sábado, 8 de julho de 2023

"Estrela de judeu", símbolo de discriminação e morte

Em sua origem, a estrela de Davi não representa um estigma nem é um símbolo exclusivamente judeu. No entanto, desde a época do nazismo na Alemanha, a insígnia de seis pontas passou a ser associada ao Holocausto.

Com as Leis Raciais de Nurembergue, de 1935, os judeus passaram a ser cada vez mais excluídos da vida social na Alemanha. A legislação estipulava meticulosamente quem era judeu puro, meio-judeu, mestiço judeu de primeiro ou segundo grau, ou "suposto judeu" (VolljudeHalbjudejüdischer Mischling ersten oder zweiten Grades, "Geltungsjude"). Mais tarde, a maioria deles seria obrigada a usar uma estrela amarela no peito.

·         "Tornar o inimigo interno visível"

Já antes da guerra, Reinhard Heydrich, chefe do Departamento Central de Segurança do Reich, especulava como os "inimigos internos" da Alemanha poderiam se tornar "visíveis para todo o mundo".

Pouco depois da Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quando em toda a Alemanha sinagogas foram incendiadas e lojas de propriedade judaica foram depredadas, Heydrich escreveu: "Todo judeu nos termos das Leis de Nurembergue deve usar um determinado distintivo. Essa é uma possibilidade que facilita bastante muitas outras coisas."

Para o regime nazista, mais tarde a medida facilitaria sobretudo a localização dos judeus e sua deportação para campos de concentração, e não só na própria Alemanha.

O decreto foi assinado por Reinhard Heydrich, chefe do Escritório Central de Segurança do Reich e organizador do assassinato em massa de judeus europeus, em 1º de setembro de 1941, e entrou em vigor no dia 19 do mesmo mês. 

Já no início da guerra, em setembro de 1939, impusera-se aos judeus na Polônia ocupada que usassem uma braçadeira branca com a estrela, na época ainda azul. À medida que a campanha de ocupação territorial avançava, os nazistas levaram para outros países a rotulagem obrigatória da população judaica.

·         De início, Hitler hesitou

Antes da guerra, o regime ainda se mostrava reticente. Em 1937, constatava-se uma hesitação tática mesmo de Adolf Hitler, ao declarar diante de funcionários do Partido Nacional-Socialista (NSDAP): "O problema da identificação já está sendo continuamente considerado há dois, três anos e, de um modo ou de outro, um dia será posto em prática, é claro. [...] É preciso agora ter o faro para perceber: 'O que eu posso fazer, o que não posso?'"

Àquela altura, para fora o ditador ainda se mostrava aberto a concessões, obviamente temendo uma reação internacional forte. Contudo, depois do início da guerra, as inibições se foram. Em 1941 o ministro da Propaganda, Josef Goebbels, sugeriu novamente a Hitler a identificação dos judeus, recebendo a permissão para tal em meados de agosto.

Em 1° de setembro de 1941 entrava em vigor a nova portaria policial. Ela especificava detalhadamente: "A estrela pintada de preto sobre um fundo de tecido amarelo, do tamanho de um pires de mão, com o dizer 'Jude' [...], deverá ser portada de forma visível, costurada sobre o peito esquerdo da vestimenta."

A portaria valia para todos os cidadãos judeus nos termos das Leis de Nurembergue, a partir de 6 anos de idade, os quais, a partir daí, estavam proibidos de "se mostrar em público sem a estrela judaica". Quem tentasse esconder a Judenstern sob uma pasta, a lapela do casaco ou um cachecol, por exemplo, estava sujeito a punições severas por parte da Gestapo, que monitorava rigorosamente o uso visível do estigma.

·         Também residências foram marcadas

A portaria também proibia judeus de exibirem ordens ou outras distinções e, mais além, de deixar os bairros em que residiam sem autorização policial.

A portaria foi também mais um passo no processo de guetização, que já havia sido iniciado em 30 de abril de 1939, com a lei para o aluguel de residências para judeus.

Proprietários "arianos" poderiam encerrar contratos de aluguel com judeus de forma imediata e sem apresentar justificativas, desde que houvesse uma outra residência disponível. Ao mesmo tempo, a lei obrigava judeus que tivessem espaço dentro de casa a receber judeus que ficassem sem um teto.

O resultado foi o surgimento das chamadas Casas de judeus (Judenhäusern). Cada mudança de residência foi minuciosamente registrada, com a ajuda forçada da própria comunidade judaica. A partir de 1° de abril de 1942, as residências passaram a ser marcadas com uma "Estrela de judeu".

·         Preâmbulo para o Holocausto

A situação era desesperadora para os afetados. O filólogo e autor Victor Klemperer (1881-1960), embora viesse de família judia, se convertera ao protestantismo desde a Primeira Guerra. Mas isso não interessava aos nazistas: para eles, Klemperer era judeu. Em 1935, o especialista em línguas latinas perdeu sua cátedra em Dresden.

Ao ser obrigado a usar a estrela, ele escreveria em seu hoje célebre diário: "Ontem, quando Eva costurou a estrela judaica, um ataque de desespero alucinado em mim. Os nervos de Eva também estão nas últimas. [...] Eu próprio me sinto arrasado, não encontro equilíbrio."

Em 2013, a sobrevivente do Holocausto Ingre Deutschkron lembrou em cerimônia comemorativa no Parlamento alemão: "A maioria dos alemães com quem eu me deparava nas ruas de Berlim desviava o olhar quando percebia que eu usava a estrela, ou olhava através de mim, a estigmatizada, ou virava o rosto. [...] Sem dúvida, a estrela criou um isolamento discriminador para nós." Isolamento, discriminação, mas também controle.

A identificação por meio da estrela amarela era apenas o preparativo para o que os nazistas chamaram de "a solução final da questão judaica": o extermínio. Além do uso da insígnia, os judeus passaram a não poder mais deixar seus bairros sem permissão policial.

Assim se formou uma organização perfeita para o Holocausto. Não por acaso, em outubro de 1941, um mês apenas após a entrada em vigor da portaria, começava a deportação para os campos de extermínio. Victor Klemperer e Inge Deutschkron sobreviveram – milhões de outros, não.

 

Ø  Sinagoga de Munique destruída por nazistas é redescoberta

 

Até sua destruição pelo regime nazista, a Grande Sinagoga de Munique compunha o quadro urbano da capital bávara. Fotos antigas mostram a casa de culto judaica, inaugurada em 1887 na rua Herzog Max, próximo à atual praça Lenbachplatz: na época terceira maior sinagoga da Alemanha, bem ao lado da catedral católica, ela se integrava perfeitamente no centro histórico.

Um "símbolo da igualdade de direitos para os judeus, conquistada em longas e duras lutas", descreve o Museu Judaico de Munique em seu blog. Possivelmente por isso era uma pedra no sapato dos nazistas, e em 9 de junho de 1938 foi demolida por ordem pessoal de Adolf Hitler.

Os restos do edifício acabam de ser redescobertos. Durante trabalhos de construção na barragem do rio Isar, perto da ponte Grosshesseloher, as escavadeiras esbarraram em fragmentos de pedra no leito do rio: flores, frisos elaborados, uma tábua da lei, ao todo 150 toneladas, entre dois e oito metros de profundidade.

O diretor do Museu Judaico, Bernhard Purin, conta que o sensacional achado quase o fez "cair da cadeira": a primeira peça que identificou foi a velha tábua da lei, com os Dez Mandamentos em escrita hebraica, que ficava acima do relicário do torá.

·         Ensaio para a Noite dos Pogroms do Reich

O espanto generalizado se deve ao fato de que, nestes 85 anos, não havia indicação do paradeiro dos destroços da sinagoga. O cientista cultural Purin supõe que o motivo seja Munique ter recalcado seu passado nazista mais do que outras cidades alemãs e, terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, passou a "se definir pela alacridade regada a cerveja do Oktoberfest".

De fato: só em 1969 os muniquenses ergueram um memorial de granito para a sinagoga destruída, da autoria do escultor Herbert Preis. Desde 2006, a nova sinagoga principal Ohel Jakob se localiza na praça Sankt Jakob, em meio ao centro histórico da capital estadual.

No ano seguinte inaugurou-se o Museu Judaico, e em 2015 o Centro de Documentação do Nacional-Socialismo de Munique. Hoje, relata Purin, a recordação do passado nazista é consenso na cidade.

A destruição da Sinagoga Principal antecedeu em seis meses a Noite dos Cristais, a série de pogroms do Terceiro Reich entre 9 e 10 de novembro de 1938: a mando do regime, incendiaram-se sinagogas em toda a Alemanha, judeus foram perseguidos, maltratados, presos e assassinados.

Com o ato precoce de destruição antissemítica em Munique, "pôde-se já testar como a população reage quando se demolem sinagogas", avalia Purin. A demolição ficou a cargo da empresa de construção local Leonhard Moll.

Assim como outras companhias nacionais, ela lucrava com contratos do regime, como a construção da Casa da Arte Alemã ou do Westwall, a muralha de defesa na fronteira oeste da Alemanha. Sobretudo nos últimos anos da Segunda Guerra, eram empregados também trabalhadores forçados.

·         Recalque do passado nazista

Após a demolição, a empresa de início depositou o gigantesco volume de pedras em seu pátio de construção, até que foi contratada em 1956 para reparos da represa do Isar. Ao que tudo indica, as toneladas de escombros foram então despejadas no rio.

Também isso faz parte da história de recalque: na década de 1970, a municipalidade comprou o enorme terreno da firma Moll, até ele ser reconfigurado para a Bundesgartenschau 1983. "Foram movidos 1,5 milhão de metros cúbicos de terra para dar uma forma à paisagem. Além disso, plantaram-se 6 mil grandes árvores", registra a sociedade responsável pela mostra de jardinagem em seu website.

Hoje lá está localizado o Westpark, uma paisagem ondulante atravessada por playgrounds e quadras de esportes, assim como locais para churrasco, rotas de passeio e ciclovias, uma cervejaria e um restaurante. É bem possível que mais destroços da Grande Sinagoga se encontrem debaixo de uma ou outra colina do parque.

O Departamento Estadual de Preservação do Patrimônio já começou o transporte das toneladas de pedra para outro depósito. O diretor Bernhard Purin calcula que o exame do material dure de um a dois anos. O Museu Judaico – que já tem em seu acervo fragmentos de pedra e dos vitrais da Grande Sinagoga – vai assistir na classificação dos objetos.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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