Como Terras
Indígenas na Amazônia podem absorver a fumaça dos incêndios e prevenir doenças
Um
novo estudo publicado na Nature estima que as florestas em Terras Indígenas na
Amazônia têm o potencial de absorver mais de 7 mil toneladas de gases nocivos
provenientes de incêndios florestais por ano, evitando cerca de 15 milhões de
casos de doenças respiratórias e cardiovasculares anualmente – o que custaria
US$ 2 bilhões (cerca de R$ 10 milhões) ao sistema público de saúde.
O
efeito na saúde da população se soma aos impactos ambientais das queimadas na
Floresta Amazônica, que são causadas principalmente pelo desmatamento e
contribuem para o aumento das emissões.
O
que ainda não se sabia era o nível desses danos, os custos e a capacidade das
florestas em Terras Indígenas de absorver os poluentes, disseram os autores do
estudo.
“O estudo é o primeiro a medir o quanto a
perda de florestas tropicais protegidas pelos povos indígenas pode custar à
saúde humana”, disse Paula Prist, principal autora do estudo e pesquisadora da
EcoHealth Alliance, durante uma entrevista coletiva.
O
estudo faz parte de uma pesquisa que aponta para os esforços bem-sucedidos de
conservação da floresta e serviços ambientais fornecidos pelos territórios
indígenas na Amazônia. As 383 Terras Indígenas amazônicas homologadas pelo
Estado foram incluídas no estudo.
Com
base em uma análise de dez anos de dados, de 2010 a 2019, os pesquisadores
descobriram que a Floresta Amazônica pode absorver 26 mil toneladas de material
particulado de pequeno tamanho (PM2,5, ou material particulado com diâmetro
menor que 0,0025 mm) liberado por incêndios todos os anos. As Terras Indígenas
têm potencial para absorver 27% desses poluentes, apesar de ocuparem 22% da
área, que abrange nove estados da Bacia Amazônica.
O
PM2,5 penetra nos alvéolos pulmonares e pode passar diretamente pelos pulmões
para o sistema sanguíneo. Ele está associado a doenças cardíacas, derrame,
enfisema, câncer de pulmão, bronquite, asma e dor no peito, entre outras
condições.
O
estudo aproxima a capacidade de absorção das áreas de Floresta Amazônica e
analisa as taxas teóricas de remoção, que, segundo os pesquisadores, podem
estar superestimadas por fatores climáticos. A fumaça real liberada pelos incêndios
na floresta tropical é de cerca de 1,68 toneladas de PM2,5 por ano.
Para
cada hectare de floresta em chamas, as despesas com o tratamento de doenças
associadas variam entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões. Esses casos variam por
município. No período do estudo, ocorreram mais de 1,4 milhão de casos de
infecções respiratórias e cardiovasculares relacionadas a incêndios florestais
em 772 municípios da Amazônia, além de 168.663 casos em territórios indígenas.
Os
incêndios são causados principalmente por fazendeiros ilegais, pecuaristas e
grileiros que limpam a terra e queimam árvores para abrir caminho para a
agricultura ou pecuária.
“As
florestas de folhas largas perenes da Amazônia têm entre os maiores fatores de
emissão de aerossol carbonáceo preto e orgânico, os principais componentes do
material particulado fino”, disse o estudo. “Essa característica da floresta
leva a incêndios mais graves que emitem mais aerossóis carbonáceos.”
• Urgência nas florestas e Terras
Indígenas
Os
autores do estudo dizem que as descobertas indicam que a proteção fornecida
pelas florestas não atende apenas às comunidades indígenas, mas às populações
em áreas rurais e urbanas. Isso geralmente inclui “o outro lado da Amazônia,
[como no] Arco do desmatamento, [que] perdeu a maior parte da cobertura
florestal para a agroindústria e outras atividades legais e ilegais”. O Arco do
Desmatamento é a região responsável por 75% do desmatamento na Amazônia.
Usando
dados de satélite de dois sistemas de incêndio da Nasa, os pesquisadores descobriram
que a fumaça absorvida pela floresta tropical pode atingir até 500 quilômetros
do local do incêndio inicial.
O
fogo não é um elemento natural da floresta amazônica, um ambiente úmido mesmo
na estação seca de julho a novembro, explica Marcia Macedo, cientista associada
do Woodwell Climate Research Center.
“O
desmatamento é uma grande fonte de ignição e, quando o fogo é muito intenso, a
fumaça sobe alto e pode ser transportada para grandes centros populacionais,
como vimos em 2019 na cidade de São Paulo. Eram três horas da tarde [quando o
céu ficou] escuro por causa das queimadas na Amazônia.”
Houve
aumento da perda florestal por incêndios no período estudado, situação que vem
se agravando. Após o estudo, entre 2020 e 2022, também houve taxas recordes de
desmatamento na região. Em 2022, 49% da área florestal queimada no país estava
na Amazônia, totalizando 7,9 milhões de hectares.
“O
número de incêndios tem aumentado nos últimos anos”, diz Prist. “E em 2020, as
taxas de desmatamento atingiram os níveis mais altos da década na Amazônia.”
Estudos
recentes mostraram que as florestas de manejo indígena sofrem menos
desmatamento e representam alguns dos sumidouros de carbono remanescentes na
Floresta Amazônica. Essas florestas funcionam como um biofiltro para a poluição
do ar e melhoram a qualidade do ar devido à textura áspera das folhas e grande
área de contato para absorver poluentes.
“Tudo o que temos falado sobre o papel dos
povos indígenas no combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas tem
sido confirmado pelo conhecimento científico. A retirada de toneladas de
agentes nocivos da atmosfera, beneficiando a população em geral, demonstra a
necessidade de retomar as demarcações e políticas públicas desses territórios”,
diz Dinaman Tuxã, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (Apib).
A
ação contra os incêndios na Amazônia precisa começar agora, alerta Prist.
“Naquela época, a região se tornou um dos lugares mais poluídos do planeta; o
estudo mostra que temos que fazer algo antes do início da próxima estação
seca.”
O
cientista do clima e co-presidente do Painel de Ciências da Amazônia, Carlos
Nobre, diz que o estudo deve servir de inspiração para o governo brasileiro e a
comunidade global adotarem medidas urgentes para proteger os territórios
indígenas. “Os povos originários chegaram à Amazônia há 12 mil anos e
mantiveram a floresta em pé”, diz Nobre. “À medida que nos aproximamos do ponto
de inflexão irreversível da Amazônia, ainda estamos fazendo muito pouco para
protegê-la.”
Fonte:
Mongabay
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