domingo, 9 de julho de 2023

César Fonseca: BC independente descola do bolsonarismo e favorece lulismo

O presidente Lula e seu escudeiro ministro Haddad comeram o presidente do BC Independente, Roberto Campos Neto, pelas beiradas como se fosse mingau quente, como diria Brizola, a partir da vitória política da aprovação, no Senado, do estruturalista Gabriel Galípolo para diretoria do Banco, sinalizando sua candidatura ao cargo, no próximo ano. 

A intransigência de Neto parecia intransponível sabendo que possui mandato descolado do de Lula para administrar a taxa de juro ao largo dos interesses do governo e de sua política comprometida com os avanços sociais prometidos em campanha eleitoral. 

O confronto entre Palácio do Planalto e Ministério da Fazenda, de um lado, compromissado com desenvolvimento sustentável, para vencer a recessão e o neoliberalismo, e o Banco Central Independente, de outro, em dessintonia mecânica, apolítica, meramente técnica, do governo, sinalizava desastre irremediável.

Não haveria jeito, senão esperar o fim do mandato de Neto, em vigor até final de 2024, para que Lula pudesse conduzir política monetária consequente com a política fiscal de verniz social.

O governo, submetido a uma maioria indesejável no Congresso comandada por Arthur Lira, indisposto a flexibilizar-se frente a Lula e disposto a caminhar com intransigência com  mercado financeiro, dando as cartas, no parlamento dominado pelo fascismo bolsonarista, estaria, então, em mãos lençóis.

Mas não foi o que aconteceu, que está acontecendo; não contaram os adversários de Lula com a conjugação de fatores internos e externos para o jogo ir virando a seu favor.

CONSPIRAÇÃO PRÓ LULA

No plano interno, o presidente recompôs a sua política social e econômica desenvolvimentista, destruída por Bolsonaro, embora, relativamente, travada pela alta taxa de juros imposta pelo BC Independente sob aplauso do mercado especulativo, travando produção e consumo.

Essa queda de braços começou a trabalhar a favor de Lula em face dos acontecimentos internacionais detonados pela guerra na Ucrânia que levou à polarização os Estados Unidos e Europa, graças à inflação que promete criar ambiente de tensão política internacional.

Os europeus, desesperados pelas sanções econômicas impostas pelos americanos à Rússia, fornecedora de matérias primas e energia barata para eles, viram na América do Sul a saída para suas agruras impostas por Washington em forma de exportações caras de insumos energéticos ao velho continente a preços superfaturados, elevando a inflação à loucura para as famílias europeias.

Os líderes europeus, temerosos quanto às próximas eleições parlamentares, correram para fechar acordo entre União Europeia e Mercosul para desovar produção do velho continente na América do Sul.

Com isso, abre chances de negociação que estão sendo travadas nesse instante, cujas consequências serão aumento de exportações brasileiras, que estão crescendo, espetacularmente, nos últimos meses, melhorando balança comercial com superavit no balanço de pagamento.

É a Europa que, agora, precisa, desesperadamente, da América do Sul, em particular do Brasil e não o contrário.

Os capitalistas europeus fazem opção preferencial pelo Brasil e, consequentemente, ajudam a baratear o dólar na praça.

Os americanos, já preocupados com perda de mercado para a China, começam a arrancar os cabelos com a onda da desdolarização desencadeada pela guerra na Ucrânia.

DESDOLARIZAÇÃO AMÉRICA DO SUL APAVORA TIO SAM

Depois que Rússia e China estreitaram suas relações comerciais em moedas nacionais, sem utilização do dólar, a moeda americana começou a se desvalorizar no mundo, perdendo competitividade, principalmente, para o yuan  chinês.

A moda da desdolarização pegou na América Latina, África e Ásia e deverá se ampliar na próxima reunião dos BRICS, na África do Sul, em agosto, criando fato político internacional que alarma Washington.

Argentina e Brasil ensaiam o mesmo movimento e o FMI e Banco Mundial se estremecem, como agentes econômicos e financeiros do império americano, na cena internacional, onde perdem, relativamente, a importância que tiveram em outros tempos.

Lula, propagandista da desdolarização, como novo presidente pro tempore do Mercosul, alarma governo Biden, pois influencia continente sulamericano em favor de nova realidade monetária global, adequada aos interesses não de Washington, mas de China e Rússia e seus aliados na geopolítica Sul-Sul.

Os latino-americanos desejam seguir Lula na tarefa de incrementar o comércio regional e atrair capital europeu para promover aqui dentro as inversões em indústrias.

Querem que os capitalistas industriais instalem por aqui suas indústrias para transformar matérias primas locais em manufaturados; latino-americanos desejam exportar valor agregado e não mais funcionarem como celeiro de matérias primas baratas, como destacou presidente da Argentina, Alberto Fernandez, na reunião do Mercosul.

NOVO DISCURSO DA INDUSTRIALIZAÇÃO LATINO-AMERICANA

Pressionados pela inflação, os europeus estão sem competitividade para produzir e tendem a perder mercado não apenas para  China mas também para a América do Sul onde indústrias internacionais são atraídas pelo mercado interno, no compasso da redução de juros.

Lula, portanto, aumentará a retórica dos juros baixos, para atender a lógica reclamada pelo comércio e indústria, virando de cabeça para baixo a política monetária do BC que impede competitividade internacional do Brasil.

Chegou a hora da atração dos investidores para produzir barato a fim de reduzir a inflação na Europa penalizada pelas exportações americanas, depois que Tio Sam intensificou sanções comerciais contra a Rússia.

Todos esses fatores, portanto, conspiram para a estratégia econômica de Lula de incrementar discurso desenvolvimentista que reverbera no Congresso em favor não da política monetária de Campos Neto, mas na do presidente, que força a barra, politicamente, para que os congressistas flexibilizem cada vez mais o ajuste fiscal.

A crença dos congressistas em Lula se amplia com racha entre as forças bolsonaristas, interessadas em se descolarem de Bolsonaro para colaborar com o lulismo de olho nas eleições municipais de 2024, assim como os banqueiros que fizeram jogo duro com o Planalto, até agora, se flexibilizam para influenciar o BC Independente a diminuir a Selic.

Dessa forma, a conjugação de fatores internos e externos, associados à retórica política desenvolvimentista de Lula em defesa da melhor distribuição da renda tende a apressar, por fim, aprovação da reforma tributária, pela qual se bate, agora, até os neoliberais, temerosos de verem seus ativos se desvalorizarem, se a economia não retomar o crescimento sustentável.

 

Ø  Reforma tributária deve acelerar a economia, dizem especialistas

 

A reforma tributária,  aprovada nesta sexta-feira (7) pela Câmara dos Deputados, vai permitir o crescimento da economia brasileira, de acordo com especialistas. Isso pode reforçar o movimento de queda nos juros futuros, o que pode causar a alta de ações na Bolsa de Valores. Nesta sexta, após a aprovação do texto, a Bolsa subiu e o dólar caiu .

De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a reforma tributária pode elevar o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2,39% até 2032, em relação ao cenário sem nenhuma reforma.

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"As propostas de reforma promovem mudança estrutural em favor de setores com cadeia produtiva mais longa, com maior efeito multiplicador e, consequentemente, com maior produtividade. Assim, além de promover crescimento econômico, a reforma alinha a economia brasileira para crescer ainda mais", afirma João Maria de Oliveira, autor do estudo do Ipea.

·         Por que a reforma tributária pode alavancar a economia?

Apesar de não significar diminuição da carga tributária, a reforma prevê uma simplificação dos tributos. Isso, por si só, já ajuda o setor produtivo brasileiro. "Hoje, empresas chegam a gastar 5% do faturamento somente para apuração de tributos. Menos tributos significam menos regras e regulamentações complexas, resultando em um ambiente mais propício para a atividade econômica", afirma Hélder Santos, CEO da Tax Strategy.

Segundo o especialista, essa simplificação tem potencial para aumentar a competitividade do ambiente de negócios brasileiro, atraindo investimentos estrangeiros, criando empregos e impulsionando o crescimento econômico de longo prazo.

Além de alavancar a economia como um todo, a reforma também tende a provocar melhorias no mercado financeiro, causando efeitos como a diminuição da cotação do dólar. "O mercado quer que a questão tributária seja o mais simplificada possível, dessa maneira será mais fácil atrair investidores estrangeiros. Se realmente as coisas funcionarem de maneira simplificada, os mercados veem isso com bons olhos", afirma Marcello Marin, CFO da Spot Finanças.

·         Reforma não é garantia de sucesso

Apesar do cenário promissor, os especialistas ainda veem a prática da reforma tributária com cautela. Marcus Vinícius, sócio líder da área tributária da KPMG, afirma que o texto aprovado na Câmara tem "mecanismos que podem reimplementar complexidade no sistema".

Se, na prática, a reforma tributária não simplificar os impostos da maneira esperada, seus efeitos positivos podem ser descartados. 

"No texto aprovado, além do aumento para dois impostos e, em alguns casos, três (em função do imposto seletivo para alguns produtos/setores), ampliou-se muito o rol de atividades que terão alíquotas diferenciadas, além da manutenção ou criação de uma série de regimes especiais. Essa multiplicidade de alíquotas e regimes se assemelha ao regime atual e resulta em complexidade para os negócios", argumenta Marcus.

"A prática precisa ser vista para ser realmente definido o impacto positivo ou negativo da reforma tributária", concorda Marcello

·         Indústria e serviços

Por conta da esperada simplificação dos impostos, a aprovação da reforma tributária foi recebida de forma positiva pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). "O modelo que defendemos elimina o principal obstáculo para o Brasil crescer de forma sustentada, por remover travas ao investimento e promover um ambiente de negócios que favoreça o crescimento das empresas, a geração de emprego e a melhora da renda do brasileiro", afirma Robson Braga de Andrade, presidente da CNI.

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A Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (ABAD) também recebeu positivamente a reforma, afirmando que este é o início de uma "caminhada vitoriosa". "Deixaremos para trás décadas de conflitos judiciais que oneram as empresas produtivas do país", diz a entidade.

Os bancos também elogiaram a aprovação do texto. "O sistema atual é um entrave para o crescimento: reduz a produtividade das empresas, impede a alocação eficiente de recursos e gera um nível de litigiosidade na sociedade sem paralelo nos demais países, tanto nos desenvolvidos como nos emergentes comparáveis ao Brasil", diz Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Outra entidade a elogiar a aprovação foi a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que afirma que a "proposta tornará a cobrança de impostos mais racional e equilibrada, impulsionando o crescimento da economia".

Por outro lado, empresas de serviços podem ser prejudicadas pela reforma, de acordo com Robson Carlos Nascimento, consultor tributário da Confirp Contabilidade. Isso porque essas companhias não serão tão beneficiadas pela compensação de impostos quanto a indústria.

"Quando se analisa o impacto para a indústria, ele é positivo, uma vez que, embora as alíquotas sejam majoradas, há maior possibilidade de utilização de créditos referentes à matéria-prima, transporte, embalagens e custos de produção. No caso das prestadoras de serviços, não há tantos créditos disponíveis para abater o imposto devido pela prestação, o que, sem dúvida, onerará o setor", explica.

Eduardo Araújo, especialista tributário e CEO da Tax All Consultoria Tributária, também problematiza o impacto da reforma no setor de serviços. "Se o governo não ficar atento aos setores de serviços, que representam uma das maiores fatias de empregabilidade do Brasil, isso pode acarretar em muito desemprego", alerta.

"Tendo desemprego, os índices da economia são afetados. E aí, novamente, lá na frente, o Banco Central pode vir e segurar os impactos do desemprego no Brasil, que é você ter menos consumo, o que pode ter um reflexo no aumento da inflação e na taxa de juros lá na frente", completa.

Para que esses prejuízos sejam evitados, Eduardo defende a necessidade de dialogar com empresas de serviços e trabalhar na desoneração da folha de pagamento. "É necessário fazer algo mais amplo, para que, realmente, contratar no Brasil seja bem mais barato. Porque aí você tem um efeito imediato, que é a geração de emprego", opina.

 

Fonte: Brasil 247

 

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