Por que o Brasil é
um dos poucos países do mundo a não ter um imposto unificado?
Os
debates para a implementação de uma reforma tributária no Brasil já acontecem
há quase três décadas: pelo menos desde 1995 foram sucessivas tentativas de
simplificação do atual modelo de tributação nacional.
A
implementação de um IVA não é uma discussão exclusiva do Brasil: segundo dados
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), até o ano
passado, pelo menos 174 países já haviam implementado um imposto sobre valor
agregado.
Por
que o Brasil ficou para trás neste debate?
Advogados
tributaristas ouvidos pelo g1 lembram que o tema respinga nas diretrizes do
Pacto Federativo brasileiro (entenda abaixo) e envolve uma discussão mais
aprofundada sobre incentivos fiscais e tributários. Segundo especialistas, esse
foi (e ainda é) um dos pontos mais difíceis de consenso entre os entes
federativos e um dos principais motivos de atraso na aprovação da reforma.
Além
disso, outro foco de atenção levantado pelos especialistas é a complexidade da
transição do modelo atual para um novo desenho. Inclusive, a transição
completa, prevista na atual reforma, levaria quase 10 anos.
Todo
esse cenário, dizem os analistas, acaba colocando entraves na discussão sobre a
reforma e pode acabar se refletindo até mesmo na atividade econômica brasileira
no longo prazo.
Saiba
abaixo o que é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), seu papel na reforma
tributária e entenda por que o Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda
não possui um imposto unificado.
• O que é o IVA e qual seu papel na
reforma tributária
O
Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nada mais é do que a unificação dos tributos
sobre consumo. No caso brasileiro, a reforma tributária atualmente em debate
propõe um IVA dual — dois tributos principais que serviriam para unificar cinco
tributos já existentes. Veja abaixo:
Segundo
especialistas, parte da importância de se implementar um IVA é a maior
simplificação do modelo tributário nacional.
Além
de unificar o tributo, o IVA tem um mecanismo que faz com que sua cobrança não
seja cumulativa ao longo da cadeia de produção. No jargão econômico, isso
significa que as empresas poderiam recolher o imposto com um “desconto” do
valor pago que já foi pago anteriormente ao longo da produção.
Ou
seja, o IVA evita a chamada bitributação, que é o pagamento de tributo sobre
tributo.
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Outras características do IVA são:
• Incidência “por fora”: o imposto não
compõe a base de cálculo dele mesmo. No sistema atual, existem impostos embutidos
nos preços que servem de base para a cobrança de outros tributos.
• Princípio do destino: o imposto é devido
ao município e ao estado onde estão localizados os consumidores da mercadoria
ou do serviço, e não no local onde os bens são produzidos (como ocorre hoje).
Isso acabará com a chamada "guerra fiscal", nome dado à disputa entre
os estados, através da concessão de benefícios fiscais, para que empresas se
instalem e produzam em seus territórios.
• Desoneração de exportações: considerando
o princípio de que o imposto é devido no local de consumo, o país onde se
localiza o comprador da mercadoria ou do serviço é considerado o destino. Desta
forma, a tributação será feita por esse país, e não pelo Brasil.
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Por que o Brasil é um dos poucos países do mundo que não possui um imposto
unificado?
• O Pacto Federativo brasileiro
De
acordo com os especialistas consultados pelo g1, um dos principais entraves nas
discussões para implementar a reforma tributária no país está no Pacto
Federativo Brasileiro. Trata-se de um conjunto de regras constitucionais que
determinam as obrigações e competências de cada ente da Federação (União,
Estados e municípios).
“O
princípio do Pacto Federativo traz uma questão muito relevante que é a
autonomia entre os entes federativos, onde cada um tem o controle sobre sua
própria arrecadação, administração e cobrança de recursos”, explica o advogado
tributarista e sócio do escritório SouzaOkawa Advogados, Igor Nascimento de
Souza.
Mas
o ponto principal, dizem os especialistas, está nos diversos tributos que
acabam sendo cobrados por diferentes entes federativos em sua autonomia e que
acabam tendo o mesmo escopo de aplicação.
Para
a advogada tributarista e sócia do escritório Utumi Advogados, Ana Cláudia
Utumi, foi essa forma de organização, “feita para atender as necessidades
federais, estaduais e municipais”, que fez com que o Brasil se tornasse “um dos
poucos países do mundo com uma tributação sobre o consumo fatiada em tantos
impostos diferentes”.
“E
agora, quando falamos, na reforma tributária, em centralizar a arrecadação de
tributos, levanta-se a discussão sobre o quanto isso compromete a autonomia de
estados e municípios”, diz a advogada.
A
proposta da reforma tributária também cria o conselho Federativo do Imposto
sobre Bens e Serviços, que teria uma gestão compartilhada por estados, Distrito
Federal e municípios. O objetivo desse conselho seria gerir o IBS, que unifica
os dois tributos estadual e municipal.
“Para
eles, isso significa que deixarão de controlar a arrecadação e para quais áreas
poderão ou não dar benefícios, por exemplo. São questões que passarão a
depender do consenso de um grande grupo. O ponto é que a decisão por maioria
certamente agrada a maior parte, mas não a todos”, completa Utumi.
• Limite nas isenções tributárias
Além
disso, outro entrave citado pelos tributaristas está na limitação dos produtos
e setores que ficam isentos da cobrança de tributos.
De
acordo com o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio Gabriel
Quintanilha, os incentivos fiscais são grande parte do desenvolvimento
econômico do Brasil nos últimos anos, de maneira que sua retirada ou limitação
trazem tanto pontos positivos quanto negativos.
“Por
um lado, limitar esse tipo de incentivo significa que não teremos estados que
só existem como paraísos fiscais e acaba com a guerra fiscal que vemos
atualmente. Mas, por outro lado, isso também pode fazer com que alguns estados
fiquem desinteressantes para investimentos e saiam perdendo”, afirma.
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O texto atual da reforma tributária também propõe:
• Isenção da cobrança do futuro IVA para
alguns medicamentos específicos, como os utilizados para o tratamento contra o
câncer.
• Redução de 100% da alíquota do IVA
federal (o CBS) sobre serviços de educação de ensino superior (Prouni).
• Possibilidade de produtores rurais que
atuam como pessoas físicas e tenham receita anual de até R$ 2 milhões ficarem
"livres" de recolher o futuro IVA dual (CBS e IBS).
• Tratamento diferenciado para produtos e
serviços que não se adequem ao regime geral de incidência do IVA.
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Próximos passos
Diante
desse cenário, especialistas alertam para o risco de novos atrasos na
implementação da reforma e reforçam a necessidade de cautela para que o
consumidor final não seja amplamente onerado pelas mudanças.
“É preciso cuidado para não acabar respingando
na ponta final. Se houver um aumento muito relevante de carga tributária, por
exemplo, alguns setores podem não conseguir arcar com isso e acabar repassando
tudo para o consumidor”, diz Utumi, reiterando que ainda é preciso cautela em
relação ao período de transição.
“Nesse
período, os tributos atuais continuarão a ser cobrados durante um tempo, além
da cobrança dos novos impostos. Dizer que a reforma tributária vai simplificar
é uma verdade se olharmos mais para o final da linha, mas se olharmos o
caminho, ainda vai dar uma piorada para, só depois, melhorar”, acrescenta.
Na
terça-feira (4), o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE),
disse à GloboNews que tanto o governo federal quanto os governadores precisam
entrar em um consenso para que o tema avance e finalmente seja votado.
"Não
pode ser a reforma do governo federal e nem a dos governadores. Tem que ser a
reforma do Brasil, portanto, todos precisam ceder", disse o deputado.
A
expectativa é que a reforma tributária seja votada na Câmara dos Deputados
ainda nesta semana.
Reforma tributária pode definir 'cesta
básica nacional' para evitar tributação de itens
Nas
últimas semanas, o debate da reforma tributária em tramitação no Congresso
Nacional passou por um tema que mexe diretamente com a vida da população mais
pobre: o possível impacto dos impostos unificados sobre os preços dos itens da
cesta básica.
A
discussão, no entanto, esbarra em um problema inicial: afinal, quais são os
itens da cesta básica do brasileiro?
Não
há uma resposta definitiva. Hoje, alimentos naturais (como frutas, carnes e
hortaliças) ou de baixo processamento (como queijos, iogurtes e pães) e alguns
produtos de higiene e limpeza já são isentos dos impostos federais (PIS, Cofins
e, para industrializados, IPI).
Cada
estado, no entanto, define uma alíquota de ICMS para cada uma dessas
categorias. Essas alíquotas são zeradas para alguns produtos em alguns estados,
mas podem chegar a até 33% segundo levantamento da Associação Brasileira de
Supermercados (Abras).
A
reforma tributária tenta acabar com essa farra das alíquotas em todos os
produtos e serviços vendidos no país. Prevê um imposto federal unificado – e
diz que, para produtos essenciais, a cobrança será de 50% da alíquota geral.
Um
estudo da Abras divulgado na última semana, no entanto, aponta que esse
desconto de 50% pode não ser suficiente – ou seja, que o modelo em tramitação
pode encarecer a cesta básica média do país.
O
governo e o relator da reforma na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB),
discordaram dos números da associação – mas se disseram abertos a discutir
formas de garantir que a população de baixa renda não seja prejudicada pela
reforma.
• Cesta básica nacional
Uma
das propostas na mesa envolve, justamente, a criação de uma cesta básica
nacional padronizada.
Com
isso, segundo os defensores da ideia, seria possível reduzir ainda mais a
tributação desses itens, que seriam alvos de uma regra específica. A lista
fechada facilitaria o cálculo da renúncia de arrecadação do governo e, ao mesmo
tempo, evitaria que cada estado fizesse sua própria cesta, gerando distorções
locais.
"Quem
traz a solução é o próprio relator. Uma proposta de criação de uma cesta básica
nacional, que não esteja sujeita também aos 50% do IVA. Essa é a proposta que o
Aguinaldo está discutindo com o ministro Fernando Haddad, e eu ouvi do próprio
Haddad no sábado. Que ouviriam os técnicos e entrariam no campo da
política", disse ao g1 o presidente da Abras, João Galassi.
Uma
lista elaborada pela associação está em análise no Ministério da Fazenda e no
gabinete de Ribeiro. A relação tem 34 itens e inclui produtos que, hoje, não
são considerados “cesta básica” no país – água sanitária, absorvente íntimo e
fralda descartável, por exemplo.
Até
a tarde desta terça, o relator da reforma tributária e o governo ainda não
haviam sinalizado se concordam, ou não, com a formalização dessa cesta básica
nacional.
A
decisão deve ser tomada ainda nesta semana, já que o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar a reforma em votação antes do recesso
parlamentar (tradicionalmente, na segunda quinzena de julho).
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Veja abaixo a lista sugerida pela Associação Brasileira de Supermercados
(Abras):
• Alimentação: carne bovina, carne de
frango, carne suína, peixe e ovos; farinhas de trigo, de mandioca e de milho,
massas alimentícias e pão francês; leite UHT, leite em pó, iogurte, leite
fermentado, queijos, soro de leite e manteiga; frutas, verduras e legumes;
arroz, feijão e trigo; café, açúcar, óleo de soja, óleo vegetal e margarina.
• Higiene pessoal: sabonete, papel
higiênico, creme dental, produtos de higiene bucal, fralda descartável e
absorvente higiênico.
• Limpeza: detergente, sabão em pó e água
sanitária.
João
Galassi afirma que o setor é favorável à reforma e considera a simplificação
tributária imprescindível. O estudo sobre as alíquotas, diz Galassi, não tem a
intenção de frear a reforma, mas agregar informações ao debate e evitar que as
mudanças prejudiquem a população de baixa renda.
“Temos
que ter cuidado para fazer uma reforma tributária que não onere os alimentos. É
um grupo [de produtos] que importa a todos, seja pelo fator social, pela saúde,
por tudo", afirmou ao g1.
"Simplificação,
segurança jurídica e fim da guerra fiscal. Se nós atingirmos com a reforma
tributária esses três pilares, daremos um salto para a produtividade, para o
ambiente de negócios, o país vai crescer, vai trazer um grande avanço",
definiu Galassi.
Fonte:
g1
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