A qualidade subestimada que é vital para sucesso profissional, segundo
neurocientista de Harvard
"Mais do que nunca, é importante ter noção do
próprio lugar na vida profissional, ainda mais que, principalmente depois da
pandemia, os ambientes de trabalho mudaram muito."
É assim que Juliette Han, neurocientista e
especialista em relações no ambiente de escritório, resume a importância da
autoconsciência no trabalho.
Han é uma neurocientista de Harvard e professora de
Administração da Columbia University que nos últimos anos vem pesquisando o
funcionamento da mente no ambiente de trabalho, buscando desenvolver novas
ferramentas para melhorar o desempenho humano.
De acordo com Han, entender a fundo o lugar que se
ocupa dentro de uma empresa é fundamental para ter sucesso, mas esse
conhecimento, acima de tudo, serve para estabelecer metas e estratégias.
"Nossa pesquisa indica que trabalhar a
autoconsciência estimula a criatividade, ajuda a tomar melhores decisões, a se
comunicar melhor e construir relacionamentos mais sólidos", diz.
No entanto, se trata de uma habilidade pouco
conhecida e, portanto, pouco desenvolvida.
A BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol
da BBC) conversou com Han sobre essa e outras questões relacionadas ao
desenvolvimento profissional dentro do local de trabalho.
• Antes
de começar a falar sobre autoconsciência no trabalho, seria interessante
definirmos o que é um local de trabalho hoje em dia, e como ele influencia a
mente.
Juliette Han - Bem, essa é uma pergunta muito boa,
porque tinha uma resposta muito clara antes da pandemia de covid-19, quando o
normal era se ter um escritório ou um lugar específico onde trabalhar.
Para a maioria das pessoas existia um lugar onde ir
para trabalhar, e assim receber seu pagamento no final do mês. Ou seja, na
nossa cabeça existia uma ideia concreta do que é um local de trabalho.
Mas, depois da pandemia, esse conceito se
transformou. Hoje em dia, muita gente trabalha em modelo híbrido, outros são
nômades digitais, muitos se tornaram freelancers e os espaços de trabalho
compartilhado são cada vez mais comuns.
Portanto, assim como existem diferentes tipos de
escritório, a definição de trabalho também mudou. Para dar uma ideia, os
criadores de conteúdo, que trabalham por conta própria e sem horários, são
vistos como um motor da economia.
Portanto, a definição de local de trabalho mudou
totalmente. Antes era basicamente um lugar concreto, estabelecido como tal pela
empresa, ou por um prédio, e agora muita gente consegue adaptá-lo ao seu estilo
de vida.
• Considerando
essa mudança, como o local de trabalho afeta as pessoas hoje em dia?
Han - Acho que há mais uma mudança para levar em
consideração, e é a mudança geracional. Para além das transformações causadas
pelo trabalho remoto, ou pela inteligência artificial, ficou evidente que a
própria ideia de trabalho também mudou muito.
Para as gerações dos nossos pais, os chamados “baby
boomers”, trabalho significava receber uma compensação financeira, e dessa
forma progredir na vida.
Era só isso que importava, e a opinião dos
trabalhadores sobre o escritório nem era levada em conta, mesmo que o espaço os
pudesse afetar seriamente de várias formas.
Mas, atualmente, a nossa relação com o local de
trabalho e como ele pode influenciar nosso desempenho e nossas metas importa, e
muito. Agora temos mais consciência daquilo que nos rodeia.
E também das pessoas ao redor. Reforço que muito
disso veio à tona após a covid. Só para dar um exemplo: a questão das vacinas.
Muita gente foi seriamente afetada por ter colegas negacionistas das vacinas. E
vice-versa: muitos acabaram sendo isolados ou afetados porque seus pares não
compartilhavam suas crenças.
Por isso, uma das mudanças mais radicais
decorrentes da pandemia seja talvez a relação das pessoas com seu local de
trabalho, e com o próprio trabalho feito em troca de compensação financeira.
• Por
isso você aponta que, em meio a tantas transformações, a autoconsciência é uma
habilidade fundamental para o trabalho, mas, o que significa autoconsciência
neste caso?
Han -A autoconsciência sempre foi tida como uma
qualidade, e o que quero dizer é que costumava-se pensar que uma pessoa podia
ser naturalmente mais ou menos consciente de seu lugar no ambiente de trabalho.
Mas, pessoalmente, acredito que essa convicção era
uma maneira de desculpar certas falhas, ou até que servia para justificar um
desempenho fraco.
Eu acho que prestar muita atenção ao nosso ambiente
de trabalho, ao que nos rodeia, é uma habilidade real que a gente pode colocar
em prática tendo nascido com ela ou não.
Acho que a autoconsciência é algo que se pode tanto
aprender como ensinar. E eu enfatizo muito isso porque já vi muita gente achar
que sabe o que é autoconsciência. Já conheci pessoas que, já que a palavra tem
o prefixo “auto”, acham que se trata apenas de olhar para si mesmo: ver se são
bons nisso, ou ruins naquilo.
Mas o que realmente importa não é só saber como se
é, mas qual a própria relevância no ambiente. Isso vale para muitas situações,
mas aqui estamos falando da vida profissional.
É mais do que autoconhecimento. É sobre conhecer a
si mesmo, mas também o ambiente e o lugar que se ocupa nesse ambiente. Isso é
autoconsciência.
E a segunda parte da definição mostra como aplicar
esse conhecimento para executar ações diferentes, ou que influem de forma
diferente sobre os objetivos e metas determinados pela pessoa ou por seus
superiores. Para deixar claro que essa pessoa não é como as outras.
Além disso, a autoconsciência é fundamental para
entender o efeito das próprias ações no local de trabalho. Ou seja, para poder
ter empatia com colegas e chefes.
O que isso quer dizer? Que não se trata de
sentimentos pessoais, mas de entender o que se espera de nós e como podemos
executá-lo da melhor forma.
Por isso é importante entender o escopo da
autoconsciência no local de trabalho, na empresa ou organização e, acima de
tudo, repito, entender que não é uma reflexão interna, mas uma reflexão pessoal
focada em fazer a diferença no nosso ambiente de trabalho.
• Mas
você disse que essa habilidade é muito subestimada, por que razão?
Han -Primeiro porque, como disse, não entendemos a
importância de se ter clareza sobre nosso papel dentro de uma empresa ou no
trabalho. Acredito que a maioria das pessoas não faz uma avaliação interna para
entender seu lugar ou não pensa o suficiente sobre quem de fato é. Pensam
apenas sobre o lado exterior.
Vamos pensar em exemplos gerais, relevantes para os
padrões sociais, como precisar ganhar um tanto de dinheiro, precisar ser feliz,
precisar parecer isto ou aquilo. Como vemos, são fatores externos, e sem
autoconsciência não há reflexão real sobre por que se desejam essas coisas ou
sobre como alcançá-las.
Por isso digo que é uma habilidade subestimada,
porque muito se fala em adquirir novas habilidades e aprendizados mas as
pessoas, em geral, não pensam em termos de “ok, tal coisa precisa ser feita,
mas por onde eu começo, quais são os meus pontos fortes, meus pontos fracos,
como é o ambiente em que circulo?”.
• Você
enfatiza que a autoconsciência ou auto-realização não só podem ser aprendidas,
mas também aprimoradas…
Han - Exato. E essa é uma das suas principais
vantagens, alavancar o crescimento pessoal.
• Uma
de suas dicas para desenvolver a autoconsciência tem a ver com pedir feedback,
pedir críticas construtivas, coisas que outros autores consideram uma
"falácia"...
Han - É complicado. Mas vamos começar por algo que
se ouve há muitos anos, que o feedback é um presente. E é um presente que deve
ser aceito mesmo sem gostar nem precisar.
• Mas,
neste caso, pode até ser um presente, mas isso não significa que somos
obrigados a ficar com ele, certo?
Han - Bem, é aí que entra a questão da
autoconsciência e da crítica construtiva.
Quem recebe o feedback pode escolher mantê-lo e
incorporá-lo ao seu desempenho ou recusá-lo. A noção geral que a pessoa tem de
si mesma e do seu comportamento no ambiente profissional é o que vai permitir
aproveitar ou não uma observação sobre seu trabalho.
E é uma decisão tomada inteiramente com base no que
se deseja alcançar nesse local de trabalho.
Se, por exemplo, o Steve Jobs tivesse trabalhado em
um escritório de advocacia e recebesse um feedback negativo por não se dedicar
o suficiente ao trabalho jurídico, ele iria passar a dedicar seu tempo a
processos judiciais quando sua verdadeira vocação era criar os objetos que
moldaram a nossa realidade.
Portanto, cada um deveria decidir quais críticas
construtivas são realmente úteis e quais é melhor deixar de fora.
Dito isto, acho que pedir feedback é fundamental
para aprimorar não somente nosso autoconhecimento mas também o entendimento do
nosso meio e o olhar deste sobre nós.
• Outro
tema relacionado à autoconsciência, que você aborda em suas entrevistas e que
praticamente norteia este processo, é o da definição de metas. Como é possível
fazê-lo sem pecar por falta nem excesso de ambição?
Han - Tenho uma fórmula. Ao definir uma meta,
deve-se ter certeza de que será possível bater 80% dela. Nem mais, nem menos.
Quero deixar claro que estamos falando de metas no
trabalho. Não na vida pessoal, onde há outras variáveis.
E, para que funcione, é preciso ser claros.
Explícitos na definição de objetivos. Outros especialistas além de mim
trabalham com essa fórmula, mas, para ela funcionar, os objetivos não podem ser
amplos ou vagos demais porque, para avaliar o próprio desempenho, é necessário
saber o que está sendo medido.
Por que 80%? Por que imprevistos acontecem, há
objetivos que podem ter um determinado valor no início mas depois as coisas
mudam de figura. E também, porque um desempenho de 80% é notável.
A respeito disso, dividi o tema de metas ou
objetivos em três linhas. Primeiro, as metas operacionais. Ou seja, as ações
que precisa executar todos os dias, as tarefas diárias, o trabalho básico.
O segundo tipo de meta seria o crescimento, aquilo
que pode fazer a pessoa crescer profissionalmente. Tudo o que se relaciona com
adquirir novas habilidades para ser melhor naquilo que se faz diariamente.
E o terceiro é o objetivo aspiracional, o lugar onde
se deseja chegar. Seja conseguir um cargo, um salário melhor, uma conta muito
desejada pela empresa, etc.
Os três tipos de meta trabalham juntos e não
individualmente.
• Uma
última pergunta: falamos muito sobre funcionários, mas como isso se aplica a chefes
ou líderes dentro de uma empresa?
Han - Na minha experiência o grande dilema dos
líderes é não entender que eles é que devem concretizar os objetivos da
empresa, pois às vezes acontece de eles colocarem suas metas pessoais por cima
das da organização, gerando um conflito.
Para quem é executivo, ou seja, tem cargo
executivo, seja de gestor, coordenador ou presidente, os objetivos
profissionais têm que ser os mesmos da empresa, mesmo que existam outros
executivos nela.
Quando líderes ou chefes perseguem objetivos
pessoais, os funcionários ficam desiludidos ou desanimados, porque os vêem como
líderes para seguir ou para obedecer.
Fonte: BBC News Mundo
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