quarta-feira, 8 de março de 2023


Inflação da ganância: como algumas empresas usam altas de preços para gerar lucros excessivos

O faturamento da gigante britânica da energia BP triplicou no segundo trimestre do ano, impulsionado pelo aumento dos preços do petróleo e do gás natural após a invasão da Ucrânia pela Rússia.

A ExxonMobil e a Chevron também relataram enorme crescimento dos lucros. A primeira duplicou seus números e a segunda, multiplicou seus lucros por 4.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, criticou a Exxon em entrevista coletiva, por ganhar "mais dinheiro que Deus este ano", em um momento em que os norte-americanos enfrentam recordes de preços da gasolina.

Este fenômeno se repete em todas as economias do mundo - e a América Latina não é exceção.

A gigante do petróleo defendeu-se, explicando que, nos últimos cinco anos, investiu a nível mundial o dobro dos seus lucros.

"Nós investimos durante a recessão para aumentar a capacidade de refino nos Estados Unidos, mesmo durante a pandemia, quando registramos prejuízos de mais de US$ 20 bilhões [cerca de R$ 104 bilhões]", segundo a empresa.

'Greedflation' - a inflação da ganância - é a ampliação das margens de lucros com aumentos de preços desnecessários e enganosos.

Mas não foram só a gasolina e o gás. Os alimentos, grande parte dos serviços e uma longa lista de matérias-primas industriais ficaram muito mais caros.

Por isso, começou-se a questionar se as empresas estariam aproveitando o ambiente econômico e a inflação para aumentar seus preços e colher lucros mais elevados em um contexto de desaceleração econômica. E, sobretudo, de que forma os aumentos de preços estão também elevando o custo de vida.

Dados revelados em março indicam que, nos Estados Unidos, os lucros das empresas foram mais altos em 2021 que em qualquer outro ano desde a década de 1950.

"Infelizmente, existem setores que aumentaram seu poder de fixação de preços e margens de lucro, superando o argumento de que a inflação era transitória", segundo Paul Donovan, economista-chefe do UBS Global Wealth Management.

Nos Estados Unidos, este fenômeno recebeu o nome de "greedflation" - a inflação da ganância. Significa a ampliação das margens de lucros com aumentos de preços desnecessários e enganosos.

Os usuários da expressão acusam as empresas de terem se tornado muito avarentas, praticando aumentos exorbitantes de preços. Mas há quem não esteja de acordo e acredite que a expressão tenha sido politizada para culpar os grandes conglomerados pela inflação.

        Os culpados

"As empresas passaram a ser um conveniente bode expiatório para a inflação", segundo Tsai Wan-Tsai, professor de marketing do Penn Wharton China Center em Pequim, na China.

Ele acredita que os conglomerados empresariais estão reagindo adequadamente às pressões inflacionárias fora do seu controle. E menciona como culpados a guerra na Ucrânia, o aumento dos preços do petróleo, os problemas de logística e cadeias de fornecimento e as mudanças de padrões de consumo durante a pandemia.

"Os políticos sempre encontram um culpado pelos males econômicos que surgem na forma de inflação", concorda David Fernández, professor de economia da Universidade Francisco Marroquín, na Guatemala.

Parece haver consenso entre os economistas consultados pela BBC de que, por trás deste fenômeno, existe um aumento dos monopólios e do seu poder de fixar os preços.

        'Desculpa'

"Os preços estão subindo porque as empresas têm o poder de aumentá-los", escreve no seu blog o ex-secretário de Trabalho dos Estados Unidos, Robert Reich, e professor de políticas públicas da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos.

Para ele, "estão usando a inflação como desculpa" para que seus lucros sejam "os mais altos possíveis". Para o economista, os trabalhadores estão sendo castigados pela inflação e o verdadeiro culpado é a avareza empresarial.

Reich menciona como exemplo o anúncio da Procter & Gamble, de que começaria a cobrar mais pelos produtos básicos de consumo, ao mesmo tempo em que a empresa registra enorme rentabilidade. Como justificativa, a multinacional mencionou "o aumento dos custos das matérias-primas, como a resina e a polpa, e os maiores gastos de transporte das mercadorias".

"Cinquenta por cento do aumento recente dos preços dos alimentos provêm de produtos de carne: carne de boi, porco e aves. Apenas quatro grandes conglomerados controlam a maior parte do processamento de carne nos Estados Unidos", prossegue o economista.

Segundo ele, essas empresas "estão aumentando seus preços de forma coordenada, mesmo quando atingem recordes de lucros. Aqui, novamente, estão usando a inflação como desculpa."

        Energia e saúde

Para o pesquisador sobre desigualdade Brian Wakamo, do Instituto de Estudos Políticos, com sede nos Estados Unidos, o que acontece no setor de petróleo e gás é o exemplo mais notório da inflação da ganância.

Wakamo declarou à BBC News Mundo - o serviço em espanhol da BBC - que "empresas como a BP podem ter precisado mudar a produção da Rússia para outro país com custos de produção mais altos, ou podem ter custos mais altos de transporte dos seus produtos, mas o dinheiro que vêm cobrando pelos seus produtos é significativamente mais alto que o necessário".

Wakamo também menciona a indústria da saúde, que, "especialmente nos Estados Unidos, cobra preços ao consumidor muito mais altos que o custo dos medicamentos ou dos procedimentos propriamente ditos".

"Como vimos ao longo da pandemia, as empresas aproveitaram todas as oportunidades para preservar seus ganhos. Elas usaram empréstimos e subvenções do governo e demitiram funcionários, entre outras medidas, para manter os lucros. A riqueza dos executivos também disparou", afirma Wakamo.

        Falta de concorrência

Para muitos economistas, o que há por trás da inflação é o processo de concentração gerado em consequência da pandemia.

Durante 2020 e 2021, empresas de todos os setores fecharam ou ficaram em situação muito ruim e foram vendidas. "Esta concentração levou a uma redução da oferta e, portanto, a um aumento de preços", segundo David Fernández.

A fusão de grandes companhias aéreas criou conglomerados, reduzindo a concorrência.

Podemos ver esta situação, segundo ele, no setor aéreo. Nos Estados Unidos e na Europa, foram formados conglomerados importantes, como o grupo Lufthansa, o grupo International Airlines e a Delta, que integram diversas linhas aéreas ou compraram os concorrentes.

Wakamo e Reich concordam que, por trás deste fenômeno, estão os monopólios.

"Os monopólios corporativos alimentaram a inflação por muito tempo", afirma Wakamo. "A existência de menos opções no mercado para a compra de um produto ou serviço permite que a empresa que é o seu principal produtor determine os seus preços."

"E, quando são uma ou duas empresas que controlam os preços, elas podem aumentar o custo conforme quiserem. Vimos isso em muitos setores da economia global", acrescenta ele.

Para Reich, "o problema latente não é a inflação. É a falta de concorrência." O ex-secretário norte-americano do Trabalho recorda que, desde a década de 1980, aumentou a concentração de dois terços de todas as indústrias dos Estados Unidos.

"A Monsanto agora estabelece os preços da maior parte das sementes de milho dos Estados Unidos. Wall Street foi consolidada em cinco bancos gigantescos", afirma ele.

Reich acrescenta: "as linhas aéreas se fundiram - eram 12 em 1980 e, atualmente, são 4. Três companhias gigantes de cabos dominam a banda larga: Comcast, AT&T e Verizon. Um punhado de companhias controla a indústria farmacêutica: Pfizer, Eli Lilly, Johnson & Johnson, Bristol-Myers Squibb e Merck."

E, como a maioria destes gigantes está presente em mercados de todo o mundo, o problema não se restringe ao território dos Estados Unidos.

        E também os diretores

Outra parcela das pessoas que apoiam a teoria da inflação da ganância indica os salários dos executivos como uma amostra da avareza empresarial.

Um relatório da Federação Norte-Americana do Trabalho e do Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO, na sigla em inglês), publicado em julho de 2022, revelou que os CEOs (diretores-executivos) das 500 empresas que compõem o índice S&P 500 tiveram seus salários aumentados em 18,2% em 2021. Vale lembrar que a inflação nos Estados Unidos, na época, era de 7,1% e o salário dos trabalhadores aumentou em 4,7%.

O relatório revela que os diretores gerais das empresas do índice S&P 500 tiveram rendimento médio de US$ 18,3 milhões (cerca de R$ 95,2 milhões) naquele ano, que representa 324 vezes mais que a remuneração média dos trabalhadores.

"Em vez de investir no seu pessoal, aumentando os salários e mantendo sob controle os preços dos bens e serviços, sua estratégia consiste em oferecer um recorde de lucros graças ao aumento de preços, provocando uma recessão que deixará muitos trabalhadores em situação de desemprego", afirma o secretário da AFL-CIO, Fred Redmond.

        Altos lucros, baixos salários

"Os lucros das empresas e os salários dos executivos estão atualmente nas nuvens, enquanto os salários da maioria dos trabalhadores norte-americanos mantêm-se baixos e inalterados nas últimas décadas", segundo Redmond.

A entidade afirma que a economia atual de altos lucros e baixos salários, em parte, é resultado de regras e políticas que formam a tomada de decisões corporativas.

"Essas regras permitiram que os diretores executivos, acionistas e executivos retirassem cada vez mais lucros das empresas norte-americanas, às custas dos trabalhadores, do investimento empresarial e do crescimento econômico de longo prazo", explica Redmond.

 

       A pior inflação do mundo: o país onde os preços dobravam a cada 15 horas

 

Quando o poeta e romancista Gyorgy Faludy voltou à Hungria em 1946, após uma ausência de 8 anos, encontrou um país completamente dilacerado pela guerra.

Budapeste, a capital onde ele nasceu e cresceu, era uma cidade de escombros, pontilhada de cadáveres parcialmente enterrados e esqueletos de edifícios.

Mas houve outras mudanças menos visíveis.

Pouco depois de seu retorno, sua editora pagou-lhe por uma nova edição de um de seus livros 300 bilhões de pengös, a moeda da época.

Parece uma quantia enorme, mas tudo o que ele conseguiu comprar foi um frango, dois litros de óleo e alguns vegetais. E se tivesse esperado até a tarde, já não seria o suficiente nem para isso.

A Hungria estava nas garras da pior inflação já registrada. No auge, ela chegou a 41.900.000.000.000.000%.

Na vida cotidiana, isso significava que os preços médios dobravam aproximadamente a cada 15 horas .

Considerando que a hiperinflação é definida pelos economistas como um aumento de 50% nos preços médios mensais, esta entra na classificação com sobras.

Milhões de húngaros viram seus salários reais e padrões de vida despencarem, mergulhando muitos em uma nova luta pela sobrevivência.

Quando a espiral de preços foi controlada, o valor total de todo o dinheiro em circulação no país era uma fração de um centavo norte-americano.

Com muitos agora preocupados com a inflação em várias partes do mundo, pode ser apropriado perguntar o que causou a pior hiperinflação da história e que lições ela deixou.

        Como era antes

Assim como outros países europeus, a Hungria sofria com as consequências da Segunda Guerra Mundial, na qual, inicialmente, havia estado fortemente ao lado do Eixo, participando inclusive do ataque de 1941 à União Soviética.

Em 1942, prevendo que a Alemanha perderia a guerra, seus líderes iniciaram negociações secretas com os Aliados. O resultado, no entanto, foi que Adolf Hitler descobriu os contatos e, em março de 1944, invadiu o país e instaurou uma administração pró-nazista.

"A terrível consequência disso foi que 437 mil judeus húngaros foram deportados para Auschwitz", diz László Borhi, presidente da Peter A. Kadas e professor da Escola Hamilton-Lugar da Universidade de Indiana, EUA.

"Depois disso, a Hungria se tornou um campo de batalha entre a URSS e a Alemanha."

E Budapeste vivenciou um dos maiores cercos da guerra.

        O resultado

No final do conflito, a economia do país estava em frangalhos.

Os alemães levaram cerca de US$ 1 bilhão em mercadorias e commodities para fora do país.

Metade de sua capacidade industrial foi destruída e, do que restou, 90% tinha danos.

A maioria das ferrovias e locomotivas foi destruída. O que tinha uso foi tomado por nazistas ou soviéticos. Todas as pontes sobre o rio Danúbio em Budapeste estavam fora de serviço, assim como a maioria de suas estradas.

70% dos edifícios em Budapeste foram total ou parcialmente transformados em escombros.

A produção agrícola caiu quase 60% .

“Basicamente, o país estava à beira da fome”, ressalta Borhi. "Apesar disso, a Hungria teve que alimentar 1 milhão de soviéticos que o Exército Vermelho tinha no país."

Além de tudo, quando assinou o armistício, a Hungria concordou em pagar indenizações de US$ 300 milhões (mais de US$ 4 bilhões em valores atuais) a soviéticos, iugoslavos e tchecoslovacos.

E não houve empréstimos para ajudar os húngaros em sua recuperação.

"Os países controlados pelos soviéticos foram excluídos da participação do generoso Plano Marshall, que basicamente alimentou a recuperação econômica da Europa Ocidental", explica Borhi.

        Como resolver?

“As finanças do governo húngaro estavam em estado absolutamente precário e havia a necessidade de fornecer serviços à população, mas não havia infraestrutura que permitisse arrecadar receita da maneira convencional”, diz Pierre Siklos, professor de economia da Wilfred Laurier University em Waterloo, Canadá.

Sem contar com o dinheiro de impostos, o governo húngaro decidiu estimular a economia imprimindo dinheiro — apesar da necessidade de fazer um empréstimo para pagar a tinta importada da impressão das cédulas.

Com eles, o governo contratava trabalhadores diretamente, fornecia empréstimos aos consumidores e dava dinheiro às pessoas.

Concedeu empréstimos a bancos a taxas baixas, que, por sua vez, emprestaram a empresas do país.

O país foi inundado de dinheiro.

E o dinheiro acabou afogado em zeros.

        Caleidoscópio de pengős

O pengő, moeda que havia sido adotada como uma das medidas para controlar a primeira hiperinflação sofrida pela Hungria no século 20, após a Primeira Guerra Mundial, entrou em queda livre.

A inflação era tão excessiva que os zeros se acumulavam ao ponto do absurdo.

Em 1944, o valor mais alto da nota era de 1.000 pengős. No final de 1945, eram 10 milhões de pengős.

Numa tentativa de simplificação, surgiram o milpengő , equivalente a 1 milhão de pengős.

Isso deu lugar a denominações bizarras como...

        100 milhões de milpengős, ou 100 trilhões de pengős

        e 1 bilhão de milpengős, ou seja, 1 quatrilhão de pengős

Logo, foi necessário emitir o B-pengő , equivalente a 1 trilhão de pengős.

Isso se multiplicou até 11 de julho de 1946, quando o Banco Nacional da Hungria emitiu as últimas notas de pengő: 100 milhões de B-pengős (10² =100 trilhões), a denominação mais alta em uso na história.

O banco também imprimiu notas de 1 bilhão de B-pengős (10²¹ = 1.000.000.000.000.000.000.000), mas elas nunca entraram em circulação.

Ao longo do caminho, uma moeda especial, o adópengő (ou pengő fiscal) também foi criada para pagamentos postais e fiscais. Devido à inflação, seu valor era reajustado diariamente e anunciado no rádio.

Em 1º de janeiro de 1946, um adópengő era igual a um pengő, mas no final de julho era igual a 2.000.000.000.000.000.000.000 pengős.

        E as pessoas, como faziam?

Enquanto o governo tentava acompanhar os preços emitindo uma vertiginosa variedade de novas cédulas, as pessoas comuns começaram a se referir a elas com base em sua cor e não em seu valor.

Mas chegou a um ponto que nem isso fazia sentido, então "se, digamos, eles quisessem uma dúzia de ovos, o vendedor os pesava e o comprador dava esse peso em dinheiro", diz Béla Tomka, professor de Moderna História Social e Econômica da Universidade de Szeged, na Hungria.

Os salários também não conseguiam acompanhar a realidade. Assim, muitas empresas passaram a pagar em espécie, com o que produziam ou com batata, açúcar etc.

“As fábricas têxteis, por exemplo, desenvolveram seu próprio sistema salarial: pagavam em centímetros de tecido.

"Os funcionários então trocavam o que recebiam por outras necessidades."

O mercado negro floresceu.

“Além disso, pela primeira e única vez na história da inflação no mundo, as empresas tiveram que fornecer certa quantidade e qualidade de alimentos, determinadas pelas necessidades calóricas semanais dos trabalhadores e seus familiares dependentes”, diz Tomka.

"Embora essas medidas não resolvessem os problemas, devido à escassez de alimentos, por um tempo eles forneceram um subsídio mínimo para as massas trabalhadoras."

À certa altura, os funcionários podiam até exigir o pagamento antes das 14h. Caso contrário, insistiam em receber o salário ajustado pela inflação no dia seguinte.

No entanto, não houve jeito: os salários reais caíram mais de 80% e, embora os trabalhadores estivessem empregados, a hiperinflação os empurrava para a pobreza.

No entanto, parece que a privação não foi sentida igualmente.

Uma reportagem do jornal The New York Times sobre Budapeste em 4 de abril de 1946 relatou que "em nenhum outro lugar da Europa se poderia encontrar um contraste tão gritante entre o padrão de vida da maioria da população e o daqueles poucos que fizeram amizade com britânicos e americanos ou que, por algum outro meio, têm acesso a restaurantes caros."

"Nos clubes das potências ocupantes você encontrará comida como em nenhum outro lugar da Europa: frutas exóticas, ganso, frango, creme e bolos como nos hotéis mais extravagantes do pré-guerra."

Mas quem poderia desfrutar de tais delícias?

"Aqueles cuja riqueza estava em joias, ouro ou outros objetos de valor poderiam vender esses bens ou trocá-los por necessidades básicas", diz Tomka.

"Além disso, quem tivesse acesso a divisas, fosse porque trabalhava para uma embaixada ou para uma empresa estrangeira ou outra instituição, teria mais condições de sobreviver."

"A população rural que produzia alimentos estava em uma posição mais favorável, então basicamente os pobres nas cidades e vilas sofriam mais ."

        Como acabou?

No auge da inflação, os preços subiam a uma taxa de 150.000% ao dia.

Nessa altura, o governo havia desistido dis impostos, pois o poder de compra do que arrecadava havia evaporado em grande parte.

Só uma nova moeda poderia estabilizar a situação financeira do país.

Em 1º de agosto de 1946, a Hungria introduziu o florim, reduzindo 29 zeros em relação à moeda anterior .

“Meus pais se lembram de ver os varredores de rua jogando as notas no lixo: as pessoas simplesmente jogavam os pengős fora, porque não valiam nada”, diz Borhi.

"O pouco que restou da fortuna da família foi destruído. As pessoas perderam suas economias e tiveram que começar do zero."

Mas, aparentemente da noite para o dia, a hiperinflação chegou ao fim.

Aparentemente.

"Os preparativos levaram alguns meses", diz Siklos.

"Eles estocaram alimentos para garantir que, quando a nova moeda fosse lançada, pelo menos em alguns mercados haveria uma aparência de abundância que levaria a pensar que a reforma era amplamente confiável".

“Também houve um esforço nas semanas que antecederam a reforma para convencer o público de que acabaria a dependência do imposto inflacionário, que não haveria mais nenhum tipo de indexação e que eles manteriam essas políticas no futuro próximo. ."

"Assim, eles conseguiram inspirar confiança suficiente no público para que o florim mantivesse seu valor . E lenta mas seguramente, a atividade econômica começou a se recuperar."

Um fator chave para restaurar essa confiança foi o retorno da reserva de ouro do Banco Nacional Húngaro.

"Ele havia sido retirado do país nos estágios finais da guerra para que o exército soviético não pudesse apreendê-lo. E acabou na zona da Áustria ocupada pelos Estados Unidos", diz Tomka.

"Em 1946, uma delegação do governo húngaro foi a Washington em visita oficial, e o presidente Truman, como um gesto para os húngaros, concordou com seu retorno total."

Sua chegada ao país foi um grande acontecimento, conforme noticiado pela Associated Press em 6 de agosto daquele ano.

"O antigo trem particular de Adolf Hitler chegou aqui hoje com US$ 33 milhões em ouro, todas as reservas capturadas do Banco Nacional Húngaro, para reforçar a nova estrutura financeira da Hungria."

"O carregamento de 22 toneladas de ouro, lingotes e moedas, trazido da Alemanha sob pesado esquema de segurança e sigilo militar, marcou o primeiro retorno de ativos monetários em massa a um país inimigo ."

"As autoridades húngaras expressaram profundas esperanças de que a chegada do ouro, 100% intacto, salvaria a economia abalada de sua nação."

Para o povo, esse aval deu credibilidade à nova moeda.

Por outro lado, o Banco Central tornou-se independente e o poder de emitir cédulas foi limitado. Os bancos foram obrigados a manter reservas de 100%, os impostos aumentaram drasticamente, o número de funcionários públicos foi substancialmente reduzido.

O florim tornou-se uma das moedas mais estáveis da região até a década de 1960.

        Mas...

Em 1946 o cenário político e econômico da Hungria já estava completamente dentro da esfera de influência soviética.

“Em maio, o líder do Partido Comunista Húngaro deu ordem para clonar parcialmente o sistema stalinista para facilitar a estabilização da moeda”, diz Borhi.

“Eles começaram a tomar medidas que acabariam por levar à nacionalização de empresas privadas estrangeiras e nacionais.

“Simultaneamente, foram introduzidas medidas para centralizar a economia, como um escritório que determinava o preço de cada produto e uma tabela que determinava o salário de cada setor da economia.

"Portanto, tudo foi muito, muito controlado, e isso provavelmente ajudou a conter a inflação."

Então, podemos realmente ler de forma confiável as estatísticas de inflação?

"A resposta simples é não", diz Siklos.

"Mas acho que o sucesso inicial das reformas pode ser explicado pelo incrível conjunto de políticas que foram introduzidas na época. Então, é claro, as coisas mudariam."

        Lições?

No final, haverá alguma lição sobre como lidar com a espiral inflacionária que muitos países experimentaram?

"Um ponto comum é, primeiro, quando as condições econômicas se deterioram e os governos não têm outros recursos disponíveis, não demora muito para que a hiperinflação se instale", observa Siklos.

“A segunda lição é que se for introduzido um conjunto de políticas que convença o público de que o poder de compra do dinheiro permanecerá estável, a inflação pode acabar rapidamente ”, acrescenta.

Tomka concorda que "a confiança do público nas instituições políticas e econômicas e, por extensão, no próprio dinheiro, é uma condição importante para a estabilidade da moeda".

“Se essa confiança evaporar em grandes segmentos da sociedade, restaurá-la acarreta enormes custos econômicos e sociais”.

 

Fonte: BBC News Mundo

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