quinta-feira, 1 de junho de 2023

Paulo Kliass: Um Brasil de carros, petróleo, soja e minério?

Os produtos expressos no título deste artigo não podem ser considerados como os elementos estratégicos para capitanear uma nova etapa de desenvolvimento econômico e social de nosso país. Precisamos de forma urgente passar por um processo de reindustrialização contemporânea, um patamar de qualidade distinta que seja a marca da nova atividade industrial de nossos tempos. Ao longo dos últimos anos, a ausência de um programa nacional de desenvolvimento permitiu que os setores vinculados à exportação de “commodities” agrícolas, pecuárias e minerais se aliassem ao mundo do financismo para perpetuar um modelo que privilegia tão somente a destruição do meio ambiente e que consolida o parasitismo especulativo.

As últimas décadas se caracterizaram por processo acentuado de desindustrialização, ao mesmo tempo em que as atividades marcadas por baixíssimo valor agregado passaram a ganhar maior relevância em nossa estrutura econômica. Nossa pauta exportadora ficou completamente dependente de bens que contribuem muito pouco para a geração de empregos, mas que também prejudicam sobremaneira o meio ambiente e a sustentabilidade de qualquer ponto de vista. A participação da indústria de transformação chegou a representar 27% do PIB na década de 1980. A partir das mudanças proporcionadas pela liberalização comercial iniciada por Collor em 1990, a participação da indústria no conjunto das atividades econômicas começa a cair e atualmente mal supera a casa dos 10%.

Porém, as necessidades para essa nova etapa do processo de industrialização não podem – e nem devem – ser meras reproduções dos processos pelos quais nossa economia passou ao longo das últimas décadas do milênio que se acabou. As alternativas e os desafios são imensos. Muito se fala da indústria 4.0 e 5.0; da indústria digital e do conhecimento; da indústria sobre uma base de energia limpa e renovável; de uma indústria sustentável social e ambientalmente. Essa deverá ser a base da sociedade do futuro, mas que já começa a ser implementada aos poucos no presente em outros países. A grande dificuldade é justamente iniciar o processo de transição, lançando as sementes do que se pretende como modelo a ser alcançado, mas procurando não comprometer sobremaneira os elementos sociais atualmente existentes e procurando mitigar os impactos da mudança necessária sobre a geração atual.

•        Carros, petróleo, soja e minério de ferro: modelo do passado

Isso significa que o modelo baseado na exportação de “commodities” como o atual não pode, obviamente, ser eliminado no curto prazo. Mas a sociedade brasileira precisa estar de acordo e consciente de que os dias do mesmo estarão contados. A demanda externa começa a exigir modelos de produção que sejam também sustentáveis, com menos presença de agrotóxicos e transgênicos. Por outro lado, a pressão pela redução da velocidade do aquecimento global recoloca a questão do desmatamento e da preservação dos biomas, a exemplo do Cerrado, do Pantanal e da Amazônia. Assim, a pressão por novas formas de produção de carne e do aumento da safra agrícola sem a destruição de novas áreas preservadas também pode contribuir para redefinir as novas bases do modelo exportador.

A questão do petróleo é igualmente um tema que precisa de uma redefinição urgente. A polêmica envolvendo a recente negativa do IBMA para a solicitação da Petrobrás explorar óleo na bacia petrolífera da foz do Rio Amazonas aponta para o debate a respeito de quais serão as fontes de energia estratégicas para o futuro do Brasil. É certo que o petróleo tampouco deixará de ser uma fonte de recursos econômicos a curto prazo. As reservas descobertas no Pré-sal representam uma importante reserva para auxiliar na construção das bases materiais da sociedade do futuro. Mas é fundamental a tomada de consciência de que a economia do petróleo já representa o passado em termos globais. Precisamos promover uma transformação efetiva em nossa matriz energética e devemos estar preparados para uma mudança na demanda global.

O caminho passa por reforçar a criação de políticas públicas que estimulem a pesquisa e o desenvolvimento de fontes renováveis e não fósseis de energia. Neste sentido, o Brasil parece estar indo pelo bom caminho, com a ampliação de fontes mais sustentáveis em sua matriz energética. Tanto a alternativa eólica quanto a solar começam a ganhar participação crescente no atendimento de nossas necessidades internas, mas os desafios ainda são enormes. O fundamental é que a Petrobrás seja efetivamente transformada em uma grande empresa de energia em sentido amplo, apostando justamente na substituição estratégica do petróleo no médio e no longo prazos.

•        Criar o modelo para o futuro: emprego e sustentabilidade

Exatamente em função da importância de o Estado apontar elementos de planejamento e direcionamento das atividades econômicas de forma geral, tudo indica que a recente sinalização de estímulo governamental para a produção de veículos individuais em larga escala aponta para um modelo do passado. É inegável que as demandas pela melhoria da qualidade de vida da população dos estratos sociais de renda mais baixa precisam ser atendidas. Porém, a simples retomada de programas do tipo “carro popular” não contempla aspectos cruciais do processo, tais como a prioridade a ser conferida ao transporte público, a complexidade do tráfego urbano nas grandes cidades, a elevada mortalidade nos acidentes com automóveis, a reprodução de veículos com propulsão a derivados de petróleo e a baixa capacidade de geração de emprego direto no ramo automobilístico. Ao que tudo indica, o modelo proposto ainda não incorpora a exigência de contrapartidas a serem cumpridas pelos grandes conglomerados que serão muito beneficiados pelas desonerações tributárias e demais estímulos a serem oferecidos a quem se dispuser a produzir para atender à demanda do programa.

Se é verdade que os anos recentes assistiram a uma redução do licenciamento do número de automóveis produzidos internamente, o fato é que retomar o patamar da década de 2010 não se configura em solução que atenda a um projeto de Nação com olhar para o futuro. Reproduzir a busca daquele modelo com as mesmas características de desigualdade multifacetada, comprometimento ambiental e caos urbano não colabora para o desenho que as gerações futuras esperam de nós.

O setor público deveria estabelecer, por exemplo, programas de universalização do acesso a carros elétricos e um percentual desse tipo de veículo a partir da adoção do programa de carros mais baratos. O governo deveria exigir das indústrias a oferta combinada de ônibus elétricos, de maneira promover a necessária substituição da frota atual, bastante comprometida com motores dependentes de combustível fóssil e bastante poluente. Medidas similares deveriam ser adotadas no que se refere ao transporte de carga por caminhões. Além disso, seriam mais do que adequadas soluções que apontassem para a exigência de elevação do conteúdo nacional no ciclo produtivo e o compromisso das empresas com a geração de emprego compatível com as benesses tributárias oferecidas e as necessidades do mercado de trabalho.

Assim, o governo Lula 3.0 precisa avançar mais do que simplesmente atender às demandas reprimidas por veículos para as classes populares ou das regiões do país que pretendem se beneficiar dos efeitos diretos e indiretos da indústria do petróleo. O mesmo raciocínio vale para continuidade da reprodução automática do modelo primário exportador sem correção de rumos e de eliminação de suas distorções. Os componentes do título do artigo “carros, petróleo, soja e minério de ferro” representam de forma simbólica o nosso passado, um modelo que necessita urgentemente ser superado e substituído.

A recuperação do protagonismo do Estado e de seus instrumentos de planejamento público devem apontar, desde já, para as novas formas em que a sociedade deseja se organizar. Isso significa que a população precisa ser atendida em suas necessidades básicas mais como direitos de cidadania e menos como itens de consumo. Precisamos que os consumidores sejam, antes de tudo, cidadãos. Isso significa que o contrato social deve priorizar o sentido da sobrevivência do coletivo e não o atendimento de demandas individualistas comprometedoras de bem-estar social. Enfim, isso significa o reconhecimento da urgência em redefinir as prioridades de vida, da produção e do consumo incorporando de forma definitiva o elemento da sustentabilidade.

 

       Presidente da Petrobras diz que exploração na foz do Amazonas vai ser liberada em seis meses

 

O IBAMA já deu 23 licenças para a Petrobras neste ano, e negou apenas uma – a perfuração de um poço de petróleo na foz do Amazonas. Tecnicamente, o órgão ambiental apontou que os dados da petroleira não davam segurança para a operação em caso de vazamento de petróleo. E ainda destacou que faltam estudos amplos sobre o impacto da atividade petroleira na região. Tais estudos levariam cerca de dois anos para ficarem prontos, segundo especialistas.

Mas, para o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, em seis meses ele vai dobrar politicamente o IBAMA e obter a licença para perfurar seu poço na foz. É o que diz a colunista Malu Gaspar, d’O Globo, noticiada pelo Cafezinho e Diário do Centro do Mundo. Segundo Gaspar, Prates garantiu a interlocutores no conselho de administração da petroleira que a perfuração vai acontecer.

Prates teria dito a colegas do conselho que a ideia é “responder tudo até deixar o IBAMA sem argumentos”. Porque “chega uma hora em que não tem como negar”. Ele só não disse que a revisão do órgão só é possível com os estudos solicitados, que levariam mais tempo do que ele aponta. Isso dá a entender que o executivo espera que a decisão técnica seja suplantada pela pressão política.

A política, aliás, comanda um show de desinformação no Amapá, estado onde está localizado o bloco FZA-M-59, onde a Petrobras quer perfurar. Com participação do senador Randolfe Rodrigues – que era da Rede Sustentabilidade, mas que jogou seu currículo ambiental fora em nome de outras ambições políticas –, deputados e senadores promoveram uma audiência pública monológica em Oiapoque, no norte do Amapá. Nela, conta o Sumaúma, não apenas usaram argumentos rasos para defender o poço de petróleo na costa do estado, como lançaram Randolfe como “futuro ministro do Meio Ambiente”. O ódio à Marina Silva não é novidade, mas impressiona.

O discurso pró-petróleo dos políticos amapaenses tem eco (ou melhor, é criado) no mercado. À Bloomberg, o chefe de pesquisa upstream latino-americana da consultoria Wood Mackenzie, Marcelo de Assis, disse que “a Margem Equatorial se tornou muito importante depois das decepções na bacia de Santos. A Petrobras quase não tem ativos internacionais. Eles não têm outro lugar para ir”. O analista só não menciona que, com o que já tem em carteira, a Petrobras tem 12,2 anos de produção garantida – a própria petroleira disse isso. Tempo suficiente para colocar em prática um bom plano de transição energética que deixe para trás de vez os combustíveis fósseis.

E é uma “bobagem” achar que o Brasil corre o risco de voltar a importar petróleo se não explorar a Margem Equatorial, da qual a foz do Amazonas é uma das bacias. Quem diz isso é o professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Roberto Schaeffer, informam UOL e Valor.

“A produção é declinante ao mesmo tempo que a demanda é declinante. Então não é verdade que o Brasil terá déficit de petróleo e se tornará importador. Nos nossos estudos da Coppe, vemos que a produção ou expansão de petróleo não é para consumo doméstico, mas, sim, para exportação.”

 

Fonte: Outras Palavras/ClimaInfo

 

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