá a lista tríplice da Associação dos Procuradores,
o cargo deverá ser ocupado interinamente pela subprocuradora-geral Elizeta
Maria de Paiva Ramos a partir da quarta-feira, 27.
• Quem
deve ocupar a cadeira de Aras na PGR?
As especulações sobre quem será o novo
procurador-geral da República começam pela lista tríplice apresentada pela
Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Tradicionalmente, a organização elege três
procuradores do Ministério Público Federal e, entre eles, o presidente escolhe
quem deve ocupar a cadeira para um mandato de dois anos.
O órgão anunciou, ainda no final de junho, que o
pleito interno teve como eleitos os subprocuradores-gerais da República Luiza
Frischeisen (647 votos), Mario Bonsaglia (636) e Nicolao Dino (587).
Seguir a indicação do MPF é uma prática tradicional,
esperada do presidente da República, mas não é uma obrigação, como mostrado
pelo ex-presidente Bolsonaro, que inaugurou a prática de ignorar a lista em
2019, ao indicar Aras para substituir a procuradora Raquel Dodge. Fez o mesmo
em 2021, ao reconduzir o PGR para o cargo.
Tanto Luiza Frischeisen quanto Mario Bonsaglia já
ocuparam o primeiro lugar de listas tríplices encaminhadas à Presidência da
República durante o mandato de Bolsonaro.
Luiza foi a primeira escolha da classe em eleição
realizada em 2021. Bonsaglia, em 2019. Em ambos os anos, o então presidente
ignorou a indicação e colocou Aras na PGR.
Há indicativos de que Lula também não seguirá a
lista tríplice. Em março deste ano, o presidente disse em uma entrevista que a
escolha será pessoal. Já em julho, o líder do PT no Senado, Jaques Wagner (BA),
afirmou que "não tem lista para a PGR, a decisão é do presidente
Lula".
Wagner também elogiou Aras, sinalizando que há
possibilidade de recondução ao cargo. "Prestou importante serviço ao
Brasil", disse o senador.
A ideia é criticada por aliados de Lula e por
membros do governo. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que uma
possível recondução do PGR seria um "desastre".
Como mostrou a Coluna do Estadão, há um quarto
nome, fora da lista tríplice, que disputa o cargo. É o subprocurador Carlos
Frederico Santos, responsável pelo oferecimento das denúncias criminais contra
os manifestantes do 8 de Janeiro, quando as sedes dos Três Poderes em Brasília
foram atacadas.
Outro nome especulado para o cargo é o do
procurador Antonio Carlos Bigonha, pianista e compositor que já teve canções
gravadas por Nana Caymmi. Como mostrado pelo Estadão, ele aparece como um
favorito da cúpula do PT para ocupar cadeira de Aras e é e amigo de José
Genoino e José Dirceu.
• Suposto
alinhamento ao governo Bolsonaro
Durante seu período à frente da PGR, Aras sofreu
duras críticas dos opositores de Bolsonaro sobre um suposto favorecimento ao
então presidente. Ao indicar o procurador, Bolsonaro chegou a dizer que ele
seria a "rainha" no xadrez de seu governo. Na prática: a peça mais
poderosa na defesa do "rei".
A Procuradoria-Geral da República é, pela lei, a
única entidade com o poder de oferecer denúncias contra um presidente e, sob
comando de Aras, o órgão chegou a arquivar mais de 100 pedidos de investigação
contra Bolsonaro.
Entre eles, estavam os pedidos originados na CPI da
Covid, que investigou a conduta de Bolsonaro durante a crise da pandemia. Aras
também realizou apenas "procedimentos preliminares" em casos em que
havia indícios de corrupção na saúde e educação, por exemplo.
Mesmo em seu próprio ambiente, o chefe do
Ministério Público Federal enfrentou contestações. Procuradores da cúpula da
instituição o questionaram frequentemente sobre seus métodos na condução da PGR
em tempos beligerantes.
Depois da posse de Lula, Aras fez acenos ao governo
atual, enfatizando seu trabalho para "enfrentar e desestruturar as bases
do lavajatismo", responsável pela prisão do presidente, além de reforçar
que a PGR foi ativa, ainda que "estrategicamente discreta", na
proteção da democracia.
Aras responde às críticas afirmando que a PGR não é
um órgão político e que foi incompreendido: 'Nossa missão não é caminhar pela
direita ou pela esquerda".
"Os desafios, avolumados com o advento da pandemia,
foram adicionalmente cercados por incompreensões e falsas narrativas,
dissonantes com o trabalho realizado", afirmou, em artigo publicado no
Estadão na edição de sábado, 23.
"Parte das incompreensões deve-se à equivocada
expectativa de o Ministério Público protagonizar ou mesmo apoiar projetos
partidários", acrescentou o PGR, em sua última semana no cargo.
Em seu artigo, Aras também destacou o que avalia
importante em sua gestão à frente da Procuradoria. 'Substituímos o modelo
precário de forças-tarefa por 27 Gaecos federais, os quais atualmente vêm
conduzindo mais de 200 investigações complexas.
Firmamos 37 acordos de colaboração premiada,
negociamos o pagamento de mais de R$ 5 bilhões em multas, abrimos dezenas de
novas investigações, denunciamos responsáveis por crimes diversos: corrupção,
tentativa de abolição do Estado Democrático, organização criminosa', relatou.
Indicou ainda ações no período da pandemia de Covid
19, narrando que 'uma experiência inédita de coordenação nacional e conexão
intra e interinstitucional salvou milhares de vidas, inclusive com a destinação
de mais de R$ 4 bilhões. Evitamos a judicialização de milhares de casos, sem
descuidar do combate aos desvios de recursos públicos. Tivemos um papel
destacado nos momentos mais críticos da pandemia, como a falta de oxigênio em
Manaus'.
Aras apontou também 'um olhar firme na defesa da
dignidade da pessoa humana, especialmente das mulheres, gestantes e lactantes'.
A PGR instituiu a Ouvidoria Nacional da Mulher e lançou o Movimento Nacional em
Defesa das Vítimas.
'Fomos os promotores de uma campanha de combate ao
discurso de ódio da mesma forma que combatemos abusos e defendemos o Estado
Democrático de Direito', afirma ainda o procurador.
Aras
deixa a PGR com apenas 19 processos judiciais
O procurador-geral da República, Augusto Aras,
encerra, nesta terça-feira (26), seu mandato na Procuradoria-Geral da República
(PGR), deixando os acervos das assessorias sob sua condução tecnicamente zerados.
Segundo o relatório do biênio, Aras deixa a
procuradoria com apenas 19 processos judiciais nas assessorias a ele
subordinadas. Elas são responsáveis pelos processos de controle concentrado,
precedentes qualificados, trabalhistas e demais processos de competência do
Plenário do STF, com exceção dos processos criminais.
Para Aras, concluir a gestão com recordes de acervo
reduzido em todas as frentes de atuação é motivo de comemoração e resume a
sensação de dever cumprido. “Trabalhamos diuturnamente para cumprir o dever
constitucional do Ministério Público de servir e bem servir ao público, ao povo
e a todos os brasileiros”, resume. A redução de acervo foi possível mesmo com
um aumento também recorde de ajuizamento de novas ações. Havia um número expressivo
de representações de inconstitucionalidade aguardando análise do PGR (820 no
início da gestão), o que resultou em 475 novos ajuizamentos. Hoje há apenas 27
representações para exame.
A atuação criminal, nos dois biênios de Augusto
Aras, foi delegada ao vice-procurador geral da República, posto ocupado por
Bonifácio Andrada, Humberto Jacques e Lindôra Araújo. Nessa frente, o acervo
recebido foi de 432 processos, sendo agora de 291.
O esforço para manter o trabalho em dia foi uma das
diretrizes de Aras desde o início da gestão, em 26 de setembro de 2019. A
redução de acervo foi possível graças a implantação de nova metodologia de
trabalho no Gabinete do procurador-geral. As assessorias temáticas e estruturas
de apoio ao gabinete antes existentes foram remodeladas e fortalecidas,
passando a contar com equipes especializadas em cada uma das temáticas.
Além do reforço nas equipes, foi implantada uma
metodologia inovadora para controlar toda a atuação em processos judiciais.
Despachos semanais do PGR com cada uma das assessorias temáticas sob sua
coordenação direta, além do mapeamento e compartilhamento diário dos casos já
despachados com o procurador-geral da República entre unidades, permitiram
debelar o acervo e manter a uniformidade e coerência entre pareceres, petições
iniciais e recursos. Esse trabalho teve como resultado a edição de um ementário
geral de pareceres, recursos e petições iniciais, objeto da publicação
Ementário Jurídico. A publicação reúne mais de quatro mil posicionamentos
defendidos perante o Supremo Tribunal Federal, boa parte deles acolhidos pela
Corte.
Os processos de competência das duas turmas do STF
foram delegados a seis subprocuradores-gerais, que são hoje os
subprocuradores-Gerais da República Wagner Natal Batista, Claudia Sampaio Marques,
Maria Caetana Cintra Santos, Alcides Martins, Juliano Baiocchi e Luiz Augusto
Santos Lima. Esses procuradores têm hoje reunidos um acervo total de 140
processos aguardando manifestação. Eram 566 em 2019.
Uma das inovações nos processos de competência das
Turmas do STF foi a estruturação da Assessoria Jurídica Trabalhista, que conta
com procuradores de carreira do MPT. Diretamente subordinada a Aras, passou
pela assessoria todos os processos afetos à matéria trabalhista, tanto de
competência do Plenário quanto das turmas. A assessoria zerou o acervo.
Outra assessoria que conseguiu zerar o acervo foi a
Assessoria de Gestão de Precedentes Qualificados, outra estrutura criada por
Aras para dar um tratamento especializado sobretudo aos recursos extraordinários
com repercussão geral. Quando criada, a assessoria reuniu cerca de 33 processos
pendentes de exame, na maioria de alta complexidade.
Pelo Gabinete do PGR passam ainda os processos do
Superior Tribunal de Justiça de competência da Corte Superior e da Presidência,
sobretudo processos criminais, sentenças estrangeiras e cartas rogatórias, que
foram delegados ao Subprocurador-Geral da República Carlos Frederico Santos.
O aprimoramento das ferramentas de extração de
dados dos sistemas também tiveram um grande avanço, resultando na página MPF em
números. Especificamente quanto ao Gabinete do PGR, a linha histórica de acervo
mês a mês dos processos do Supremo Tribunal Federal em tramitação na PGR,
considerados os dados registrados desde 2014, revelam redução de acervo em
todas as frentes.
Fonte: Agencia Estado/Jornal de Brasilia
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