quinta-feira, 1 de junho de 2023


 ALTINO MASSON, O MAIOR GRILEIRO DA AMAZÔNIA

Altino Masson está à procura de um sócio para explorar a fazenda Portal da Amazônia. São 180 151 hectares, uma área equivalente à cidade de São Paulo. A fazenda fica entre os rios Juruena e Sucunduri, em Apuí, no estado do Amazonas, município próximo à divisa com Pará e Mato Grosso. Tem mata nativa intacta e uma fauna variada, inclusive com treze espécies de primatas. É uma riqueza natural exuberante. Mas a sociedade proposta por Masson, um catarinense de 76 anos que mora em Curitiba, não contempla preocupações ambientais. Ele deseja arrendar a fazenda para a extração de madeira, pois a área é farta em mogno, cedro e andiroba, espécies muito valorizadas no mercado. Em troca, Masson propõe ficar com metade dos lucros. “Tem muita madeira lá. Dá para ficar cem anos tirando e você não consegue tirar tudo. A madeira sai até no Rio Tapajós, para ir para os portos, sabe?”, diz.

A exploração madeireira nessa região é um crime, já que a fazenda fica dentro de duas áreas de preservação ambiental vizinhas – um parque e uma reserva, ambos criados em 2005. Mas há um delito adicional: a Portal da Amazônia, com sua abundância de madeiras nobres, nem pertence a Altino Masson. É uma terra grilada – mais uma da carteira de Masson, um homem franzino, de cabelos ralos e bigode bem aparado. Carismático, tem boa lábia para atrair suas presas e nenhum escrúpulo, tanto que já passou a perna na própria mãe e carrega uma longa ficha policial. “É um mentiroso querido”, define um parente, que pede o anonimato para não se indispor com ele.

Mais do que querido e mentiroso, Masson é, neste momento, o maior grileiro vivo de terras da Amazônia Legal, região imensa que engloba nove estados e corresponde a quase 60% do território nacional. Em seu nome, constam onze fazendas no Amazonas e no Pará. Nenhuma está amparada em documentos verdadeiros ou juridicamente válidos. Somadas, as terras griladas chegam a 458 mil hectares, o equivalente a três vezes a cidade de São Paulo. (O campeão da lista é José Roberto Dal Porto, que grilou uma única área de 496 mil hectares no Pará, mas morreu em 2016.)

Para chegar a esse dado, a piauí, em parceira com o Center for Climate Crime Analysis (CCCA), uma ONG que combate crimes ambientais, e o Data Fixers, que trabalha com dados públicos sobre esse tipo de crime, examinou durante seis meses todos os 678 mil cadastros ambientais rurais, conhecidos pela sigla CAR, na Amazônia. A piauí e seus parceiros selecionaram os CARs que registram alguma propriedade encravada em terra indígena ou em unidade de conservação. Por definição, são terras griladas, pois a lei impede a compra e venda de terras nessas zonas de preservação.

Identificadas as terras griladas, recorremos aos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para selecionar apenas as fazendas em que os grileiros já haviam causado algum dano ambiental – ou seja: o grileiro desmatador. De posse do nome dos cinco maiores, verificamos em cartórios de todo o Brasil se, além dos CARs, esses grileiros desmatadores haviam registrado em seus nomes alguma outra área irregular. E, assim, chegamos ao falecido Dal Porto e a Altino Masson, o maior grileiro vivo.

Onze fazendas de Masson estão em áreas públicas. O CCCA obteve a localização aproximada de sete e a localização exata de quatro – nas quais 10% da mata nativa deu lugar a pastos e garimpos de ouro ilegais. Com apoio do Green­peace, a piauí sobrevoou parte dessas áreas no sudoeste do Pará, no fim de novembro do ano passado. O cenário é lamentável. Do alto, pode-se ver vários pontos de queimadas recentes, próximas a grandes criações de gado de corte. Em outras partes, são visíveis os córregos transformados pelos garimpeiros em grandes tanques retangulares d’água, o que facilita o trabalho das dragas e, ao mesmo tempo, arrasa a mata ciliar.

“Tenho um negócio bom para você.”

Na família de Masson, essa frase tornou-se anedótica, tamanha a frequência com que Altino Masson costuma utilizá-la. Ele começou cedo a farejar oportunidades. Quinto filho dos onze de um casal de agricultores pobres de Ibirama, no interior de Santa Catarina, Masson tinha 10 anos quando perdeu o pai, vítima de varíola. “Tive de me virar para ajudar no sustento da mãe e dos irmãos”, contou, em fevereiro, durante uma longa conversa por telefone com a piauí, na qual descreveu sua trajetória fundiária.

Seu primeiro trabalho foi na colheita de inhame e guanxuma. Depois, na adolescência, arriscou-se no futebol. Aos 17 anos, tornou-se ponta-esquerda do Esporte Clube Metropol, de Criciúma, que foi cinco vezes campeão catarinense nos anos 1960. Mas o baixo salário (“a gente só ganhava um trocado se vencesse a partida”) o fez retomar a vida no campo. Diz que deu início à sua carreira de proprietário de terras quando ganhou de um primo uma chácara em São Miguel do Iguaçu, no sudoeste do Paraná, onde plantava hortelã. De lá, rumou para Três Corações, no Sul de Minas Gerais, onde afirma ter comprado um sítio coberto com café. Uma praga na lavoura, no entanto, obrigou-o a mudar-se para Curitiba, no início dos anos 1970.

Na capital paranaense, soube do projeto do governo federal, na época comandado pelos militares, de abrir uma rodovia entre Cuiabá e Santarém, a BR-163. Alistou-se para integrar uma das turmas que rasgaram, na base da serra manual, os 1,7 mil km de floresta que separavam as duas cidades. Em troca do serviço, diz que ganhou do governo sua primeira propriedade amazônica: a fazenda Bela Vista, com 50 mil hectares, em Itaituba, onde instalou seu primeiro garimpo de ouro. Masson alega que a União lhe deu um documento sobre a área. É uma forma de pagamento estranhíssima. “Desconheço que o governo federal tenha dado terras para pagar quem abriu a BR-163”, diz Girolamo Domenico Treccani, especialista em direito agrário da Universidade Federal do Pará (UFPA). A piauí não encontrou qualquer documento da União sobre a transação, apenas um contrato, datado de 2001 e registrado em cartório de Curitiba, no qual Masson compra a fazenda de um particular. O papel não é prova de posse.

Masson conta que começou a comprar terras baratas na Amazônia pagando com o ouro que extraía na Bela Vista. “A terra era quase de graça. Eu chegava para o dono com saquinhos de 200 ou 300 gramas de ouro e levava centenas de hectares. Um contador batia os documentos e pronto”, diz. Comprava e vendia terras – na verdade, sem lastro documental – para posseiros menores, que “abriam as áreas”, um eufemismo para o desmatamento. Em paralelo à grilagem e ao garimpo, Masson tentou a política. Em 1982, concorreu a vereador em Curitiba pelo PMDB. Perdeu. Em 1990, candidatou-se a deputado estadual pelo PTB. Perdeu de novo e desistiu da política. “É muita bandidagem”, diz.

Em paralelo à grilagem amazônica e à política, Altino Masson não tirava o olho do Sul do Brasil. Por volta de 1990, começou a grilar grandes áreas públicas em Guaratuba, no litoral do Paraná, e em Itapoá, na costa catarinense. Seu objetivo era construir loteamentos urbanos nesses locais. Na prática, os terrenos acabaram abastecendo suas artimanhas fundiárias na Amazônia Legal. Os supostos lotes nos estados sulistas eram usados por Masson na troca por imensas áreas no Pará e Amazonas.

Como os loteamentos eram irregulares, Masson negociava os terrenos por meio de contratos de gaveta. Assim, vendia um mesmo lote para mais de uma pessoa. Foi nessa mutreta que enganou uma das irmãs e a própria mãe. Vendeu para as duas três terrenos em Itapoá que já haviam sido vendidos para outras pessoas. (Masson responde a uma ação civil pública – ainda não julgada – por vender esses terrenos sem nem mesmo possuir o alvará da prefeitura ou uma rede de saneamento básico instalada.)

Na mesma década de 1990, ele fez um grande garimpo no Norte de Mato Grosso, em uma região conhecida como Baixão da Pepita, no município de Peixoto de Azevedo. “Aí já não era mais na bateia, era maquinário pesado. Eu tirava uns 3 kg de ouro por dia, na média”, afirma. Em julho de 1993, segundo contratos de compra e venda registrados em Curitiba, comprou, de uma vez, cinco fazendas em Itaituba, no Pará, um total de 114 mil hectares. Pagou míseros mil reais, em valores corrigidos, ou 0,009 centavo o hectare. “Tive olho gordo. Não podia ver um pedaço de terra que corria lá para comprar”, diz. Daí em diante, nunca mais deixou de adquirir e vender terras na região amazônica até se tornar o maior grileiro de que se tem notícia em toda essa região.

“É tudo documentado”, insiste Masson. Até mesmo a fazenda Portal da Amazônia, aquela que tem o tamanho da cidade de São Paulo. Ele diz que comprou as terras de um amigo, o madeireiro Arlindo Fiedler, em 1996, nove anos antes de a região ser transformada em área de proteção ambiental. No entanto, o único documento sobre a transação é um contrato, celebrado entre Masson e Fiedler, e arquivado no 3º Ofício de Registro de Títulos e Documentos (RTD), em Curitiba. O papel informa que Masson pagou pela fazenda a pechincha de 1,93 milhão de reais, em valores corrigidos – o equivalente a 10,7 reais por hectare. O documento, no entanto, não comprova que o imóvel pertence, de fato, a Masson.

“É como se fosse um contrato de gaveta”, explica o advogado Marco Antonio Ribeiro Feitosa, especialista em direito imobiliário. “Eles fazem um acordo em RTD [cartórios de registro de títulos e documentos] para alegar boa-fé, justificar eventual circulação financeira e a respectiva questão fiscal. Mas o documento não regulariza a propriedade.” Ou seja: a terra continua suspeita de grilagem, pois, pelas leis brasileiras, é preciso registrar a propriedade em um cartório de imóveis, o que não ocorreu nesse caso.

O fato de a região ter virado área de proteção ambiental depois da chegada de Masson também não o isenta. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em casos semelhantes, já decidiu que o grileiro deve ser retirado da área, sem pagamento de indenização. “Para ele ser indenizado, tem de provar a posse legal do imóvel, o que raramente se consegue, pois antes da criação da unidade de conservação aquela terra já era pública, ainda que sem destinação”, explica Domenico Treccani, da UFPA.

Entre os 458 mil hectares que Altino Masson grilou na Amazônia, estão apenas propriedades instaladas em áreas de conservação e cuja mata já foi parcialmente destruída. Mas a atuação de Masson não está circunscrita a isso. Ele também se apresenta como dono de outras 21 fazendas – duas no Pará e outras dezenove em Mato Grosso. As propriedades, que juntas somam 284,7 mil hectares, não ficam em áreas públicas, mas também são griladas.

A Santa Rosa, por exemplo, uma fazenda de 35 mil hectares em Brasnorte, em Mato Grosso, é um exemplo de outro tipo de grilagem – a documental. Na época da safra da soja, a Santa Rosa é um tapete verde-oliva e, há pelo menos duas décadas, a terra fértil é alvo de cobiça. Sua história bizarra começou em 1999, quando morreu o dono da fazenda, Daltro Guimarães Roderjan. Um ano e pouco depois, um empresário de Curitiba, Iverson Obroslak, informou ao inventariante que havia comprado as terras em 1985. O documento que apresentou, porém, era falso. Em 2003, foi a vez Masson dizer que era o verdadeiro dono da fazenda. Apresentou um contrato de compra e venda datado de janeiro de 1990. O papel, registrado num cartório de Guaratuba, no litoral do Paraná, dizia que Roderjan trocara a Santa Rosa por 45 terrenos em um loteamento de Masson, também em Guaratuba. Masson apresentou um recibo – registrado num cartório de Uberaba, em Minas Gerais – no qual Daltro Roderjan informava ter recebido os tais 45 terrenos. Era outro rolo.

Os advogados, inicialmente, ficaram desconfiados, porque o contrato de 1990 fora registrado no cartório apenas em 2001, onze anos depois do suposto negócio. Em seguida, descobriu-se que o escrevente do documento nunca trabalhou no cartório de Guaratuba. Logo veio à tona que a assinatura da cartorária de Uberaba era falsa. Quando o juiz do caso intimou Masson a apresentar os documentos originais, o processo judicial – cujos autos estavam com o advogado do grileiro – simplesmente havia desaparecido. (Curiosamente, três anos antes, também sumiu do Fórum de Curitiba um processo em que Masson era acusado de estelionato.)

Com o sumiço dos papéis, a Justiça precisou reconstituir toda a ação judicial a partir de cópias em poder dos advogados da família Roderjan. O caso só voltou a tramitar quatro anos depois. Até hoje não foi julgado. No meio do caminho, em 2016, surgiu outro complicador. Masson registrou os 35 mil hectares da Santa Rosa em seu nome no CAR, o primeiro passo dos grileiros para se apossar de uma área, e resolveu vender 600 hectares da fazenda para Vilson Blasios Schmitz e José Eugênio Sartoretto por 400 mil reais, mas nunca deu posse das terras aos compradores. Masson justifica a medida dizendo que não recebeu o dinheiro do negócio. Procurados, Schmitz e Sartoretto não quiseram se manifestar.

Em conversa com a piauí, Masson deu de ombros à barafunda judicial em torno da Santa Rosa. “Daqui a dois ou três meses, eu assumo a fazenda. Vou para cima e vou tirá-los de lá, tranquilo. Não é pela fazenda, nem por dinheiro”, diz ele, para emendar em seguida uma reprimenda moral: “É só pelo gosto de tirar eles [a família Roderjan] de cima [da terra], mostrar que tem que respeitar o que é dos outros.”

Entre os “outros”, certamente não se inclui o casal Shigueiti e Mieko Utumi.

Mieko Utumi chamou-se Mieko Utumi até 1990, quando se divorciou de Shigueiti. Desde então, adotou seu nome anterior e voltou a chamar-se Mieko Towata. E foi com sua nova denominação pós-divórcio que ela levou um susto em 2019, ao ser convocada para prestar esclarecimentos sobre um processo judicial que corria em Mato Grosso. O processo versava sobre uma disputa pela fazenda Japan, uma área de 10 mil hectares coberta com mata nativa, em Vila Rica, Norte de Mato Grosso, onde vivem mais bois do que pessoas.

Entre os documentos anexados ao processo estavam procurações que Mieko teria assinado. Uma delas era em favor de Avenor Pimentel de Souza, que conseguira registrar as terras em seu nome num cartório de Vila Rica. A outra beneficiava Altino Masson, que dizia ser o verdadeiro proprietário daquelas terras desde 1987. Apresentada aos documentos, Mieko, uma senhora octogenária, ficou espantada. Ela nunca colocara os pés em Mato Grosso, nunca fora dona de nenhuma fazenda Japan e não fazia a menor ideia de quem eram Avenor de Souza e Altino Masson. Ainda por cima, as procurações traziam o nome de “Mieko Utumi”, sendo que, na data em que os documentos foram supostamente assinados, ela já se chamava Mieko Towata.

A disputa pela Japan não se limitava ao âmbito judicial. Era coisa violenta. Em outubro de 2017, Masson mandou três capangas invadirem a propriedade para derrubar a mata e construir uma sede para a fazenda. Foram expulsos por outro bando armado. Para provar que era dono das terras, Masson apresentou dois documentos: um contrato de compra e venda de 1987, no qual o casal Utumi trocava a fazenda por quarenta terrenos em um loteamento não especificado, e uma procuração, assinada por “Mieko Utumi” e datada de 1990, que lhe dava plenos poderes para gerir a propriedade. O contrato e a procuração eram falsos.

Entretanto, a Justiça de Mato Grosso acreditou em Masson e lhe deu uma liminar garantindo sua posse dos 10 mil hectares. Em agosto de 2018, ele então despachou quinze homens, alguns armados, para começar o desmate da área. Dois meses depois, o juiz do caso, Carlos Eduardo de Moraes e Silva, visitou o local. Só então constatou que a fazenda Japan era, na verdade, uma área de mata preservada que fazia parte de outra fazenda, a Pontal do Rio Areia, um imóvel legalizado que pertence a David de Oliveira Gouvea. A liminar de Masson foi derrubada.

Com a ajuda de seus advogados, Mieko descobriu que a tal fazenda Japan – que na verdade era uma invenção, pois ficava situada sobre a área regularizada de outra fazenda – vinha sendo alvo frequente de falsários. Outras três procurações vendiam a propriedade para mais três pessoas, entre elas uma mulher condenada por tráfico internacional de drogas. Eram tantas “procurações” e “compradores” que o tabelião do cartório de Vila Rica pediu à Justiça que cancelasse uma matrícula da fazenda, “tendo em vista que pessoas de boa-fé correm o risco de adquirirem novamente este imóvel”. A matrícula foi anulada. O verdadeiro dono, David Gouvêa, retomou a posse dos 10 mil hectares, mas os processos não foram julgados até hoje. Towata morreu em abril de 2022.

Suspeita-se que Masson só conseguiu tantos documentos registrados em cartório – e falsos – porque tinha um cúmplice providencial: o tabelião Edson Lopes dos Santos, do cartório de Mandirituba, no Paraná. Anos antes, em 2002, o tabelião registrou em seu cartório uma procuração em que um industrial dava poderes para Masson vender suas dezesseis fazendas, que somavam 142 mil hectares em Nobres (MT). A perícia constatou que a assinatura do industrial fora falsificada. (Em 2017, o tabelião foi preso por falsificação de documento e afastado do cartório.)

“Tive que fazer a transferência depois desse probleminha que eu tive.”

A transferência a que Altino Masson se refere foi uma operação pela qual colocou duas de suas fazendas mais valiosas no nome de uma empresa de fachada que, por sua vez, está em nome de cinco pessoas: três de suas filhas, um empresário e um advogado. (Nos últimos dois anos, a empresa foi multada em 25,7 milhões de reais pelo Ibama devido ao desmatamento de 5 138 hectares de mata nativa nas duas propriedades.) O que ele chama de “probleminha” é coisa muito séria: a condenação por homicídio, que o levou a passar nove anos na cadeia.

Nos termos da sentença, Masson contratou um pistoleiro para matar seu sócio na imobiliária que cuidava dos loteamentos em Guaratuba. O grileiro de Curitiba suspeitava que o sócio, Daniel Rodrigues dos Santos, estava desviando parte do patrimônio da empresa. Em maio de 2003, mostrou ao matador onde ficava a casa do sócio e a sede da imobiliária, e lhe entregou um revólver calibre .38 carregado. O matador cumpriu o serviço. Entrou na imobiliária, rendeu quatro pessoas – entre elas, o sócio e a secretária –, levou-os para um local escuro, mandou que se despissem, amarrou-lhes as mãos, estuprou a secretária e meteu três tiros na cabeça de Daniel dos Santos.

O assassinato foi desvendado porque Masson não entregou a casa e o automóvel que prometera ao pistoleiro. Ao ser preso, o matador confessou o crime e acusou Masson. Os dois foram condenados por homicídio qualificado. Masson deixou a prisão em 2012. O matador de aluguel, dois anos depois de ser solto, foi assassinado em Santa Catarina. Masson, apesar da condenação, até hoje jura inocência. E garante que não tem nada a ver com o assassinato do pistoleiro. “Era como um filho para mim. E nem conheço quem matou ele.”

A transferência das fazendas para a empresa de fachada em razão do “probleminha” de Masson não encerrou sua carreira grileira. As duas fazendas, ambas localizadas dentro da Floresta Nacional do Jamanxim, em Novo Progresso, no Pará, seguiram sendo objeto de negociatas, sobretudo a Rio Novo, de 38,7 mil hectares. “Eu tinha um sítio escriturado de 48 hectares em Mato Grosso. Troquei por mil hectares da Rio Novo. Ele falou que eu tinha de abrir a área [desmatar], para ninguém invadir. Quando percebi que não poderia mexer na área porque não era do Altino, ele já havia vendido o meu sítio e não tinha mais como voltar para trás no negócio”, lamenta Valmir Bertoldi, produtor rural em Mato Grosso.

Arthur Neiverth é outro que foi ludibriado. Ele comprou mil hectares de Masson na Rio Novo por 200 mil reais. Afirma que, usando o dinheiro da herança que seu pai deixou, pagou a primeira prestação de 50 mil e gastou 150 mil para derrubar parte da floresta. “Quis abrir para dizer que era meu. Dei as motosserras para os piás [trabalhadores]”, afirma. Só depois é que descobriu que a área pertencia à União.

O policial civil Luís Gustavo Müller foi duplamente enganado. Primeiro, pagou 400 mil reais para Masson em troca de um lote de Letras do Tesouro Nacional, um título prefixado que, segundo Masson, valeria uma fortuna. “Eu tenho essas LTNs desde a década de 1970. Esses papéis valem 10 bilhões de reais, mas precisa pagar uma taxa para regularizar tudo”, afirma Masson. Nem é preciso dizer que as LTNs são da série Z, todas falsificadas, conforme alerta o site do Banco Central.

Quando descobriu o golpe, Müller pressionou Masson para lhe devolver os 400 mil. Masson então lhe prometeu 10 mil hectares na Rio Novo. Foi o segundo golpe. “Quando eu fui lá, descobri que era tudo mato e que só dava para chegar atravessando um rio de barco. E ele tinha vendido a mesma área para várias pessoas”, diz a vítima, que denunciou o caso à Polícia Civil do Paraná. Altino Masson é investigado por estelionato e formação de quadrilha. Até meados de abril o inquérito seguia em andamento.

Mesmo assim, Masson não desistiu das LTNs. Em 2021, ele foi apresentado a Odette Kouman, pastora evangélica e rainha de um povo da Costa do Marfim, também suspeita de praticar estelionato no país africano. Deu-lhe uma procuração com “poderes para encontrar melhores opções para financiamento e monetização” das tais LTNs. No bojo desse negócio, Masson passou dez meses administrando um garimpo de ouro de Kouman, nos arredores de Abidjan, a capital marfinense. “Eu cuidava da turma [de garimpeiros]. Eles ainda tiram ouro na picareta por lá, não é muito mecanizado.” Masson não soube dizer se o garimpo era legal. “Só voltei para o Brasil depois que peguei malária brava.”

Altino Masson é pai de doze filhos (dez deles mulheres) e está no segundo casamento, desta vez com uma missionária evangélica. Estudou apenas até o equivalente ao quinto ano do ensino fundamental. Em 2020, ele sofreu um acidente vascular cerebral, que afetou ligeiramente sua fala. Masson, que atualmente leva uma vida confortável no bairro de classe média Campo Comprido, em Curitiba, diz que não cria mais gado de corte e há tempos deixou de garimpar na Amazônia. Tornou-se, na prática, apenas um grileiro puro-sangue, que toma terras públicas e passa adiante. Mas a prisão, os processos, o AVC, nada disso o detém. Masson é incansável na defesa da lisura dos seus negócios e, claro, na procura de novas oportunidades.

Depois de sua passagem pelo garimpo perto de Abidjan, ele tomou gosto pelos negócios na África. Seu plano atual é usar o dinheiro da venda de parte de uma de suas fazendas – a Curuaés, que fica dentro da reserva biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no Pará – para investir em um frigorífico de aves em Luanda, capital de Angola, onde esteve há cinco anos. E segue com a consciência tranquila. “Não passo ninguém para trás. Sempre atuei na legalidade. Uma vez, quando era criança, furtei uma bolinha de gude. Meu pai descobriu e me fez devolver. ‘Nunca mais pegue o que não seja seu.’ Eu guardei essas palavras”, diz.

 

Fonte: Revista Piauí

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