terça-feira, 4 de julho de 2023

O rápido avanço dos partidos de direita radical pela Europa

A França encontra-se num momento decisivo.

Protestos varrem o país, especialmente nos chamados "banlieus", os subúrbios frequentemente negligenciados, após a polícia matar nesta semana um jovem de 17 anos de uma família franco-argelina perto de Paris.

Essas agitações sociais não são inéditas na França. Mas a intensidade do sentimento que toma conta do país, seja entre os simpatizantes da polícia ou dos banlieues e da família da vítima, não é vista na França desde o verão de 2005.

E enquanto o presidente Emannuel Macron visivelmente luta para controlar a situação, sua inimiga política da direita radical — Marine Le Pen — com seu discurso pró-segurança e anti-imigração — pode muito bem acabar se beneficiando nas pesquisas eleitorais.

Basta observar ao redor da Europa agora — norte, sul, leste e oeste — e será possível perceber partidos de direita radical de diferentes matizes — nacionalista nostálgico, nacionalista populista, ultraconservador com raízes neofascistas e muito mais — desfrutando de um ressurgimento notável.

Antigos tabus que remontam à devastadora guerra do século 20 na Europa contra os nazistas e a Itália fascista estão gradualmente sendo corroídos — um deles, por exemplo, era nunca mais votar na direita radical.

Eu morava em Viena em 2000, quando a centro-direita participou pela primeira vez de um governo de coalizão com o Partido da Liberdade de direita radical. Foi manchete em todo o mundo. A União Europeia até impôs sanções diplomáticas a Viena.

Agora, a terceira maior economia da União Europeia, a Itália, é comandada por Giorgia Meloni, à frente de um partido com raízes neofascistas. Na Finlândia, após três meses de debate, os nacionalistas de direita radical do Partido dos Finlandeses se juntaram recentemente ao governo de coalizão.

Na Suécia, os Democratas Suecos, firmemente anti-imigração e anti-multiculturalismo, são o segundo maior partido no Parlamento, apoiando o governo de coalizão de direita por lá.

Na Grécia, no último domingo, três partidos de direita radical conquistaram assentos suficientes para entrar no parlamento, enquanto, na Espanha, o controverso partido nacionalista Vox — o primeiro partido de direita radical bem-sucedido na Espanha desde a morte do ditador fascista Francisco Franco em 1975 — superou todas as expectativas em recentes eleições regionais.

Neste sentido, há a expectativa de que devem formar um governo de coalizão com os conservadores após as eleições nacionais dentro de três semanas.

Isso sem falar nos governos ultraconservadores e autoritários na Polônia e na Hungria.

A lista é extensa e inclui até a Alemanha, ainda tão sensível sobre seu passado.

As pesquisas agora colocam o AfD de direita radical logo à frente, ou lado a lado, com os Social-democratas (SPD) do chanceler Olaf Scholz.

No fim de semana passado, um candidato do AfD conquistou pela primeira vez um cargo de liderança local.

Então o que está acontecendo?

Milhões e milhões de eleitores europeus estão realmente rumando em direção à direita radical? Ou isso é mais um voto de protesto? Ou mesmo um sinal da polarização entre os eleitores liberais urbanos e os conservadores? E por que descrevemos esses partidos como "extrema-direita"?

Interessante notar como alguns políticos tradicionais podem soar, especialmente antes das eleições, quando falam de temas como imigração ou segurança.

Um exemplo do primeiro ponto é o primeiro-ministro holandês de centro-direita, Mark Rutte. Já do segundo, o autodenominado centrista Emmanuel Macron.

Mark Leonard, diretor do Conselho Europeu de Relações Exteriores, diz que estamos diante de um enorme paradoxo.

Por um lado, muitos políticos tradicionais agarraram-se a slogans ou posições da direita radical nos últimos anos, na esperança de arregimentar apoiadores. Mas, ao fazer isso, eles ajudam a tornar a extrema direita mais popular.

Ao mesmo tempo, vários partidos de direita radical na Europa se moveram intencionalmente mais para o centro político, na esperança de atrair mais eleitores centristas.

Considere o posicionamento deles em relação à Rússia.

Um grande número de partidos de direita radical — como a Liga na Itália, Marine Le Pen da França e o Partido da Liberdade Far da Áustria tinham tradicionalmente laços estreitos com Moscou.

Isso se tornou mais do que estranho após a invasão em grande escala da Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin, levando os líderes do partido a mudar sua retórica.

Mark Leonard cita as relações da direita radical com a UE como outro exemplo de sua "centrificação".

Vale lembrar que, após a votação do Brexit no Reino Unido em 2016, Bruxelas temia um efeito dominó — Frexit (a saída da França da UE), Dexit (a saída da Dinamarca da UE), Italexit (a saída da Itália da UE) e muito mais.

Muitos países europeus tinham partidos populistas profundamente eurocéticos indo bem nas pesquisas na época, mas, ao longo dos anos, essas siglas se sentiram obrigadas a moderar o tom, afastando-se da retórica de abandonar a UE ou a moeda comum, o euro.

Isso parecia radical demais para muitos eleitores europeus.

Eles analisaram o impacto social e político — não importando o impacto econômico altamente discutido — que o Brexit teve no Reino Unido, e muitos concluíram que a saída da UE causaria mais desestabilização em um mundo que já parece muito volátil.

Uma série de fatores contribuiu para isso, entre os quais a pandemia de Covid, uma Rússia agressiva e imprevisível, a preocupação com a China, o aumento do custo de vida — com milhões de famílias europeias ainda sofrendo os efeitos posteriores da crise econômica de 2008.

Pesquisas sugerem que a UE é mais popular entre os europeus hoje do que há anos.

E até agora os partidos de direita falam em reformar a UE, em vez de deixá-la. E a expectativa é que tenham um forte desempenho nas eleições do próximo ano para o Parlamento europeu.

A diretora do Programa Europeu do Institut Montaigne, baseada em Paris, Georgina Wright, me disse que acredita que o renascimento da direita radical na Europa se deve em grande parte à insatisfação com o mainstream político.

Atualmente na Alemanha, um em cada cinco eleitores diz que está insatisfeito com o governo de coalizão, por exemplo.

Wright disse que muitos eleitores na Europa são atraídos pela franqueza dos partidos de direita radical, e há uma frustração tangível de que os políticos tradicionais não parecem ter respostas claras em três áreas principais da vida:

  • Questões ligadas à identidade — medo de fronteiras abertas e erosão da identidade nacional e dos valores tradicionais
  • Economia — uma rejeição da globalização e ressentimento pelo fato de que filhos e netos não têm a garantia de um futuro melhor
  • Justiça social — um sentimento de que os governos nacionais não estão no controle das regras que regem a vida dos cidadãos

Essas questões também estão presentes no debate sobre energia verde na Europa.

Na Holanda, neste ano, o populista de direita Movimento Agricultor-Cidadão ganhou as manchetes ao obter o maior número de assentos de qualquer partido na Câmara Alta do parlamento após as eleições provinciais.

Na França, Emmanuel Macron enfrentou os chamados coletes amarelos, incluindo grupos de direita radical, quando tentou aumentar o preço da gasolina na tentativa de impedir as pessoas de viajar de carro.

Enquanto, na Alemanha, a preocupação pública e a raiva sobre a economia estão impedindo o Partido Verde de introduzir as reformas ambientais prometidas.

 

Ø  Por que a ultradireita ganha terreno na Alemanha?

 

Políticos alemães e a imprensa estão mais uma vez preocupados com a ascensão do populismo de ultradireita no país depois que duas votações locais no leste da Alemanha foram vencidas pela Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido de ultradireita alemão mais bem-sucedido desde a Segunda Guerra.

Na noite deste domingo (02/07), Hannes Loth, da AfD, derrotou o candidato independente Nils Naumann na pequena cidade de Raguhn-Jessnitz, no estado de Saxônia-Anhalt, se tornando o primeiro prefeito da AfD na Alemanha.

Isso ocorre uma semana depois que Robert Sesselmann se tornou o primeiro membro da legenda a conquistar um posto de administrador distrital, em Sonneberg, no estado da Turíngia, também no leste alemão, derrotando um candidato conservador da tradicional União Democrata Cristã (CDU).

Embora os dois distritos sejam relativamente pequenos, os resultados são considerados significativos porque confirmam uma tendência nas pesquisas nacionais: o partido de ultradireita agora está com cerca de 20% de aprovação dos eleitores alemães, mesma parcela de popularidade dos social-democratas do chanceler federal alemão, Olaf Scholz.

Entretanto, os analistas políticos não concordam sobre a causa dessa nova ascensão. Alguns argumentam que as recentes disputas internas no governo, particularmente sobre as leis de proteção do clima, não ajudaram. Segundo uma pesquisa recente, apenas 20% do eleitorado afirmou estar satisfeito ou muito satisfeito com a atual coalizão tríplice de governo. Outros 79% afirmaram estarem menos satisfeitos ou nada satisfeitos.

"A política do governo alemão está perturbando as pessoas", avalia Ursula Münch, diretora da Academia Tutzing de Educação Política na Baviera. "Os eleitores que também estavam insatisfeitos com a política em geral agora estão sendo mobilizadas cada vez mais pela AfD."

<<< O que torna a ultradireita bem-sucedida no leste alemão?

·         Opiniões racistas

Um estudo divulgado na semana passada pela Universidade de Leipzig sugere uma explicação mais simples, embora mais perturbadora: muitos eleitores alemães, particularmente no leste do país, têm opiniões racistas.

Igualmente alarmantes foram os resultados de outra pesquisa, divulgada em 29 de junho, que descobriu que o sentimento populista da AfD está ganhando mais apoio entre os alemães de classe média. O estudo em andamento, do Sinus Institute for Social Research, descobriu que o segmento de classe média dos eleitores da AfD cresceu de 43% há dois anos para 56% agora.

Além disso, há sinais de que a base de eleitores da AfD está se ampliando. A pesquisa constatou que os eleitores da legenda neste segmento não são apenas o que o Sinus chama de classe média "conservadora e nostálgica", mas também a classe média "adaptativa-pragmática" – em outras palavras, quem muda suas preferências políticas de acordo com o que está acontecendo no momento.

"O que estamos vendo atualmente é que as classes médias mais jovens e modernas, que na verdade são mais bem educadas, também estão demonstrando afinidade com a AfD", ressalta Silke Borgstedt, diretora do Sinus Institute, à DW. "Embora ainda não possamos dizer se isso ocorre porque os outros partidos não montam um programa apropriado ou se é uma decisão consciente."

·         Quão populistas os políticos precisam ser?

O chanceler Scholz insiste que a ascensão da AfD não tem nada a ver com problemas em seu governo, mas o partido que provavelmente enfrenta o maior dilema é a CDU, de centro-direita, que, apesar de liderar as pesquisas, está tendo dificuldade em ganhar mais popularidade em cima das disputas da coalizão de governo alemã.

O presidente da CDU, Friedrich Merz, foi forçado a recuar de sua promessa, feita em 2019, de que reduziria pela metade a base eleitoral da AfD, mas sua retórica permaneceu obstinadamente mais antiesquerda do que antidireita durante sua liderança.

Mesmo após os recentes sucessos da AfD, Merz declarou no início desta semana que os verdes continuam sendo o "principal oponente" da CDU, apesar do fato de a CDU estar em coalizão com o partido ambientalista em seis dos 16 governos estaduais da Alemanha.

Ursula Münch não tem certeza se simplesmente atacar os verdes é a melhor estratégia da CDU, mas ela acredita que a última coisa que os partidos tradicionais devem fazer é construir um muro em relação à ultradireita, recusando-se a abordar certas questões, como a imigração. "Acho importante que essas legendas tentem competir em política com a AfD", afirma. "Eles não deveriam simplesmente recuar e dizer: 'esse é um partido de extrema direita, não queremos ter nada a ver com eles'."

·         Tentações do populismo

Os políticos conservadores da Alemanha estão divididos sobre a linha a seguir: alguns evitaram a retórica emotiva em favor de tentar se apresentar como um partido responsável, com perfil para governar, enquanto outros tiveram sucesso considerável.

Hubert Aiwanger, chefe do partido populista de direita (mas não de ultradireita) Freie Wähler (Eleitores Livres) no rico estado da Baviera, no sul, é um exemplo notável. Como ministro da Economia da Baviera e líder do parceiro minoritário da coalizão de governo do estado, junto com a conservadora União Social Cristã (CSU), Aiwanger recentemente causou furor quando disse a uma multidão que se manifestava contra as políticas climáticas do governo federal: "Agora chegou o ponto quando a grande maioria silenciosa deste país deve retomar a democracia."

Isso desencadeou pedidos por sua renúncia, mas Aiwanger insistiu que seu discurso era uma defesa do centro democrático. "Se não fosse por mim, este país estaria ainda mais polarizado", disse ele ao jornal Die Zeit, apontando que a AfD bávaro só consegue 10% nas pesquisas de opinião – metade da média nacional.

·         Ameaça à democracia?

Particularmente preocupante para muitos é tantos eleitores alemães parecerem não se deixar intimidar não apenas pelo racismo muitas vezes declarado da AfD, mas também pelo fato de que o partido está sob vigilância como uma ameaça potencial à ordem constitucional do país: o Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), a agência de inteligência doméstica alemã que rastreia extremistas, classificou certas alas da AfD como extremista de direita e a AfD em geral como um "caso suspeito".

Mas, de acordo com Münch, muitos alemães – especialmente, mas não apenas no leste da Alemanha – mantêm uma atitude crítica em relação ao BfV. Em uma coletiva de imprensa recente, o presidente do BfV, Thomas Haldenwang, pareceu sugerir que os alemães deveriam pensar duas vezes antes de votar na AfD. "Esse não é o trabalho do BfV", repreendeu Münch. "Aos olhos dos eleitores da AfD, posições como essa deslegitimizam o BfV – especialmente no leste da Alemanha. Eles dizem: 'Bem, já tivemos experiência suficiente com a Stasi [serviço secreto do regime comunista da Alemanha Oriental de 1949-1990], vencemos não deixe ninguém prescrever para nós o que é certo e errado'."

Mas será que a AfD está na moda neste momento? Silke Borgstedt, da Sinus, está confiante de que, apesar dos números atuais, os principais partidos alemães ainda não precisam entrar em pânico. "Há uma base de ultradireita e há uma parte de eleitores que são fortemente influenciados pelo humor atual e reagem a ele", diz ela. E o clima pode mudar antes das próximas eleições gerais de 2025.

Ø  Scholz defende que partidos isolem ultradireita

O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, afirmou neste domingo (02/07) que a receita para contrapor o avanço da ultradireita é oferecer "uma perspectiva de futuro" e defendeu que os partidos tradicionais mantenham um cordão sanitário e evitem cooperar com a sigla Alternativa para a Alemanha (AfD), cujo crescimento nas pesquisas tem sido encarado com apreensão no país europeu.

"Sempre houve partidos populistas de direita de mau humor em muitos países europeus e também na Alemanha", disse Scholz, em entrevista à rede de TV alemã ARD.  "É preciso responder com uma perspectiva de futuro para o nosso país e com a questão do respeito" aos cidadãos, disse o chanceler, filiado ao Partido Social-Democrata (SPD), acrescentando que os cidadãos devem ter "a segurança de que há um bom futuro" para eles e para os netos.

Scholz ainda defendeu a manutenção de um "cordão sanitário" em relação à AfD. "Porque a AfD é um partido no qual estão representadas muitas posições extremistas de direita e com o qual não deve e não pode haver qualquer cooperação", disse o chanceler. Scholz ainda disse que foi correto todos os partidos tradicionais, incluindo legendas de centro-esquerda e esquerda, terem apoiado recentemente um candidato conservador na recente eleição distrital de Sonneberg para tentar barrar um candidato da ultradireitista AfD - ainda assim, tal estratégia não funcionou, e o candidato da AfD venceu o pleito. Neste domingo, a AfD também elegeu seu primeiro prefeito no país desde a fundação da sigla, em 2013.

De acordo com uma pesquisa divulgada na sexta-feira pelo canal público ZDF, se as eleições fossem hoje a União Democrata-Cristã (CDU), o partido da ex-chanceler Angela Merkel e atualmente na oposição, seria vencedora, com 28% dos votos. Em segundo lugar ficaria a AfD, com 19%. Já o SPD de Scholz, que venceu a última eleição, teria 18%.

·         Preocupação com tensão na França

Na mesma entrevista, Scholz manifestou preocupação com os tumultos na França, que levaram ao cancelamento da visita de Estado do presidente francês, Emmanuel Macron, à Alemanha, que deveria ter início neste domingo.

"Temos laços de amizade com França e somos uma dupla para garantir que a União Europeia, tão importante para o nosso futuro, funcione bem, e é por isso que observamos com preocupação", disse Scholz.

 

Fonte: BBC News Mundo/Deutsche Welle

 

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