Grupo de 30 mil
membros administrado por Allan dos Santos convocou atos de 8 de janeiro
Bolsonaristas
discutiram a tentativa de golpe de 8 de janeiro em Brasília em um grupo com
mais de 30 mil membros no Telegram — e que tem entre os administradores o
blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, foragido da Justiça.
Segundo
apurou a Agência Pública,
quatro dias antes da invasão, o perfil do grupo enviou para todos os membros um
áudio convocando 2 milhões de pessoas para retomarem o país na capital federal.
“Vamos pra frente do Congresso, pra frente do STF […] É lá que retomaremos
nosso país […] Você, homem, você que quer lutar pelo único restinho que resta
do seu país, Brasília é o local”, diz o áudio. O narrador se identifica como o
político Renato Gasparim, candidato a deputado estadual pelo Republicanos no
Paraná em 2022.
No
áudio, também se avisa que haverá ônibus doados, alugados e emprestados para
levar bolsonaristas. O recado foi transmitido junto com a mensagem: “Áudio
Importante, Repassem, a Retomada começa agora”.
Gasparim
admitiu à reportagem ser o autor do áudio. Ele disse, porém, que o áudio seria
de novembro, chamando para a Marcha pela Liberdade, que aconteceria no
Congresso. Também disse que, em janeiro, o grupo nem existiria mais. Ao ser
confrontado pela reportagem com o print acima, ele reconheceu o envio em
janeiro, mas disse que seria apenas uma retransmissão.
Além
de chamar para o 8 de janeiro, o grupo também tentou articular manifestações
contra a diplomação de Lula, em dezembro.
O
grupo segue ativo no Telegram.
·
Grupo discutiu impedir diplomação de Lula e invadir
Brasília
A
história do grupo “Supremo é o Povo”, que passou ileso às determinações do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de excluir canais com mensagens golpistas,
começa no final de 2022. As mensagens mais antigas que acessamos são do dia 15
de dezembro, uma quinta-feira.
Na
data, os autointitulados “patriotas” trocavam frases de motivação frente à
derrota de Bolsonaro nas eleições.
A
reportagem leu todas as mensagens trocadas desde o início do grupo. É possível
perceber que, em menos de um mês de atuação, houve uma escalada que começa com
convocações aos quartéis, passa por atos contra a diplomação de Lula, em
dezembro, e deságua na convocação para o dia 8 de janeiro.
Desde
o início, já circulavam mensagens que chamavam os apoiadores de Bolsonaro a
irem para os quartéis do Exército, incluindo o de Brasília. “Ele precisa de
nós”, escreveu um membro. “Venham para a frente dos quartéis!!”, completou.
Também já eram organizadas no grupo caravanas e ônibus para a capital federal.
Havia,
entre os membros, um plano inicial para fazer grandes manifestações em Brasília
nos dias 18 e 19 de dezembro. Essa era a data prevista para a diplomação do
presidente eleito – foi quando diversos governos estaduais diplomaram seus
governadores e deputados. A cerimônia de Lula, contudo, foi adiantada para o
dia 12 pelo então presidente do TSE, Alexandre de Moraes.
O
apelo dos bolsonaristas era repetir a mobilização dos atos de 7 de setembro,
que em 2021 e 2022 foram convocados pelo próprio presidente Bolsonaro. Eles
mantiveram o chamado para os atos mesmo após a diplomação de Lula e continuaram
convocando apoiadores para os quartéis até o fim do ano, com a justificativa de
que era importante manter a mobilização.
·
Áudio convocou 2 milhões para retomar Brasília dias
antes de 8 de janeiro
No
dia de criação do “Supremo é o Povo”, um usuário do grupo compartilhou uma foto
dele mesmo e de mais dois homens com a legenda “tá chegando a hora”. Trata-se
do político bolsonarista José Renato Gasparim Júnior.
Gasparim
atuou como assessor parlamentar do vereador de Curitiba Eder Borges (PP) até o
fim de 2021, com salário de R$ 4 mil. Borges foi eleito em 2020.
A
reportagem da Agência Pública confirmou que o telefone
de Gasparim é o mesmo do usuário chamado “jrgj” — as iniciais de José Renato
Gasparim Júnior —, que estava no grupo desde o início.
O
número de telefone associado ao usuário é um dos contatos cadastrados no TSE
para a candidatura de Gasparim. Ele concorreu pelo Republicanos a deputado
estadual no Paraná em 2022 e declarou ter recebido mais de R$ 50 mil pelo
partido. Não foi informado, porém, nenhum real em gastos com a campanha. Ele
também não declarou ter bens.
Em
4 de janeiro, o administrador do grupo postou um áudio no qual um homem, que se
identifica como Gasparim, diz: “o que tínhamos para fazer no Exército foi
feito, agora é hora de darmos um passo atrás, se reorganizar e partir pra
retomada do nosso país. Onde será feito isso? Em Brasília. Isso será feito em
Brasília. É lá que iremos se juntar [sic] com 2 milhões de pessoas. Toda essa
mobilização já está sendo feita em todo o país, aqui em Curitiba, aqui no
Paraná. Estamos organizando ônibus para ir para Brasília”. Gasparim confirmou
à Pública ser o autor
do áudio.
Na
gravação, ele afirma que as manifestações não podem mais ser realizadas “dentro
dos quartéis”. E convoca: “Se preparem, vamos pra frente do Congresso, pra
frente do STF […] É lá que retomaremos o nosso país. Daqui teremos ônibus
doados, emprestados, ônibus alugados, e é assim que nós ajudaremos nosso país.
Quem tá ouvindo, a hora é agora”.
Gasparim
aconselha crianças e idosos a ficarem nos quartéis porque “lá é seguro”. Mas
reforça: “Você, homem, você que quer lutar pelo único restinho que resta do seu
país, Brasília é o local. A data será informada em breve e os ônibus também em
breve”.
O
áudio termina com um pedido para que seja repassado e finaliza: “Se preparem,
em Brasília será a retomada”.
Na
resposta à reportagem, Gasparim afirmou que não estava no Brasil em 4 de
janeiro e não participou dos atos do dia 8. Contudo, ele publicou um vídeo no
dia 5 no qual diz que estará nas manifestações, que ele chama de “pacíficas”, e
chama os apoiadores para estarem em Brasília a partir do dia 7. Já no dia 8,
ele postou em seu Instagram um outro vídeo dos manifestantes entrando no
Congresso, com a mensagem “TOMADA DO CONGRESSO AGORA 08/01/22. TODO PODER EMANA
DO POVO”.
·
Humorista preso teria criado grupo golpista
Há
indícios de que o principal responsável pela criação do “Supremo é o Povo” seja
Bismark Flavio Fugazza, um dos sócios do Hipócritas, canal de humoristas que
tem mais de 1,5 milhão de inscritos no YouTube.
O
criador do grupo é um usuário com o nome de “Hipócritas Bismark”. Ele postava
diversos links do Instagram de Fugazza no grupo. Além disso, Fugazza
compartilhou no seu Instagram o link de entrada para o grupo no Telegram. Em
diversas mensagens, membros agradecem a “Bibi” pela iniciativa e aos “meninos
do Hipócritas”.
Além
de administrador, o “Hipócritas Bismark” era extremamente ativo nas mensagens.
Foi ele quem alterou o nome do grupo para “Grande Família”, em 5 de janeiro, às
vésperas da invasão a Brasília e após a circulação do áudio que convocou 2
milhões para “retomar” o país. Há diversos vídeos de Fugazza nas mensagens,
incluindo transmissões do seu Instagram pessoal.
Na
manhã da invasão em Brasília, ele postou um novo vídeo junto ao chamado: “a
hora é agora”. Na gravação publicada no seu Instagram, Fugazza rebate quem
questiona se aquele seria o momento de agir. “Ou o povo luta pelo Brasil, ou
Brasil nunca mais será do povo”, afirma.
A
reportagem procurou Fugazza a partir do número informado e também pelo seu
perfil de Instagram, mas também não obteve resposta até a publicação.
Logo
na sequência das mensagens de “Hipócritas Bismark”, quem escreve é Allan dos
Santos, blogueiro bolsonarista que está foragido da Justiça nos Estados Unidos.
“Manifestantes
acabam de invadir o Congresso Nacional”, postou o administrador do “Supremo é o
Povo” próximo às 15 horas de 8 de janeiro. O dono do Terça Livre também abriu
uma transmissão ao vivo no grupo durante a invasão.
O
usuário de Allan no grupo é o mesmo informado pelo Telegram ao Supremo Tribunal
Federal (STF) em março de 2022. Na época, o Telegram respondeu ao ministro
Alexandre de Moraes que o usuário “@allansantosbr” era responsável por
administrar diversos outros perfis relacionados a Allan, que foram bloqueados.
Ele,
que também é administrador do “Supremo é o Povo”, postou próximo às 15 horas de
8 de janeiro que “manifestantes acabam de invadir o Congresso Nacional”. O dono
do Terça Livre também abriu uma transmissão ao vivo no grupo durante a invasão.
A Pública questionou Allan através
do usuário ativo no Telegram, que não respondeu.
Reportagem da Pública mostrou que, na noite de
8 de janeiro, Allan dos Santos participou de uma conversa no Twitter sobre a
invasão em Brasília com Matthew Tyrmand, convidado frequente no podcast de
Steve Bannon, o ex-estrategista de Donald Trump. Quando questionado sobre quem estaria
pagando pela viagem dos manifestantes, Santos disse: “Não é caro, não no
Brasil, é só comprar passagem de ônibus”. A sala durou mais de 5 horas e teve
190 mil visualizações.
No
dia seguinte, 9 de janeiro, Fugazza parabenizou os invasores e os chamou de
heróis. “Quero parabenizar todos os patriotas que deram a cara a tapa e
colocaram sua vida a disposição [sic] pela pátria, vocês são heróis […] Essas
pessoas com certeza fizeram muito mais do que qualquer um de nós que temos voz
ativa na comunicação”, escreveu em seu Instagram.
Fugazza foi preso em março deste ano
pela Polícia Federal, após estar foragido desde dezembro. Ele estava no
Paraguai junto ao bolsonarista e blogueiro Oswaldo Eustáquio Filho, que também
é um dos administradores do “Supremo é o Povo”, usando o nome de Mariana Volf.
Eustáquio,
que também teve pedido de prisão em dezembro, refugiou-se no Paraguai. Lá, ele
entrou com pedido de asilo, o que impediu que as autoridades paraguaias o
entregassem, como fizeram com Fugazza. Eustáquio já foi aliado da senadora
Damares Alves e teve uma passagem paga pelo
Ministério da Mulher. Sua esposa foi secretária Nacional
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da gestão Damares.
O
usuário Mariana Volf está ligado a um número de telefone informado no site de
Eustáquio. No grupo, Volf compartilhava links do Instagram de Eustáquio.
Procurado
pela reportagem, Eustáquio disse inicialmente: “não sou administrador desse
grupo, não faço parte desse grupo e desconheço esse grupo”. Depois de ser
confrontado com um print do seu próprio telefone entre os administradores, ele
admitiu estar no grupo, mas disse ter sido contra os atos de 8 de janeiro,
assim como os demais administradores. “Esse grupo não tem nenhuma relação com 8
de janeiro”, disse. Contudo, afirmou que Gasparim esteve em Brasília.
Eustáquio
também escreveu: “Eu saí do Brasil no dia 14 de dezembro em direção ao
Paraguai. Decidi sair quando percebi que havia pessoas manipulando os patriotas
dentro dos quartéis. Eram intervencionistas ligados a Ana Priscila Azevedo.
Mantiveram o povo como gado no QG impedindo que eles saíssem manifestar na
Esplanada, onde eu achava que deveria ser o manifesto em dezembro. Depois
disso, os intervencionistas foram os principais articuladores de 8 de janeiro,
movimento que eu publicamente fui contra”.
No
mês passado, o ministro Alexandre de Moraes concedeu liberdade
provisória a
Fugazza, que precisa usar uma tornozeleira.
·
Grupo é administrado por outros políticos e
influenciadores
A
lista de administradores do grupo “Supremo é o Povo” inclui outros políticos e
influenciadores bolsonaristas.
Um
dos membros usa o nome do pastor Ricardo Martins, que se identifica como um
“Servo de Cristo” e contra o marxismo na igreja. O nome do usuário no grupo do
Telegram é o mesmo que o pastor divulgava antes de criar sua conta secundária.
Ele vive nos Estados Unidos.
Outro
administrador do grupo é um usuário identificado como Marcelo Guillay — o nome
e a foto são de um influencer bolsonarista do Piauí. No grupo,
o usuário tem postado recentemente links para o perfil de Twitter de Guillay.
No início da tarde de 8 de janeiro, o perfil de Guillay no Twitter fez
postagens incentivando os bolsonaristas em Brasília.
Um
outro administrador seria Tacimar Hoendel, que foi secretário parlamentar do
deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ). Hoendel esteve no gabinete de Jordy até
julho de 2022, ganhando cerca de R$ 4 mil. Ele concorreu em 2022 a deputado
estadual pelo PL, no Rio de Janeiro.
A
reportagem apurou que em dezembro um usuário chamado Tacimar Hoendel era
administrador do grupo. Ele chegou a enviar uma mensagem para os membros. O
usuário, contudo, foi deletado.
Reportagem da Pública mostrou
que Hoendel foi um dos bolsonaristas que visitou o Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) comandado pelo general da reserva do Exército Augusto
Heleno, antes da posse de Lula. No dia da visita, Hoendel gravou um vídeo
dizendo que “o ladrão não sobe a rampa”. A suspeita de deputados da Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos na Câmara Legislativa
do Distrito Federal é que o GSI tenha dado apoio aos golpistas que invadiram os
prédios públicos.
A
reportagem questionou todos os três citados sobre o envolvimento com o grupo no
Telegram, que não responderam até a publicação.
Atualmente,
o grupo segue ativo com mais de 29 mil membros (no dia 6 de julho), mas é
fechado para postagens apenas dos administradores. A última mensagem, do dia 1º
de julho, foi de Allan dos Santos. No texto, ele critica Ana Priscila Silva de
Azevedo, presa desde janeiro por participar da invasão aos prédios públicos de
Brasília, após reportagem apontar que ela
pretende “contar a verdade” sobre a invasão. Há oito requerimentos para ela ser
ouvida na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos de 8 de Janeiro do
Congresso.
Fonte:
Por Bruno Fonseca, da Agencia Pública
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