quinta-feira, 6 de julho de 2023

Por que o Brasil é um dos poucos países do mundo a não ter um imposto unificado?

Os debates para a implementação de uma reforma tributária no Brasil já acontecem há quase três décadas: pelo menos desde 1995 foram sucessivas tentativas de simplificação do atual modelo de tributação nacional.

A implementação de um IVA não é uma discussão exclusiva do Brasil: segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), até o ano passado, pelo menos 174 países já haviam implementado um imposto sobre valor agregado.

Por que o Brasil ficou para trás neste debate?

Advogados tributaristas ouvidos pelo g1 lembram que o tema respinga nas diretrizes do Pacto Federativo brasileiro (entenda abaixo) e envolve uma discussão mais aprofundada sobre incentivos fiscais e tributários. Segundo especialistas, esse foi (e ainda é) um dos pontos mais difíceis de consenso entre os entes federativos e um dos principais motivos de atraso na aprovação da reforma.

Além disso, outro foco de atenção levantado pelos especialistas é a complexidade da transição do modelo atual para um novo desenho. Inclusive, a transição completa, prevista na atual reforma, levaria quase 10 anos.

Todo esse cenário, dizem os analistas, acaba colocando entraves na discussão sobre a reforma e pode acabar se refletindo até mesmo na atividade econômica brasileira no longo prazo.

Saiba abaixo o que é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), seu papel na reforma tributária e entenda por que o Brasil é um dos poucos países do mundo que ainda não possui um imposto unificado.

•        O que é o IVA e qual seu papel na reforma tributária

O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nada mais é do que a unificação dos tributos sobre consumo. No caso brasileiro, a reforma tributária atualmente em debate propõe um IVA dual — dois tributos principais que serviriam para unificar cinco tributos já existentes. Veja abaixo:

Segundo especialistas, parte da importância de se implementar um IVA é a maior simplificação do modelo tributário nacional.

Além de unificar o tributo, o IVA tem um mecanismo que faz com que sua cobrança não seja cumulativa ao longo da cadeia de produção. No jargão econômico, isso significa que as empresas poderiam recolher o imposto com um “desconto” do valor pago que já foi pago anteriormente ao longo da produção.

Ou seja, o IVA evita a chamada bitributação, que é o pagamento de tributo sobre tributo.

<<<< Outras características do IVA são:

•        Incidência “por fora”: o imposto não compõe a base de cálculo dele mesmo. No sistema atual, existem impostos embutidos nos preços que servem de base para a cobrança de outros tributos.

•        Princípio do destino: o imposto é devido ao município e ao estado onde estão localizados os consumidores da mercadoria ou do serviço, e não no local onde os bens são produzidos (como ocorre hoje). Isso acabará com a chamada "guerra fiscal", nome dado à disputa entre os estados, através da concessão de benefícios fiscais, para que empresas se instalem e produzam em seus territórios.

•        Desoneração de exportações: considerando o princípio de que o imposto é devido no local de consumo, o país onde se localiza o comprador da mercadoria ou do serviço é considerado o destino. Desta forma, a tributação será feita por esse país, e não pelo Brasil.

<<<<< Por que o Brasil é um dos poucos países do mundo que não possui um imposto unificado?

•        O Pacto Federativo brasileiro

De acordo com os especialistas consultados pelo g1, um dos principais entraves nas discussões para implementar a reforma tributária no país está no Pacto Federativo Brasileiro. Trata-se de um conjunto de regras constitucionais que determinam as obrigações e competências de cada ente da Federação (União, Estados e municípios).

“O princípio do Pacto Federativo traz uma questão muito relevante que é a autonomia entre os entes federativos, onde cada um tem o controle sobre sua própria arrecadação, administração e cobrança de recursos”, explica o advogado tributarista e sócio do escritório SouzaOkawa Advogados, Igor Nascimento de Souza.

Mas o ponto principal, dizem os especialistas, está nos diversos tributos que acabam sendo cobrados por diferentes entes federativos em sua autonomia e que acabam tendo o mesmo escopo de aplicação.

Para a advogada tributarista e sócia do escritório Utumi Advogados, Ana Cláudia Utumi, foi essa forma de organização, “feita para atender as necessidades federais, estaduais e municipais”, que fez com que o Brasil se tornasse “um dos poucos países do mundo com uma tributação sobre o consumo fatiada em tantos impostos diferentes”.

“E agora, quando falamos, na reforma tributária, em centralizar a arrecadação de tributos, levanta-se a discussão sobre o quanto isso compromete a autonomia de estados e municípios”, diz a advogada.

A proposta da reforma tributária também cria o conselho Federativo do Imposto sobre Bens e Serviços, que teria uma gestão compartilhada por estados, Distrito Federal e municípios. O objetivo desse conselho seria gerir o IBS, que unifica os dois tributos estadual e municipal.

“Para eles, isso significa que deixarão de controlar a arrecadação e para quais áreas poderão ou não dar benefícios, por exemplo. São questões que passarão a depender do consenso de um grande grupo. O ponto é que a decisão por maioria certamente agrada a maior parte, mas não a todos”, completa Utumi.

•        Limite nas isenções tributárias

Além disso, outro entrave citado pelos tributaristas está na limitação dos produtos e setores que ficam isentos da cobrança de tributos.

De acordo com o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito Rio Gabriel Quintanilha, os incentivos fiscais são grande parte do desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos anos, de maneira que sua retirada ou limitação trazem tanto pontos positivos quanto negativos.

“Por um lado, limitar esse tipo de incentivo significa que não teremos estados que só existem como paraísos fiscais e acaba com a guerra fiscal que vemos atualmente. Mas, por outro lado, isso também pode fazer com que alguns estados fiquem desinteressantes para investimentos e saiam perdendo”, afirma.

>>>> O texto atual da reforma tributária também propõe:

•        Isenção da cobrança do futuro IVA para alguns medicamentos específicos, como os utilizados para o tratamento contra o câncer.

•        Redução de 100% da alíquota do IVA federal (o CBS) sobre serviços de educação de ensino superior (Prouni).

•        Possibilidade de produtores rurais que atuam como pessoas físicas e tenham receita anual de até R$ 2 milhões ficarem "livres" de recolher o futuro IVA dual (CBS e IBS).

•        Tratamento diferenciado para produtos e serviços que não se adequem ao regime geral de incidência do IVA.

>>> Próximos passos

Diante desse cenário, especialistas alertam para o risco de novos atrasos na implementação da reforma e reforçam a necessidade de cautela para que o consumidor final não seja amplamente onerado pelas mudanças.

 “É preciso cuidado para não acabar respingando na ponta final. Se houver um aumento muito relevante de carga tributária, por exemplo, alguns setores podem não conseguir arcar com isso e acabar repassando tudo para o consumidor”, diz Utumi, reiterando que ainda é preciso cautela em relação ao período de transição.

“Nesse período, os tributos atuais continuarão a ser cobrados durante um tempo, além da cobrança dos novos impostos. Dizer que a reforma tributária vai simplificar é uma verdade se olharmos mais para o final da linha, mas se olharmos o caminho, ainda vai dar uma piorada para, só depois, melhorar”, acrescenta.

Na terça-feira (4), o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse à GloboNews que tanto o governo federal quanto os governadores precisam entrar em um consenso para que o tema avance e finalmente seja votado.

"Não pode ser a reforma do governo federal e nem a dos governadores. Tem que ser a reforma do Brasil, portanto, todos precisam ceder", disse o deputado.

A expectativa é que a reforma tributária seja votada na Câmara dos Deputados ainda nesta semana.

 

       Reforma tributária pode definir 'cesta básica nacional' para evitar tributação de itens

 

Nas últimas semanas, o debate da reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional passou por um tema que mexe diretamente com a vida da população mais pobre: o possível impacto dos impostos unificados sobre os preços dos itens da cesta básica.

A discussão, no entanto, esbarra em um problema inicial: afinal, quais são os itens da cesta básica do brasileiro?

Não há uma resposta definitiva. Hoje, alimentos naturais (como frutas, carnes e hortaliças) ou de baixo processamento (como queijos, iogurtes e pães) e alguns produtos de higiene e limpeza já são isentos dos impostos federais (PIS, Cofins e, para industrializados, IPI).

Cada estado, no entanto, define uma alíquota de ICMS para cada uma dessas categorias. Essas alíquotas são zeradas para alguns produtos em alguns estados, mas podem chegar a até 33% segundo levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

A reforma tributária tenta acabar com essa farra das alíquotas em todos os produtos e serviços vendidos no país. Prevê um imposto federal unificado – e diz que, para produtos essenciais, a cobrança será de 50% da alíquota geral.

Um estudo da Abras divulgado na última semana, no entanto, aponta que esse desconto de 50% pode não ser suficiente – ou seja, que o modelo em tramitação pode encarecer a cesta básica média do país.

O governo e o relator da reforma na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), discordaram dos números da associação – mas se disseram abertos a discutir formas de garantir que a população de baixa renda não seja prejudicada pela reforma.

•        Cesta básica nacional

Uma das propostas na mesa envolve, justamente, a criação de uma cesta básica nacional padronizada.

Com isso, segundo os defensores da ideia, seria possível reduzir ainda mais a tributação desses itens, que seriam alvos de uma regra específica. A lista fechada facilitaria o cálculo da renúncia de arrecadação do governo e, ao mesmo tempo, evitaria que cada estado fizesse sua própria cesta, gerando distorções locais.

"Quem traz a solução é o próprio relator. Uma proposta de criação de uma cesta básica nacional, que não esteja sujeita também aos 50% do IVA. Essa é a proposta que o Aguinaldo está discutindo com o ministro Fernando Haddad, e eu ouvi do próprio Haddad no sábado. Que ouviriam os técnicos e entrariam no campo da política", disse ao g1 o presidente da Abras, João Galassi.

Uma lista elaborada pela associação está em análise no Ministério da Fazenda e no gabinete de Ribeiro. A relação tem 34 itens e inclui produtos que, hoje, não são considerados “cesta básica” no país – água sanitária, absorvente íntimo e fralda descartável, por exemplo.

Até a tarde desta terça, o relator da reforma tributária e o governo ainda não haviam sinalizado se concordam, ou não, com a formalização dessa cesta básica nacional.

A decisão deve ser tomada ainda nesta semana, já que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar a reforma em votação antes do recesso parlamentar (tradicionalmente, na segunda quinzena de julho).

>>>> Veja abaixo a lista sugerida pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras):

•        Alimentação: carne bovina, carne de frango, carne suína, peixe e ovos; farinhas de trigo, de mandioca e de milho, massas alimentícias e pão francês; leite UHT, leite em pó, iogurte, leite fermentado, queijos, soro de leite e manteiga; frutas, verduras e legumes; arroz, feijão e trigo; café, açúcar, óleo de soja, óleo vegetal e margarina.

•        Higiene pessoal: sabonete, papel higiênico, creme dental, produtos de higiene bucal, fralda descartável e absorvente higiênico.

•        Limpeza: detergente, sabão em pó e água sanitária.

João Galassi afirma que o setor é favorável à reforma e considera a simplificação tributária imprescindível. O estudo sobre as alíquotas, diz Galassi, não tem a intenção de frear a reforma, mas agregar informações ao debate e evitar que as mudanças prejudiquem a população de baixa renda.

“Temos que ter cuidado para fazer uma reforma tributária que não onere os alimentos. É um grupo [de produtos] que importa a todos, seja pelo fator social, pela saúde, por tudo", afirmou ao g1.

"Simplificação, segurança jurídica e fim da guerra fiscal. Se nós atingirmos com a reforma tributária esses três pilares, daremos um salto para a produtividade, para o ambiente de negócios, o país vai crescer, vai trazer um grande avanço", definiu Galassi.

 

Fonte: g1

 

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