Paulo
Kliass: Um Brasil de carros, petróleo, soja e minério?
Os produtos expressos no título deste artigo não
podem ser considerados como os elementos estratégicos para capitanear uma nova
etapa de desenvolvimento econômico e social de nosso país. Precisamos de forma
urgente passar por um processo de reindustrialização contemporânea, um patamar
de qualidade distinta que seja a marca da nova atividade industrial de nossos
tempos. Ao longo dos últimos anos, a ausência de um programa nacional de
desenvolvimento permitiu que os setores vinculados à exportação de
“commodities” agrícolas, pecuárias e minerais se aliassem ao mundo do
financismo para perpetuar um modelo que privilegia tão somente a destruição do
meio ambiente e que consolida o parasitismo especulativo.
As últimas décadas se caracterizaram por processo
acentuado de desindustrialização, ao mesmo tempo em que as atividades marcadas
por baixíssimo valor agregado passaram a ganhar maior relevância em nossa
estrutura econômica. Nossa pauta exportadora ficou completamente dependente de
bens que contribuem muito pouco para a geração de empregos, mas que também
prejudicam sobremaneira o meio ambiente e a sustentabilidade de qualquer ponto
de vista. A participação da indústria de transformação chegou a representar 27%
do PIB na década de 1980. A partir das mudanças proporcionadas pela
liberalização comercial iniciada por Collor em 1990, a participação da
indústria no conjunto das atividades econômicas começa a cair e atualmente mal
supera a casa dos 10%.
Porém, as necessidades para essa nova etapa do
processo de industrialização não podem – e nem devem – ser meras reproduções
dos processos pelos quais nossa economia passou ao longo das últimas décadas do
milênio que se acabou. As alternativas e os desafios são imensos. Muito se fala
da indústria 4.0 e 5.0; da indústria digital e do conhecimento; da indústria
sobre uma base de energia limpa e renovável; de uma indústria sustentável
social e ambientalmente. Essa deverá ser a base da sociedade do futuro, mas que
já começa a ser implementada aos poucos no presente em outros países. A grande
dificuldade é justamente iniciar o processo de transição, lançando as sementes
do que se pretende como modelo a ser alcançado, mas procurando não comprometer
sobremaneira os elementos sociais atualmente existentes e procurando mitigar os
impactos da mudança necessária sobre a geração atual.
• Carros,
petróleo, soja e minério de ferro: modelo do passado
Isso significa que o modelo baseado na exportação de
“commodities” como o atual não pode, obviamente, ser eliminado no curto prazo.
Mas a sociedade brasileira precisa estar de acordo e consciente de que os dias
do mesmo estarão contados. A demanda externa começa a exigir modelos de
produção que sejam também sustentáveis, com menos presença de agrotóxicos e
transgênicos. Por outro lado, a pressão pela redução da velocidade do
aquecimento global recoloca a questão do desmatamento e da preservação dos
biomas, a exemplo do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia. Assim, a pressão por
novas formas de produção de carne e do aumento da safra agrícola sem a
destruição de novas áreas preservadas também pode contribuir para redefinir as
novas bases do modelo exportador.
A questão do petróleo é igualmente um tema que
precisa de uma redefinição urgente. A polêmica envolvendo a recente negativa do
IBMA para a solicitação da Petrobrás explorar óleo na bacia petrolífera da foz
do Rio Amazonas aponta para o debate a respeito de quais serão as fontes de
energia estratégicas para o futuro do Brasil. É certo que o petróleo tampouco
deixará de ser uma fonte de recursos econômicos a curto prazo. As reservas
descobertas no Pré-sal representam uma importante reserva para auxiliar na
construção das bases materiais da sociedade do futuro. Mas é fundamental a
tomada de consciência de que a economia do petróleo já representa o passado em
termos globais. Precisamos promover uma transformação efetiva em nossa matriz
energética e devemos estar preparados para uma mudança na demanda global.
O caminho passa por reforçar a criação de políticas
públicas que estimulem a pesquisa e o desenvolvimento de fontes renováveis e
não fósseis de energia. Neste sentido, o Brasil parece estar indo pelo bom
caminho, com a ampliação de fontes mais sustentáveis em sua matriz energética.
Tanto a alternativa eólica quanto a solar começam a ganhar participação
crescente no atendimento de nossas necessidades internas, mas os desafios ainda
são enormes. O fundamental é que a Petrobrás seja efetivamente transformada em
uma grande empresa de energia em sentido amplo, apostando justamente na
substituição estratégica do petróleo no médio e no longo prazos.
• Criar
o modelo para o futuro: emprego e sustentabilidade
Exatamente em função da importância de o Estado
apontar elementos de planejamento e direcionamento das atividades econômicas de
forma geral, tudo indica que a recente sinalização de estímulo governamental
para a produção de veículos individuais em larga escala aponta para um modelo
do passado. É inegável que as demandas pela melhoria da qualidade de vida da
população dos estratos sociais de renda mais baixa precisam ser atendidas.
Porém, a simples retomada de programas do tipo “carro popular” não contempla
aspectos cruciais do processo, tais como a prioridade a ser conferida ao transporte
público, a complexidade do tráfego urbano nas grandes cidades, a elevada
mortalidade nos acidentes com automóveis, a reprodução de veículos com
propulsão a derivados de petróleo e a baixa capacidade de geração de emprego
direto no ramo automobilístico. Ao que tudo indica, o modelo proposto ainda não
incorpora a exigência de contrapartidas a serem cumpridas pelos grandes
conglomerados que serão muito beneficiados pelas desonerações tributárias e
demais estímulos a serem oferecidos a quem se dispuser a produzir para atender
à demanda do programa.
Se é verdade que os anos recentes assistiram a uma
redução do licenciamento do número de automóveis produzidos internamente, o
fato é que retomar o patamar da década de 2010 não se configura em solução que
atenda a um projeto de Nação com olhar para o futuro. Reproduzir a busca
daquele modelo com as mesmas características de desigualdade multifacetada,
comprometimento ambiental e caos urbano não colabora para o desenho que as
gerações futuras esperam de nós.
O setor público deveria estabelecer, por exemplo,
programas de universalização do acesso a carros elétricos e um percentual desse
tipo de veículo a partir da adoção do programa de carros mais baratos. O
governo deveria exigir das indústrias a oferta combinada de ônibus elétricos,
de maneira promover a necessária substituição da frota atual, bastante
comprometida com motores dependentes de combustível fóssil e bastante poluente.
Medidas similares deveriam ser adotadas no que se refere ao transporte de carga
por caminhões. Além disso, seriam mais do que adequadas soluções que apontassem
para a exigência de elevação do conteúdo nacional no ciclo produtivo e o
compromisso das empresas com a geração de emprego compatível com as benesses
tributárias oferecidas e as necessidades do mercado de trabalho.
Assim, o governo Lula 3.0 precisa avançar mais do
que simplesmente atender às demandas reprimidas por veículos para as classes
populares ou das regiões do país que pretendem se beneficiar dos efeitos
diretos e indiretos da indústria do petróleo. O mesmo raciocínio vale para
continuidade da reprodução automática do modelo primário exportador sem
correção de rumos e de eliminação de suas distorções. Os componentes do título
do artigo “carros, petróleo, soja e minério de ferro” representam de forma
simbólica o nosso passado, um modelo que necessita urgentemente ser superado e
substituído.
A recuperação do protagonismo do Estado e de seus
instrumentos de planejamento público devem apontar, desde já, para as novas
formas em que a sociedade deseja se organizar. Isso significa que a população
precisa ser atendida em suas necessidades básicas mais como direitos de
cidadania e menos como itens de consumo. Precisamos que os consumidores sejam,
antes de tudo, cidadãos. Isso significa que o contrato social deve priorizar o
sentido da sobrevivência do coletivo e não o atendimento de demandas
individualistas comprometedoras de bem-estar social. Enfim, isso significa o
reconhecimento da urgência em redefinir as prioridades de vida, da produção e
do consumo incorporando de forma definitiva o elemento da sustentabilidade.
Presidente
da Petrobras diz que exploração na foz do Amazonas vai ser liberada em seis
meses
O IBAMA já deu 23 licenças para a Petrobras neste
ano, e negou apenas uma – a perfuração de um poço de petróleo na foz do
Amazonas. Tecnicamente, o órgão ambiental apontou que os dados da petroleira
não davam segurança para a operação em caso de vazamento de petróleo. E ainda
destacou que faltam estudos amplos sobre o impacto da atividade petroleira na
região. Tais estudos levariam cerca de dois anos para ficarem prontos, segundo
especialistas.
Mas, para o presidente da Petrobras, Jean Paul
Prates, em seis meses ele vai dobrar politicamente o IBAMA e obter a licença
para perfurar seu poço na foz. É o que diz a colunista Malu Gaspar, d’O Globo,
noticiada pelo Cafezinho e Diário do Centro do Mundo. Segundo Gaspar, Prates
garantiu a interlocutores no conselho de administração da petroleira que a
perfuração vai acontecer.
Prates teria dito a colegas do conselho que a ideia
é “responder tudo até deixar o IBAMA sem argumentos”. Porque “chega uma hora em
que não tem como negar”. Ele só não disse que a revisão do órgão só é possível
com os estudos solicitados, que levariam mais tempo do que ele aponta. Isso dá
a entender que o executivo espera que a decisão técnica seja suplantada pela
pressão política.
A política, aliás, comanda um show de desinformação
no Amapá, estado onde está localizado o bloco FZA-M-59, onde a Petrobras quer
perfurar. Com participação do senador Randolfe Rodrigues – que era da Rede
Sustentabilidade, mas que jogou seu currículo ambiental fora em nome de outras
ambições políticas –, deputados e senadores promoveram uma audiência pública
monológica em Oiapoque, no norte do Amapá. Nela, conta o Sumaúma, não apenas
usaram argumentos rasos para defender o poço de petróleo na costa do estado,
como lançaram Randolfe como “futuro ministro do Meio Ambiente”. O ódio à Marina
Silva não é novidade, mas impressiona.
O discurso pró-petróleo dos políticos amapaenses tem
eco (ou melhor, é criado) no mercado. À Bloomberg, o chefe de pesquisa upstream
latino-americana da consultoria Wood Mackenzie, Marcelo de Assis, disse que “a
Margem Equatorial se tornou muito importante depois das decepções na bacia de
Santos. A Petrobras quase não tem ativos internacionais. Eles não têm outro
lugar para ir”. O analista só não menciona que, com o que já tem em carteira, a
Petrobras tem 12,2 anos de produção garantida – a própria petroleira disse
isso. Tempo suficiente para colocar em prática um bom plano de transição
energética que deixe para trás de vez os combustíveis fósseis.
E é uma “bobagem” achar que o Brasil corre o risco
de voltar a importar petróleo se não explorar a Margem Equatorial, da qual a
foz do Amazonas é uma das bacias. Quem diz isso é o professor do Programa de
Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Roberto Schaeffer, informam UOL e Valor.
“A produção é declinante ao mesmo tempo que a
demanda é declinante. Então não é verdade que o Brasil terá déficit de petróleo
e se tornará importador. Nos nossos estudos da Coppe, vemos que a produção ou
expansão de petróleo não é para consumo doméstico, mas, sim, para exportação.”
Fonte: Outras Palavras/ClimaInfo
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