6 meses de mandato:
Lula recupera espaço do país na política externa, mas patina sobre Ucrânia
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa seis meses de
mandato neste sábado (1º) com a marca de visitas a 12 países. Uma agenda que,
na avaliação de especialistas ouvidos pelo g1, buscou retomar a tradição da política externa de diálogo com
diferentes países e organismos, a fim de recolocar o Brasil nas principais
discussões do cenário internacional.
Nestes
primeiros seis meses de mandato, Lula visitou:
- Argentina
- Uruguai
- Estados Unidos
- China
- Emirados Árabes
- Portugal
- Espanha
- Reino Unido
- Japão
- Itália
- Vaticano
- França
Lula
foi recebido, por exemplo, pelos presidentes Joe Biden (Estados Unidos), Xi
Jinping (China) e Emmanuel Macron (França) e pelos primeiros-ministros Rishi
Sunak (Reino Unido) e Fumio Kishida (Japão). Abordou nas viagens uma série de
temas, entre os quais, a redução da desigualdade, o combate à extrema-direita e
o financiamento de ações de preservação ambiental.
O
presidente também sugeriu a criação de um grupo de países para intermediar o
fim da guerra na Ucrânia. Suas posições, contudo, foram consideradas
benevolentes com a Rússia e renderam críticas de especialistas e de líderes
políticos, inclusive do governo dos EUA.
·
Retomada de espaço
Com
agendas em 12 países em seis meses, Lula igualou a marca do segundo mandato
presidencial (2007-2010) e superou as nove visitas do primeiro (2003-2006).
Nesta semana, o petista abrirá o segundo semestre com mais duas viagens:
- reunião do
Mercosul, na terça-feira (4), na Argentina (Puerto Iguazú);
- fórum de
debates científicos da Amazônia, no sábado (8), na Colômbia (Leticia)
Lula
concentrou metade das viagens na Europa, visitou três países da Ásia e três da
América. Na avaliação de especialistas em relações internacionais, a frequência
das viagens e os destinos demonstram o esforço para reverter o isolamento do
governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).
O
período foi marcado por atritos com parceiros importantes (China, França,
Alemanha e Argentina), e pelo alinhamento aos EUA que durou até o final da
gestão de Donald Trump.
Para
Lia Valls Pereira, pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), Lula mostrou estar disposto a dialogar
sem alinhamentos automáticos em um mundo no qual EUA e China disputam
influência.
Eventuais
ganhos financeiros poderão vir ao longo do mandato, mas dependem de estabilidade
política, segurança jurídica e perspectiva de crescimento econômico.
"O
governo anterior tinha a defesa do Brasil ser um pária. O Brasil sempre teve
uma posição de multilateralismo. É um gesto político importante recuperar o
papel do Brasil nesta agenda internacional”, afirma Pereira.
O
efeito da posição pôde ser visto nos convites que levaram Lula à cúpula que
discutiu um pacto financeiro, na França, e à reunião do G7, no Japão. O Brasil
ficou 14 anos sem participar do encontro do bloco formado por Alemanha, Canadá,
EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido, além da União Europeia.
"Lula
restabeleceu o relacionamento ativo, construtivo e positivo com parceiros
estratégicos. O Brasil tem cinco parceiros verdadeiramente estratégicos:
Argentina, EUA, Alemanha e França, e China", avalia o diplomata aposentado
Roberto Abdenur, ex-embaixador nos EUA e China.
·
Países visitados por Lula nos primeiros semestres de
seus mandatos
1º semestre de 2003 |
1º semestre de 2007 |
1º semestre de 2023 |
Equador |
Equador |
Argentina |
Suíça
(2 vezes) |
Suíça |
Uruguai |
Alemanha |
Uruguai |
Estados
Unidos |
França |
Guiana |
China |
Peru
(2 vezes) |
Estados
Unidos |
Emirados
Árabes |
Argentina |
Venezuela |
Portugal |
Paraguai |
Chile |
Espanha |
Estados
Unidos |
Argentina |
Reino
Unido |
Colômbia |
Paraguai
(2 vezes) |
Japão |
Reino
Unido |
Itália |
|
Índia |
Vaticano |
|
Alemanha |
França |
Fonte:
Presidência da República
·
Política ambiental
Entre
os pontos que o governo se reposicionou está a política ambiental. Em reuniões
com autoridades, discursos e entrevistas, Lula reforçou o compromisso de zerar
o desmatamento até 2030 na Amazônia e cobrou de nações mais ricas recursos para
preservar as florestas de países em desenvolvimento.
O
Fundo Amazônia, que custeia ações de combate ao desmate, foi reativado com o
anúncio da intenção de investimentos de EUA, Reino Unido e União Europeia, além
de Noruega e Alemanha, países que já financiavam o fundo.
O
Brasil também conseguiu fazer de Belém (PA) a sede, em 2025, da cúpula das
Nações Unidas (ONU) que discute mudanças climáticas (COP).
A
pesquisadora Lia Valls Pereira afirma que o Brasil tem "liderança
natural" na área ambiental que precisa ser explorada "como
instrumento de política pública para o desenvolvimento do país".
Pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Renato Baumann afirma que
o teste à política ambiental de Lula será o desfecho da tentativa de Petrobras
de explorar petróleo na bacia da foz do Rio Amazonas.
"É
uma situação delicada que pode tisnar um pouco a imagem externa", afirma.
·
Mercosul-União Europeia
Lula
fez três viagens à Europa, com seis países visitados, no semestre antes de
assumir a presidência rotativa do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e
Paraguai). A prioridade do presidente é destravar o acordo comercial com a
União Europeia, que precisa ser ratificado pelos países dos blocos.
A
União Europeia apresentou uma carta adicional ao Mercosul com novas exigências
na área ambiental. Lula chamou a posição de "ameaça" e disse que os
europeus também não cumprem metas do Acordo de Paris para preservação
ambiental. O petista planeja vencer esse imbróglio até o fim do ano, antes de
deixar o comando do Mercosul.
Pesquisador
do Ipea, Renato Baumann avalia que “faz todo o sentido negociar olho no olho”
com as autoridades europeias para "manifestar o desconforto com as duas
pedras no sapato do acordo".
O
embaixador Roberto Abdenur também considera a posição correta. "Essa carta
prevê sanções - e sanções duras - contra o Brasil no caso de descumprimento de
nossos objetivos climáticos ou outras infrações na área ambiental e climática.
Acho que isso é excessivo", afirmou o diplomata.
·
Guerra na Ucrânia
Os
especialistas ouvidos pelo g1 apontam que há excesso de empenho por parte do
governo em ganhar protagonismo em áreas que podem não trazer ganhos à política
externa brasileira, como é o caso da guerra na Ucrânia, um dos temas
preferencias de Lula nas viagens internacionais.
"O
que Lula está fazendo é absolutamente inócuo, ninguém apoiou esse clube da paz,
exceto algumas palavras de China e Rússia, porque quando você tem um agressor,
o dever de todos os estados membros é vir em socorro e apoio a parte
agredida", afirma Paulo Roberto de Almeida, diplomata e ex-diretor do
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais.
O
Brasil condenou a invasão russa, porém Lula foi criticado por declarar que
Rússia e Ucrânia não tomam “iniciativa de parar” e que Europa e EUA contribuem
para continuidade da guerra. Essa posição ajudou a esfriar a relação com a Casa
Branca, que começou em fevereiro com encontro entre Lula e Biden.
"
A gente vê o antiamericanismo da velha esquerda. Os EUA mudaram, defenderam a
democracia no Brasil há seis meses quando Bolsonaro estava tentando derrubar os
fundamentos democráticos”, observa Almeida.
·
Integração regional
Lula
escolheu a Argentina, principal parceiro comercial do Brasil na América do Sul
e governada por Alberto Fernández, aliado do petista, como destino de sua
primeira viagem no terceiro mandato, em janeiro.
Lula
foi a Buenos Aires para a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (Celac) e, na sequência, passou pelo Uruguai, onde se encontrou com
o presidente Luis Lacalle Pou.
Começar
as agendas internacionais por países vizinhos deixou a mensagem a pró-
integração regional, que pode tornar a região mais competitiva, segundo Renato
Baumann, que estuda relações comerciais entre países.
"Mostra
uma visão de mundo no sentido de que é importante os laços econômicos na região
em termos de promover complementaridade produtiva e ganhar produtividade. O
Brasil esteve muito tempo de costas para os vizinhos", diz.
Lula
não visitou outros países da América do Sul nos meses seguintes, porém defendeu
fortalecer o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a União de
Nações Sul-Americanas (Unasul).
Lula
também organizou, em maio em Brasília, uma cúpula com presidentes da América do
Sul. O evento, contudo, foi marcado por Lula ter falado que o presidente da
Venezuela, Nicolás Maduro, era alvo de "narrativas" que o prejudicam.
Os analistas consideram que a deferência a Maduro foi um erro.
"Lula
fez bem em reativar a embaixada em Caracas e em convidar Maduro, porque é um
país importante para o Brasil, mas é preciso distinguir Venezuela como país de
seu atual governante. Isso demonstra leniência de Lula com as ditaduras de esquerda”,
diz Roberto Abdenur.
Ø Brasil vai liderar
Mercosul, G20 e Conselho da ONU no 2º semestre
Além
de viagens esperadas nos próximos meses para Bélgica (cúpula Celac-União
Europeia), África do Sul (cúpula dos Brics) e Estados Unidos (Assembleia
da ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve intensificar no segundo
semestre a agenda diplomática. O Brasil deve assumir o comando de três organismos
multilaterais:
- Mercosul (Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai)
- G20 (20
principais economias do mundo)
- Conselho de Segurança das Nações Unidas
Inicialmente,
o Brasil iria comandar, a partir de 2024, o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China
e África do Sul), mas, como vai assumir o G20 no próximo mês de dezembro, o
comando do grupo passou para a Rússia. O Brasil comandará o bloco em 2025.
Uma
fonte próxima ao ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, avalia que, ao
presidir esses grupos, o Brasil poderá propor a discussão sobre temas como:
- acordo
Mercosul-União Europeia;
- mudanças
climáticas;
- desenvolvimento
sustentável;
- paz e
segurança internacional;
- reforma do
Conselho de Segurança da ONU;
- combate à
desigualdade.
<<<< Mercosul
O
Brasil assumirá o comando do Mercosul na próxima terça-feira (4). Desde a
posse, o presidente tem reiterado que o grupo precisa se fortalecer.
Nesse
contexto, a expectativa entre diplomatas é que Lula adote as medidas para fazer
com que o acordo comercial com a União Europeia possa avançar. O texto é
negociado desde 1999 e, desde 2020, está na fase de revisão.
Um documento adicional inserido pela
parte europeia, porém, tem causado resistência por parte do governo brasileiro,
que o vê como uma “ameaça”. O texto prevê sanções em caso de descumprimento de
metas na questão ambiental, por exemplo.
O
governo brasileiro entende que essa possibilidade de sanção não é mais
necessária ou que deve ser implementado o princípio da reciprocidade, isto é,
que a sanção válida para o Mercosul possa valer também para a Europa.
A
expectativa no governo brasileiro é fechar o acordo até o fim deste ano,
aproveitando que o Brasil comandará o Mercosul e a Espanha, a União Europeia,
dois países engajados na conclusão das negociações.
Paralelamente
às discussões sobre o acordo, o Brasil tem defendido que a Venezuela, suspensa
do Mercosul desde 2017, volte a integrar o bloco de maneira efetiva. Lula tem
tentado reaproximar os dois países, e o Brasil aguarda com expectativa as
eleições no país, marcadas para 2024.
·
G20
Em
dezembro deste ano, o Brasil assumirá a presidência do G20, grupo que reúne
representantes das maiores economias do mundo. A presidência do grupo é
rotativa e atualmente é ocupada pela Índia. O Brasil ficará à frente do G20 até
novembro de 2024.
A
expectativa é que Lula paute no grupo discussões sobre desigualdade e
sustentabilidade. Em recentes declarações, o presidente tem cobrado mudanças na
atuação do G20, afirmando que o grupo precisa, por exemplo, incluir a União
Africana e passar a discutir temas como inflação e taxa de juros.
Lula
também tem cobrado ação do G20 em relação à violência nas redes sociais,
defendendo que o grupo adote medidas para que as plataformas não sejam
utilizadas para disseminação de fake news, discurso de ódio ou práticas
terroristas.
O
Rio de Janeiro foi escolhido como sede da cúpula do grupo em 2024. O grupo contará com a
participação de chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo mais
representantes de 10 nações convidadas.
·
Conselho de Segurança da ONU
O
Brasil comandará o Conselho de Segurança da ONU em outubro deste ano. A
presidência do grupo é rotativa e muda a cada mês.
Lula
tem feito frequentes discursos em fóruns internacionais defendendo a reforma do
conselho. O presidente tem dito, por exemplo, que o organismo precisa ter mais
representatividade e incluir países da América do Sul, da África e mais países
da Europa e da Ásia. Lula costuma citar o próprio Brasil, além de Alemanha,
Japão, Índia e África do Sul.
O
conselho tem 15 membros, dos quais cinco têm os chamados assentos permanentes:
China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Os outros dez são
rotativos (o mandato atual do Brasil acaba em dezembro deste ano).
Para
Lula, a guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, não deveria ser discutida
pelo G7 nem pelo G20, mas, sim, pelo Conselho de Segurança da ONU.
Para
diplomatas ouvidos pelo g1, uma eventual discussão sobre a guerra no conselho
vai depender do cenário no momento.
·
Agenda externa
Desde
que tomou posse, em 1º de janeiro deste ano, Lula tem dedicado boa parte da
agenda à política externa. No primeiro semestre de governo, o presidente Lula
viajou para países como França, Estados Unidos, China, Japão, Portugal e
Argentina.
Também recebeu, em Brasília, representantes
de diversos países,
entre os quais Argentina, Alemanha, Finlândia e Romênia (os dois últimos fazem
fronteira com Rússia e Ucrânia, respectivamente), além de ter organizado a
cúpula sul-americana, que contou com a presença de 11 presidentes da América do
Sul.
Para
o Itamaraty, o objetivo do governo, de construir pontes com o mundo, foi
alcançado. “E as pontes foram reconstruídas. As viagens obedeceram essa lógica,
e o Brasil está de volta ao jogo”, avaliou ao g1 um diplomata.
Duas
agendas importantes para a recuperação de laços com outros países ficaram para
o segundo semestre, a reunião de países que integram a Amazônia e a ida do
presidente Lula à África. Ambas estão previstas para agosto deste ano.
A
viagem para a África estava prevista para maio deste ano, mas foi adiada após
Lula ter sido convidado para participar das reuniões do g7, grupo que reúne
representantes das sete maiores economias do mundo.
Fonte:
g1
Nenhum comentário:
Postar um comentário