‘Reforma tributária
pode ser Plano Real de Lula’, diz economista
A
reforma tributária pode ser o “Plano Real” do terceiro mandato de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), tem dito o economista Samuel Pessôa, pesquisador do
Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe
de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office. Ele faz referência à
reforma econômica implementada no Brasil em 1994, durante o governo de Itamar
Franco, que colocou fim a mais de uma década de hiperinflação, abrindo espaço
para o país retomar sua trajetória de crescimento nos anos seguintes. “Acredito que não vai ter um impacto imediato
tão grande quanto o Plano Real teve na pobreza. Porque, de fato, a inflação é o
‘pior imposto’: muito regressiva e afeta muito os mais pobres”, diz Pessôa.
“Mas, se considerarmos uma janela um pouco mais longa no tempo – de 10, 15 anos
–, o impacto sobre a produtividade e sobre a organização da economia é
equivalente”, acrescenta.
Em
entrevista à BBC News Brasil às vésperas da votação de reforma no Congresso,
Pessôa falou sobre a longuíssima janela de transição da reforma tributária, de
50 anos; sobre a polêmica com governadores e prefeitos nos últimos dias; e
sobre a carta de um outro grupo de economistas, que classificou a proposta de
reforma atual como uma “das piores da história”. Também admitiu ser um dos
economistas que subestimaram o crescimento do país neste ano e teceu elogios ao
ministro da Fazenda, Fernando Haddad — que foi seu colega de escola e mestrado
na USP —, apesar de prever que Lula entregará o país em 2026 com dívida maior
do que encontrou. A reforma tributária atualmente em discussão na Câmara tem
como objetivo simplificar a cobrança de impostos no país, unificando cinco
tributos que incidem sobre o consumo – PIS, Cofins, IPI (federais), ICMS
(estadual) e ISS (municipal) – em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O
plano do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar a reforma no
plenário em primeiro turno ainda nesta quinta-feira (6/7). A proposta precisa
de ao menos 308 votos para passar.
Apesar
de seu entusiasmo com essa primeira fase da reforma, Pessôa se diz descrente
quanto à segunda etapa prometida pelo governo petista. Nela, seriam feitas
mudanças na tributação sobre renda e dividendos, com o objetivo de reduzir a
desigualdade no país. “O problema é o seguinte: a gente ainda não está pronto para
essa conversa”, diz Pessôa. “É impossível mexer na desigualdade da tributação
de renda se a gente não pegar aquelas pessoas que são ricas, mas se consideram
‘de classe média’. Que, na verdade, somos todos nós. É difícil você se olhar no
espelho e saber que você é o rico, você é quem paga pouco imposto.”
Confira
abaixo os principais trechos da entrevista.
·
No início deste ano, o senhor escreveu que a reforma
tributária pode ser o Plano Real do governo Lula 3. O que o senhor quis dizer
com isso?
Samuel
Pessôa -
A premissa é que a estrutura de impostos indiretos do Brasil – por sua elevada
complexidade, enorme custo de conformidade, enorme nível de litigiosidade –
gera impactos sobre a eficiência econômica e um mal funcionamento da economia. São
efeitos parecidos com os impactos ruins produzidos pela hiperinflação. Lá
atrás, as empresas tinham que ter escritórios financeiros enormes. E em cada
esquina, tinha uma agência bancária que não fazia nada, só ajudava as pessoas a
conviver com a inflação. Então tinha um monte de recursos da economia que não
produziam nada. Hoje, temos uma complexidade tributária gigantesca – e aqui eu
estou falando só dos impostos indiretos: ISS, ICMS, Pis, Cofins, IPI, que são
uma zona. Então as empresas têm que ter departamentos de contabilidade
gigantescos e gera muito litígio, porque tem muita zona cinzenta. Tudo isso faz
com que o Brasil tenha um passivo tributário que é [equivalente a] quase 60% do
PIB. Qualquer país normal tem 1%, 2% no máximo, então 60% do PIB de passivo
tributário é insano. Se a nossa estrutura tributária fosse normal, um monte de
recursos das empresas e da sociedade que está sendo gasto só processando
pagamento de litígios iria fazer coisas mais úteis – progresso tecnológico,
inovação, redução de custos etc.
·
A ideia então é que a aprovação da reforma pode ter um
efeito parecido com o do Plano Real? Quer dizer, podemos ver a economia ficando
mais organizada, ter mais crescimento? Qual é o efeito prático?
Pessôa - É
exatamente isso que você falou, rigorosamente isso. Acredito que não vai ter um
impacto imediato tão grande quanto o Plano Real teve na pobreza. Porque, de
fato, a inflação é o “pior imposto” que tem. Porque ela é muito regressiva e
afeta muito os mais pobres.
Então
acho que aquele impacto imediato que houve [do Plano Real] na pobreza não deve
haver. Mas se considerarmos uma janela um pouco mais longa no tempo – de 10, 15
anos –, o impacto sobre a produtividade e sobre a organização da economia é
equivalente.
·
Entrando nessa questão temporal, a reforma prevê uma
fase de transição longa, com a extinção dos impostos atuais e uma migração para
um IVA dual entre 2026 e 2032 e a transição da cobrança de impostos da origem
para o destino em 50 anos, de 2029 até 2078. Mesmo com esse horizonte longo,
haverá benefícios já no governo atual?
Pessôa - Eu acho que
essa questão das duas transições é o “Ovo de Colombo” dessa reforma [expressão
usada para uma solução aparentemente complexa e difícil, mas que se revela
simples e fácil]. É uma ideia genial. Queremos uma reforma que torne a vida das
empresas mais fácil, que torne mais fácil fazer negócio no país. Agora, imposto
tem duas pontas: uma do contribuinte, que paga, e outra do ente da federação,
que vai receber o imposto. Essas duas pontas não precisam andar juntas o tempo
todo. Esta reforma vai mudar muito, para muito melhor, a estrutura tributária.
Mas ela mexe na estrutura federativa, em quem recebe e quem deixa de receber.
Ela não é neutra do ponto de vista dos Estados. Então a ideia, ao separar as
duas transições, é dar tempo – muito tempo – para os Estados se adaptarem às
novas estruturas de recebimento e também dar tempo para os efeitos benéficos da
reforma virarem crescimento econômico. E crescimento é um jogo de ganha-ganha. A
reforma que importa do ponto de vista de eficiência econômica é a ponta do
contribuinte. O objetivo é simplificar aí. Como a gente resolve o problema
federativo é outra questão. Se eu tratar essas duas questões como uma só, no
mesmo horizonte temporal, eu aumento muito as restrições políticas à aceitação
da reforma. Então, ao separar essas duas pontas e eu ter dois horizontes de
tempos diferentes, porque são duas transições, eu facilito muito o processo de
tramitação dessa reforma do Congresso Nacional.
·
Mas o atual governo vai coletar algum impacto?
Pessôa - Essas
reformas demoram um tempo para maturar, não vai maturar no horizonte de três
anos. Em sete anos, já começa, em três anos não. Mas a aprovação dessa reforma
vai fazer com que o mundo olhe para a gente com olhos muito melhores, porque
vai sinalizar várias coisas.
Primeiro,
ela sinalizará uma saúde da nossa democracia. Que, com toda nossa complexidade
federativa e tributária, nosso Congresso funcionou e ele conseguiu tomar uma
decisão que tem perdas no curto prazo – mesmo que pequenas, têm – e conseguiu
aprovar uma grande reforma que interessa ao coletivo. Esse é um sinal ótimo. E
sinaliza que, daqui a cinco, seis anos, fazer negócio no Brasil vai ficar muito
melhor. As empresas já vão se antecipar e isso deve gerar um impacto sobre
risco-Brasil [indicador que mede o grau de confiança dos investidores no país].
Esse é o efeito mais imediato: uma melhora de percepção, de expectativas. No
âmbito econômico, a gente vai ter uma melhora imensa no horizonte de sete anos.
E a gente vai colher, num horizonte de 15 anos, uma taxa de crescimento da
produtividade do trabalho maior.
·
O Brasil discute essa reforma desde a década de 1990,
com várias tentativas fracassadas. O que mudou desde então e por que parece
agora haver um sentimento de que “agora vai”, com economistas tão diversos como
Laura Carvalho, Guido Mantega, o senhor e o Armínio Fraga assinando um
manifesto juntos a favor da reforma?
Pessôa - Primeiro,
acho que, neste tema, nós nunca discordamos. Porque é uma questão de
microeconomia. A gente discorda mais em geral em macro.
[A
microeconomia trata do âmbito das empresas, famílias e indivíduos, enquanto a
macroeconomia trata da economia nacional, regional ou global.] A gente
discorda na capacidade da política fiscal gerar crescimento; se maior ou menor
mobilidade de capital é bom ou ruim; se intervenção no câmbio é bom ou ruim.
Mas, com relação à eficiência da estrutura dos impostos indiretos, todo mundo
pensa igual. Então acho que o que mudou não foi entre os economistas, foi na
política.
Primeiro,
desde que o Brasil entrou naquela enorme crise [de 2014], estamos fazendo
reformas, desde o primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma, em 2015.
E essa reforma tem um processo, ela já andou. Em 2019, ela foi aprovada na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e depois parou. Então tem um
processo de acúmulo. Além disso, tem um outro fato: São Paulo, no governo
[João] Doria, resolveu entrar na guerra fiscal, dando benefícios para as
empresas se instalarem aqui. E quando São Paulo entra na guerra fiscal, ela
meio que perde sentido, e aí os governadores começam a olhar com bons olhos a
reforma tributária. Então acho que tem um amadurecimento do sistema político, o
fato de São Paulo entrar na guerra fiscal, e a própria agenda de reformas
andando. Além disso, parece haver um grande comprometimento do presidente da
Câmara, Arthur Lira [PP-AL], que quer deixar esta reforma como um legado.
·
O senhor entrou na questão dos governadores. Queria
saber como o senhor avalia o impasse com governadores e prefeitos, que temem
perder autonomia e recursos com essa reforma? O senhor acredita que a ideia da
criação do Conselho Federativo [órgão que ficaria responsável pelo recolhimento
e distribuição do IBS, imposto que substituirá o ICMS estadual e o ISS
municipal] pode acabar sendo abandonada?
Pessôa - Eu acredito
que o melhor é essa redistribuição dos recursos ser feita da forma mais
automática possível. Com nota fiscal eletrônica é tudo apurado eletronicamente,
os créditos, os débitos, o que é devido àquele Estado, àquele município. Então
acredito que esse novo imposto deveria ser [redistribuído] de forma
centralizada e da forma mais automática possível. De fato, tem uma perda de
autonomia dos entes da federação, mas estamos numa federação disfuncional. A
federação existe para servir aos cidadãos e não os cidadãos para servir à federação.
Se a federação está gerando subdesenvolvimento, baixo crescimento, a federação
tem que se adaptar. Do ponto de vista econômico, o grau de autonomia é correto:
cada ente da federação vai estabelecer sua alíquota. Essa autonomia está
preservada. Agora autonomia para fazer favor com chapéu alheio, gerar um
sistema disfuncional que impede o crescimento da produtividade, essa não
interessa a ninguém.
·
Mas parece que os governadores não estão satisfeitos.
Pessôa - Aí é uma
questão das pessoas que estão tocando a reforma mostrar o texto da reforma,
mostrar que essa transição longuíssima de 50 anos tem lá um seguro para os
Estados que podem perder mais. Tem que fazer o convencimento e a disputa
política. Mas parece que alguns governadores que estavam com comportamento
muito agressivo contra a reforma já mudaram um pouco o tom nos últimos dias.
Acho que eles já estão se entendendo lá.
[O
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), parte do grupo de
governadores mais resistente à reforma, na quarta-feira (5/7) já admitia a
possibilidade de apoiar a cobrança centralizada de imposto na reforma
tributária, indicando abrir mão de sua proposta de uma Câmara de Compensação
para eventuais perdas arrecadatórias para os Estados.]
·
E quanto às críticas do grupo de economistas formado
por Everardo Maciel, Felipe Salto, Marcos Cintra, Jorge Rachid e outros, que
afirmam que a atual proposta de reforma é “das piores da história” e apontam
problemas como a excessiva complexidade do novo sistema e a indefinição das
alíquotas? Como o senhor viu as críticas desse grupo?
Pessôa - Vamos lá.
Primeira crítica: complexidade. Quando eles falam de complexidade, parece que
eles estão dizendo que a reforma é complexa. Mas, quando você lê o que eles
escrevem, o que eles estão dizendo é que a transição é complexa. Eles acham
isso. Mas como eu disse a você, eu discordo. Eu penso, na verdade, que abrir em
duas transições é o “Ovo de Colombo”. É das melhores coisas dessa reforma,
porque separa a questão federativa da questão de pagamento de impostos. O que
importa para a complexidade é a primeira transição, não a segunda, e a primeira
vai ser relativamente rápida. Então eu discordo deles. A questão da alíquota,
aí é uma loucura. Estamos discutindo uma proposta de emenda constitucional.
Alíquota, depois a gente vai ter outros lugares [para discutir]. Aí eles dizem
que a carga tributária vai subir. Carga tributária não é tema de economista
tributarista. Carga tributária é tema do Congresso Nacional. A carga tributária
será o que o Congresso Nacional quiser que ela seja, independente da estrutura
de impostos. A gente não está discutindo carga tributária aqui, estamos discutindo
eficiência arrecadatória. A carga que nós teremos vamos definir pela alíquota,
e quem vai definir a alíquota é o Congresso Nacional, as assembleias estaduais
e as Câmara de Vereadores, junto com seus executivos. A decisão da carga
tributária é uma decisão política e não é isso que a reforma discute, a reforma
discute a estrutura dos impostos. Então achei esse argumento completamente
descabido. Na verdade, eu vi o texto e pensei: “Poxa, a reforma é muito boa”.
Porque, se as pessoas que mais discordam da reforma só são capazes de levantar
aqueles argumentos, eu estou convencido de que a reforma é ótima. Fiquei mais
favorável à reforma do que eu era antes de ler o texto deles.
·
O senhor já falou em entrevistas no passado que
governos de esquerda têm a tendência a querer fazer o ajuste fiscal através de
aumento de arrecadação. Então queria saber se aprovar uma reforma tributária
sem alíquotas definidas, junto com um arcabouço fiscal que tem um buraco de R$
100 bilhões para ser viável, representa um risco. Quer dizer, a carga
tributária pode acabar ficando maior por essa combinação de fatores?
Pessôa - Eu sempre achei
que haveria um aumento de carga tributária. E eu sempre disse que aumento de
carga tributária é absolutamente legítimo. Vamos lembrar que, no governo FHC,
houve um aumento da carga tributária em 5 pontos percentuais do PIB e eu nunca
critiquei o governo FHC por isso. Muito pelo contrário, eu vejo enormes méritos
nos oito anos do governo FHC.
Mas
acredito que o aumento da carga tributária vai vir de outras bases. Vai vir da
tributação de renda, da distribuição de dividendos, dos regimes tributários
especiais, “pejotinha”, Simples, que são uma outra agenda. E acredito que essa
agenda não está madura na atual legislatura. Quando olho as contas públicas, eu
vejo a dívida pública aumentando. Acredito que o Lula vai entregar lá em 2026
uma dívida pública 12 pontos percentuais do PIB maior do que a que ele recebeu
do Bolsonaro. Essa foi a opção que o Lula fez, e o sucessor dele vai ter que se
haver com uma dívida maior. Eu acho que a reforma, essa dos impostos indiretos,
ela vai ser neutra. Que não vai haver aumento de carga tributária. Agora, como
eu disse, se o Congresso Nacional, as assembleias legislativas estaduais e as
câmaras de vereadores, junto com seus Executivos, tomarem decisões que aumentem
a carga tributária de impostos indiretos, isso é absolutamente legítimo.
·
O senhor acredita que, se de fato a primeira fase da
reforma for aprovada, seja agora ou em agosto, vai haver fôlego político para a
segunda fase, que seria essa reformulação dos impostos sobre renda, dividendos,
etc?
Pessôa - Eu acredito
que não. Acredito que essa fase não está madura, que não discutimos isso o
suficiente. Acho que a reforma dos impostos indiretos avançou exatamente porque
distributivamente ela é neutra, porque a carga não vai aumentar. Por isso ela
está andando.
·
Em termos das mudanças que afetariam a questão da
desigualdade, essa pauta que se tornou tão premente na pandemia. O senhor pensa
que, mesmo com esse ambiente criado pela pandemia, de o Brasil discutir mais
suas desigualdades, discutir mais a pobreza, ainda assim, não seria o momento
então ainda para conseguir aprovar essas mudanças?
Pessôa - Eu concordo
perfeitamente com você, acho que estamos mais atentos ao problema da
desigualdade. A pandemia chamou a atenção de todo mundo, tanto é que quase
quadruplicamos o programa Bolsa Família. Até 2010, ele era [equivalente a] 0,45%
do PIB, ele hoje é um 1,72%. Tanto é que a menor desigualdade da história do
Brasil – da história que a gente tem dados – foi 2022. Quando o presidente era
de extrema direita, liberal etc. Então isso mostra que a sociedade se preocupou
e o Congresso teve um papel importante nisso.
·
Mas então o senhor não acha que esse mesmo caldo de
cultura também poderia tornar esse Congresso mais propenso a discutir a questão
da desigualdade nos tributos?
Pessôa - Eu acho que
sim, mas o problema é o seguinte: é que a gente ainda não está pronto para essa
conversa.
Vou
te dar um exemplo. É assim: quando a gente fala no geral, todo mundo concorda.
Quando vai no caso específico, aí o calo de todo mundo dói. Porque quem está lá
no Congresso, não é pobre, todo mundo lá tem a sua “pejotinha”, tem o seu
Simples. A gente sabe que um dos regimes tributários mais responsáveis por
reduzir o grau de progressividade da estrutura de impostos no Brasil é o
Simples. Mas olha quando o Congresso vai votar elevação do nível de faturamento
requerido para que uma empresa pode se enquadrar no Simples. Quando tem votação
disso na Câmara, do PSOL ao PL, todo mundo aprova. Eu sou visto como um cara
meio de direita, liberal, já escrevi um monte de coluna contra o Simples, e não
acontece nada. O Congresso Nacional inteiro apoia o Simples.
Pega
os profissionais que têm as suas “pejotinhas”. Vão aumentar o imposto nas
“pejotinha”? Consultor, economista, engenheiro, médico, advogado... O problema
dessa discussão é que todo mundo acha que essa desigualdade dos impostos é
porque tem um monte de Jorge Paulo Lemann ou Beto Sicupira [dois dos homens
mais ricos do país, acionistas de empresas como Ambev, Americanas, Kraft Heinz
e Burger King], um monte de bilionário que não paga nenhum imposto. E o
bilionário é sempre alguém mais rico do que eu, independentemente da renda que
eu tenho. Ninguém se acha rico no Brasil. Rico é sempre alguém mais rico do que
ele, e é essa pessoa que não está pagando imposto. Então é impossível mexer na
desigualdade com tributação de renda se a gente não pegar aquelas pessoas que
são ricas, mas se consideram, “de classe média”. Que, na verdade, somos todos
nós. Então, o que estou dizendo é que, quando o debate chega nessa discussão
mais difícil, ele não anda. Porque é difícil você se olhar no espelho e saber
que você é o rico, você é quem paga pouco imposto. É por isso que a gente acha
normal pagar mensalidade escolar, usar hospital caro e deduzir do nosso Imposto
de Renda.
Sem
mexer nessas coisas, não vai mexer na desigualdade pelo lado do tributo.
·
O senhor foi colega do ministro Fernando Haddad, de
Colégio Bandeirantes e depois de FEA-USP [Faculdade de Economia, Administração,
Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo]. Como avalia a atuação do
ministro à frente da Fazenda até aqui?
Pessôa - O ministro
está indo bem. Ele recebeu uma situação muito difícil, porque o presidente Lula
resolveu inverter a ordem normal do ciclo político. No ciclo político,
normalmente, você começa o governo com pé no freio do gasto, arruma a casa
macroeconômica, e termina o governo gastando mais. Ele [Lula] inverteu, então o
ministro teve uma situação difícil. Mas eu acho que ele administrou bem. Ele
fez uma coisa importante: estabeleceu uma agenda. Marco fiscal, reforma
tributária, medidas tópicas de combate a planejamento tributário [estratégia
usada por empresas para pagar menos impostos dentro da lei] e a reforma dos
impostos de renda. Ele colocou a agenda e o Congresso está tocando. Um governo
que tem uma agenda, principalmente quando a agenda é correta, ele tem um rumo e
vai bem. Vai conseguir entregar tudo? Não vai. Mas se ele entregar 40%, está
ótimo.
·
Por fim, estamos vendo revisões enormes das estimativas
de crescimento [do PIB em 2023]. Tem economistas fazendo ajustes que vão de
estimativas abaixo de 1% para 2,5% ou até 3%. O senhor está entre os
economistas que foram surpreendidos pelo crescimento esse ano?
Pessôa - Eu fui
surpreendido. Meu número [para o crescimento do PIB em 2023] era 1% e hoje é 2%
Metade dessa surpresa foi uma agropecuária ainda melhor do que eu imaginava. A
outra metade é uma resiliência do consumo de serviços maior do que eu esperava.
Mas acho que vai ser 2%, não vai ser 2,5%, não vai ser 3%, talvez nem 2%.
Talvez seja alguma coisa mais próxima de 1,8%.
·
Por quê?
Pessôa - Porque os
juros estão batendo, a economia está acelerando e o mundo não está uma maravilha.
Tem inflação alta e tem que trazer a inflação para baixo. A inflação caiu bem,
mas a inflação de serviços ainda não caiu e a taxa de desemprego está muito
baixa. Então há pressões inflacionárias, e é por isso que os juros estão onde
estão. Não é porque o [presidente do Banco Central] Roberto Campos Neto foi
tesoureiro do Santander, como os economistas de esquerda dizem. Os juros estão
onde estão porque a demanda no Brasil é forte, a inflação é forte e a taxa de
emprego está baixa, nas mínimas históricas, chegando em 8%.
·
Mas o senhor acredita que já se criou o ambiente para a
taxa básica de juros começar a cair a partir de agosto, como a maioria do
mercado parece acreditar?
Pessôa - Acredito
que sim, mas que vai ser uma queda bem lenta.
E
aí quando o Roberto Campos vir que a desinflação veio, talvez ele acelere o
passo lá para meados do ano que vem. Eu enxergo Selic a 10%, 9,5% em dezembro
do ano que vem.
Fonte:
BBC News Brasil
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