quinta-feira, 1 de junho de 2023

Entenda a diferença entre cura do câncer e remissão da doença

Quando falamos sobre resultados de tratamentos em pacientes com câncer, dois termos costumam ser usados: "remissão" e "cura". O g1 ouviu especialistas para explicar a diferença entre esses conceitos.

Segundo Rodrigo Calado, professor titular de hematologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, a cura é quando o câncer é totalmente erradicado, mas só se consegue saber isso depois de ao menos cinco anos sem sinal da doença. Antes disso, o termo correto é "remissão".

Paulo Peregrino, que lutava contra a doença havia 13 anos e foi submetido a uma terapia considerada revolucionária no combate à doença, por exemplo, teve a remissão completa em um mês.

"Remissão é quando o câncer não é mais detectado por nenhum exame. Pode ser que tenha sido curado, porém, pode ser que tenha reduzido muito e os métodos disponíveis não conseguem detectá-lo, mas não tenha desaparecido completamente. Apenas não conseguimos detectar o câncer. Por isso que o paciente precisa continuar acompanhando, fazendo exames para verificar se há algum sinal, por menor que seja, do tumor."

Vanderson Rocha, professor de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da USP e coordenador nacional de terapia celular da rede D’Or, diz que o paciente em remissão deve, inicialmente, passar por exames a cada três meses, quatro meses, seis meses e, depois, uma vez ao ano.

"Logo depois, tem que ter cuidado com infecção. Depende muito do tipo de tratamento, mas, geralmente, três meses depois de remissão é vida normal. Um transplante de medula óssea, dependendo o tipo de transplante, é cerca de seis meses. É vida normal, fazer tudo o que quer, com moderação", pontua.

•        CAR-T Cell

Até agora, 14 pacientes foram tratados com o CAR-T Cell no estudo que usa verbas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A recuperação foi no Sistema Único de Saúde (SUS). A terapia combate a doença com as próprias células de defesa do paciente modificadas em laboratório.

A versão brasileira da técnica é aplicada no Brasil pela USP, em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto, de forma compassiva, quando o estudo aceita o paciente em estágio avançado da doença, e os médicos conseguem com a Anvisa a autorização para a aplicação do método.

Nenhum dos pacientes brasileiros é considerado curado, mas em remissão. O primeiro foi em 2019, há menos de 5 anos. Ele, no entanto, morreu semanas depois em um acidente doméstico em casa.

"Nos pacientes usamos alguns exames para rastrear o câncer, como o PET-CT (tomografia com contraste) ou exames de sangue para detectar o DNA do câncer", conta Rodrigo Calado, professor titular de hematologia da USP.

"Dos casos americanos, que começaram há 10 anos, muitos estão curados, mais de 50%. E são pacientes que não responderam a vários tratamentos anteriores, que a doença voltou várias vezes. Então, é muito significativo, mesmo que 50%", completa.

Todos os pacientes tratados no estudo tiveram remissão de ao menos 60% dos tumores. A recuperação foi no Sistema Único de Saúde (SUS).

O método CAR-T Cell tem como alvo três tipos de cânceres: leucemia linfoblástica B, linfoma não Hodgkin de células B e mieloma múltiplo, que atinge a medula óssea. O tratamento contra o mieloma múltiplo ainda não está disponível no país. 

A técnica é utilizada em poucos países. No Brasil, no segundo semestre, 75 pacientes devem ser tratados com o CAR-T Cell com verba pública após autorização da Anvisa para o estudo clínico. Atualmente, o tratamento só existe na rede privada brasileira, ao custo de ao menos R$ 2 milhões por pessoa.

•        Paulo Peregrino

O publicitário de 61 anos é o caso mais recente de remissão completa em curto período de tempo do grupo de estudos com os 14 pacientes do Centro de Terapia Celular.

Paulo teve alta no domingo (28) depois de ficar sob cuidados médicos no Hospital das Clínicas da cidade de São Paulo.

“A vitória não é só minha. É da fé, da ciência e da energia positiva das pessoas. Cada uma delas ajudou a colocar um paralelepípedo nesse caminho. A imagem prova com muita clareza para qualquer pessoa a gravidade do meu linfoma, e eu não tinha ideia de que era assim”, contou o paciente.

Vanderson Rocha está à frente do caso de Paulo, e ficou surpreso com a resposta do tratamento.

“Foi uma resposta muito rápida e com tanto tumor. Fico até emocionado [ao ver as duas ressonâncias de Paulo]. Quando a gente viu, todo mundo vibrou. Coloquei no grupo de professores titulares da USP e todo mundo ficou impressionado de ver a resposta que ele teve”, comemorou o especialista.

•        Antes e depois

As duas imagens do Pet Scan (tomografia feita com um contraste especial) representam “dois Paulos”: a da esquerda, o paciente que tinha como caminho único os cuidados paliativos, quando a alternativa é dar conforto, mas já sem expectativa de cura, e a da direita, um paciente com um organismo já sem tumores após o tratamento com CAR-T Cell.

Quando o médico teve contato com Paulo, o publicitário já havia passado por procedimentos cirúrgicos, dezenas de exames e quimioterapia.

•        13 anos 'tocando em frente'

Uma linha do tempo ajuda a nortear as idas e vindas dos tumores de Paulo. A trajetória será contada em uma autobiografia ainda em produção intitulada "A Vida pelo Copo D'água", em que ele cita seu remédio: "fé e ciência para viver a metade cheia da vida".

Pesquisas na internet levaram a família ao tratamento CAR-T Cell e ao médico Vanderson Rocha.

“Comecei a acompanhá-lo quando já tinha feito uma grande parte do tratamento. A doença voltou, então, a última opção dele realmente era o CAR-T Cell. Tive que pedir autorização da Anvisa pra gente poder fazer esse tipo de tratamento. Muitos pacientes não têm essa oportunidade”, explicou o especialista.

'Objeto de estudo"

O educador físico Bruno Marques Giovanni é outro dos pacientes do grupo de estudos de que Paulo participa. Há um ano e meio, o educador físico retomou a rotina, depois de sair do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Foram três anos de luta contra uma leucemia agressiva, que teimava em voltar.

Só depois de cinco anos do desaparecimento dos tumores eles e os demais pacientes oncológicos podem ser considerados curados. Até lá, o Bruno volta ao hospital a cada três meses para fazer exames.

“Por ser um tratamento inovador, um negócio que está ainda em estudo, em evolução, vou lá com o maior prazer para passar por esses exames, para eles conseguirem enxergar tudo o que está acontecendo. Porque eu sei que eu sou um objeto de estudo, entre aspas, mas uma pessoa que está superbem. Só agradeço a toda a equipe sempre.”

Paciente Bruno Marques Giovanni mora em Piracicaba — Foto: Reprodução/TV Globo

•        CAR-T Cell no SUS

Em 2021, o grupo fez uma parceria com o Instituto Butantan e foram instaladas duas fábricas no estado, uma na Cidade Universitária, em São Paulo, e outra no campus universitário de Ribeirão Preto com a capacidade de produção inicial de 300 tratamentos por ano.

“Para disponibilizar para a população brasileira, é necessário obter financiamento para realizar o tratamento para 75 pacientes com linfoma e leucemia e gerar os dados clínicos que permitam o registro do produto na Anvisa”, explicou Dimas.

“Este estudo clínico custará R$ 60 milhões, mas economizará R$ 140 milhões em relação aos preços praticados pelas empresas privadas. Recentemente, apresentamos o projeto ao Ministério da Saúde e a expectativa é de apoio e financiamento para avançar essa importante tecnologia no país, que poderá iniciar uma nova indústria de biotecnologia”, completou.

A previsão é a de que o estudo comece em agosto deste ano.

“Já tem uma fila de pacientes, porque os médicos que já sabem que nós estamos nesse processo mandam constantemente nomes de pessoas, e esses nomes estão sendo colocados numa fila por requisitos.”

•        O que diz a Anvisa

A Agência afirmou ao g1 que tem dado prioridade às análises do estudo.

“A Anvisa recebeu proposta de ensaio clínico conduzida pelo CEPID-FAPESP-USP e este pedido está em análise pela Anvisa. O pedido faz parte de um projeto-piloto em que a Anvisa, selecionou o Centro de Terapia Celular (CEPID-FAPESP-USP) de Ribeirão Preto para colaboração no desenvolvimento de produtos de terapia avançada no Brasil. Assim, a Agência tem feito interlocução com a equipe de desenvolvimento do CEPID-FAPESP-USP para aprimorar o desenho do estudo. O CEPID-FAPESP-USP também estabeleceu um cronograma com a Anvisa para enviar informações sobre a possível fabricação do produto e os controles aplicáveis nos próximos meses. A Anvisa, por sua vez, tem dado prioridade a estas análises, proporcionando retorno rápido ao desenvolvedor, com o objetivo de priorizar a execução desse estudo no Brasil."

 

       Terapia celular pode ser a próxima fronteira no tratamento do câncer, diz Dimas Covas

 

A remissão completa de um paciente de 61 anos após um mês sendo tratado por meio da terapia celular CAR-T Cell pode ser a próxima fronteira no tratamento do câncer, segundo Dimas Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) e do Núcleo de Terapia Celular Avançada do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP).

"No mundo todo existem muitas pesquisas e nós aqui também temos pesquisas para tratar outros tipos de câncer, inclusive cânceres que a gente chama de sólidos, câncer de mama, de estômago, de intestino. Então, na minha opinião, esse tipo de terapia será a próxima fronteira no tratamento do câncer, um tratamento revolucionário que tem grandes chances de curar", diz.

Desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto, a terapia é estudada desde 2014 para dois tipos de câncer: leucemia linfóide aguda (leucemia linfoblástica B) e linfoma de células B (infoma não Hodgkin de células B).

Treze pacientes foram tratados com o CAR-T Cell com verbas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e todos tiveram remissão de ao menos 60% dos tumores. A recuperação foi no Sistema Único de Saúde (SUS).

Oito deles, inclusive, estão em remissão e passam bem, ainda segundo Covas. A ideia, agora, é começar um estudo clínico com 75 pessoas a partir do segundo semestre.

"Vamos incluir pacientes que precisam ser tratados e, para isso, vamos precisar de recurso, de apoio. Vamos tratar, pelo menos, 75 pacientes e queremos que esses pacientes sejam atendidos muito rapidamente. Para isso, precisamos de apoio financeiro, inclusive".

Ainda segundo o coordenador, os custos podem chegar a R$ 80 milhões.

"É um desenvolvimento absolutamente nacional, começamos a pesquisa em 2014 e vamos evoluir. Temos outras terapias em andamento sendo desenvolvidas e esperamos, com isso, dar uma grande contribuição ao país".

•        Remissão completa em um mês

Primeiro paciente a ter remissão completa de um linfoma, Paulo Peregrino lutava contra o câncer há 13 anos e estava prestes a receber cuidados paliativos quando, em abril deste ano, foi submetido ao tratamento desenvolvido pelo CTC em parceria com o Nutera. Em um mês, ele foi curado.

"Como é um tratamento muito efetivo, você tira pacientes da fila de pacientes graves, evita internações, evita complicações, e devolve a esperança de vida", aponta Covas.

O tratamento revolucionário consiste em combater a doença utilizando as próprias células de defesa do paciente, como explica o coordenador.

"Começa com as próprias células de defesa do paciente. Nós retiramos essas células, chamadas de linfócitos, levamos essa célula para o laboratório, modificamos geneticamente, alteramos o DNA e, na sequência, multiplicamos essas células em milhões e milhões e milhões, e aí nós temos o produto, que vai ser reinjetado no paciente".

Covas explica ainda que as células modificadas em laboratório foram 'educadas', especificamente, para reconhecer o câncer.

"Elas entram na circulação e vão, ativamente, localizar onde estão os tumores. Ali, encontrando o tumor, porque ela tem esse receptor como um 'radar', ela destrói o tumor. Por isso que a resposta é muito rápida, em duas, três semanas, quatro semanas o câncer desaparece".

•        Autoterapia

De acordo com Dimas Covas, o tratamento pode ser considerado uma autoterapia, porque são as células do próprio paciente que são modificadas para tratar o câncer que ele possui.

Treze pessoas participaram do tratamento, oito delas, ainda de acordo com Covas, estão em remissão e passam bem.

"Isso é um resultado excepcional, considerando que esses pacientes foram tratados em um esquema compassivo, ou seja, não havia mais tratamento disponível para o tipo de câncer deles. O paciente teve o diagnóstico, tratou em uma primeira linha, em uma segunda, em uma terceira linha de tratamento e não respondeu. Então só sobrou a esses pacientes esse tipo de terapia [celular]".

 

Fonte: g1

 

Nenhum comentário: