José
Reinaldo Carvalho: O retorno de Trump e os desafios da resistência ao
imperialismo estadunidense
Não é possível prever com
exatidão o desenrolar dos acontecimentos quanto ao que virá no ano que se
inicia. Com o retorno de Donald Trump ao poder a partir do próximo dia 20, há
muitas situações em aberto, devido a fatores objetivos e também porque se trata
de um líder que faz o gênero da anormalidade e do histrionismo como traço de
personalidade, expressando as piores características da burguesia
estadunidense: egolatria, individualismo, agressividade e
supremacismo.
Os Estados Unidos parecem
entrar em uma nova e ainda mais brutal fase de sua longa história de
imperialismo. Essa tendência, longe de ser exclusividade de um partido ou
governo, é uma marca estrutural da política externa norte-americana, mas sob a
lógica do "America First" de Trump, ela assume contornos ainda mais
agressivos e perigosos. Isto se acentua na medida em que fica patente o
declínio dessa superpotência, a perda do seu poder absoluto e a impossibilidade
de deter a marcha da história.
Sob o pretexto de proteger
seus interesses nacionais, o imperialismo estadunidense é responsável por
desestabilizar nações, impor bloqueios econômicos cruéis e patrocinar guerras
que ceifam milhares de vidas ao redor do mundo. Desde a América Latina até a
Ásia, passando pela África e Oriente Médio, o objetivo é claro: garantir a
hegemonia dos EUA a qualquer custo, mesmo que isso signifique destruir
economias, subjugar povos e suprimir soberanias nacionais.
O retorno de Trump pode
intensificar esses elementos, com uma retórica exclusivista e ações
unilaterais. O desprezo do republicano pelos acordos e instituições
internacionais e sua visão unilateralista ameaçam destruir os poucos mecanismos
de cooperação global que ainda restam.
Na América Latina, por
exemplo, a tendência previsível é o aumento nos ataques contra governos
progressistas e movimentos populares que resistem à lógica imperialista. Não é
de se surpreender que bloqueios econômicos sejam intensificados, que golpes
sejam fomentados e que animado pelo propósito de defender a primazia dos
interesses norte-americanos seja empreendida uma abrangente ofensiva contra os
povos.
Mas há forças e tendências
que agem em sentido contrário, despertando expectativas de que os planos
imperialistas podem ser derrotados.
O ano de 2024 marca um
momento decisivo no avanço da multipolaridade global, evidenciado pela ascensão
da China, o novo papel da Rússia, a consolidação de blocos contra-hegemônicos e
a emergência do Sul Global, Dois eventos de destaque atestam isso: a cúpula do
BRICS em Kazan, na Rússia, e o encontro do G20 no Rio de Janeiro. Esses eventos
sinalizam mudanças importantes na conjuntura mundial, com o fortalecimento de
polos que desafiam a hegemonia dos países imperialistas e a emergência do Sul
Global como um ator de relevância crescente.
No campo anti-imperialista,
a China e a Rússia consolidaram sua posição como pilares e líderes do
mundo multipolar. A China, com seu impetuoso desenvolvimento a expansão de
iniciativas como a Nova Rota da Seda, de Desenvolvimento Global, de Segurança
Global e Civilização Global, oferece um modelo alternativo ao neoliberalismo. A
Rússia, por sua vez, reafirma seu papel geopolítico com ações estratégicas que
vão desde o fornecimento de energia a parcerias militares e diplomáticas.
Complementando esse quadro, estão os países do Sul Global.
O BRICS de Kazan simboliza a
ascensão desses países. A entrada de novos membros amplia o alcance
geopolítico e econômico do bloco, mostrando sua capacidade de reunir países
diversos em torno de um objetivo comum: desafiar a unipolaridade. O BRICS agora
representa uma parcela significativa da população mundial e da economia global,
consolidando-se como um fórum essencial para os países do Sul Global. O G20 no
Rio de Janeiro também refletiu a força crescente do Sul Global. Liderado pelo
Brasil, o encontro demonstrou que as nações em desenvolvimento têm voz ativa na
definição dos rumos do planeta.
Este cenário demonstra que
os povos do mundo podem unir-se em uma frente ampla contra o imperialismo
estadunidense, com capacidade para denunciar suas ações, apoiar os movimentos
de resistência e construir alternativas que promovam a soberania, a justiça
social e a paz. O imperialismo não é invencível. Ao longo da história, foi
derrotado em várias ocasiões pela coragem e determinação dos povos. Hoje, mais
do que nunca, é possível resistir, acumular forças e abrir caminho para
conquistar a emancipação nacional e social dos povos.
¨ Economistas
esperam inflação, juros altos e desaceleração global durante governo Trump
As políticas protecionistas
de Donald Trump, que toma posse neste mês como presidente dos Estados Unidos,
levantam sérias preocupações entre economistas globais quanto aos seus impactos
no crescimento econômico. Segundo uma pesquisa realizada pelo Financial Times e
pela Booth School of Business da Universidade de Chicago, divulgada pela Folha de S. Paulo, a maioria dos
especialistas ouvidos acredita que a agenda de Trump pode prejudicar a economia
americana a longo prazo, apesar do otimismo inicial de investidores.
A pesquisa, que ouviu mais
de 220 economistas de diversas regiões, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e
Zona do Euro, apontou que as promessas de "Maganomics" — uma fusão
entre o slogan "Make America Great Again" e "economia" —
podem trazer resultados adversos. As propostas incluem tarifas de até 20% sobre
importações, deportações em massa de imigrantes indocumentados e cortes de
impostos permanentes. Apesar de Trump defender que essas políticas
impulsionariam a produção interna e fechariam o déficit comercial,
especialistas preveem um cenário de estagflação e retração global.
Sebnem Kalemli-Ozcan,
professora da Universidade Brown e membro do painel consultivo do Federal
Reserve de Nova York, destacou que "as políticas de Trump podem trazer
algum crescimento a curto prazo, mas isso será às custas de uma desaceleração
global que depois voltará a prejudicar os EUA". Ela também alertou para o
caráter inflacionário dessas medidas, tanto no mercado interno quanto
globalmente.
<><> Impactos
econômicos e o contraste com o mercado
Embora a maioria dos
economistas aponte para os riscos das medidas protecionistas, os mercados
reagiram de maneira distinta à vitória de Trump. O índice S&P 500 encerrou
2024 com alta de 23,3%, impulsionado por cortes de impostos, desregulamentação
e avanços na inteligência artificial.
No entanto, economistas
acreditam que os ganhos de curto prazo podem ser anulados pelos impactos de
longo prazo. Mais da metade dos entrevistados esperam efeitos negativos
moderados das políticas de Trump, enquanto 10% preveem impactos severos. Apenas
um quinto dos especialistas acredita em benefícios econômicos gerais.
<><> Repercussões
globais e preocupações europeias
O estudo também revelou
preocupações mais profundas fora dos EUA, particularmente na Zona do Euro.
Cerca de 85% dos economistas europeus preveem efeitos negativos das tarifas e
políticas de Trump, com destaque para os setores industriais da Alemanha. A
indústria automobilística alemã pode ser "especialmente visada,"
alertou Martin Wolburg, economista da Generali Investments. Além disso, tarifas
elevadas sobre a China podem levar Pequim a inundar o mercado europeu com
produtos de baixo custo, intensificando a concorrência.
No Reino Unido, Alpesh
Paleja, economista-chefe da CBI, destacou que o impacto de segunda ordem das
tarifas americanas poderia pesar sobre o crescimento europeu e, indiretamente,
afetar o Reino Unido. Segundo ele, "a administração Trump será uma
'máquina de imprevisibilidade'", dificultando decisões de longo prazo.
<><> Um futuro
incerto para a economia global
Apesar de previsões de
crescimento mais robusto para os EUA em 2025 em comparação à Europa, o legado
econômico de Trump permanece incerto. Sem um plano econômico claro, analistas
continuam a basear suas projeções nas promessas de campanha e na experiência do
mandato anterior. O contraste entre o otimismo dos investidores e o ceticismo
dos economistas reflete os riscos e oportunidades de um cenário econômico moldado
por políticas protecionistas.
¨ Qual o
projeto de Trump para as mudanças climáticas?
O presidente eleito dos
EUA, Donald Trump, que se diz
cético em relação às mudanças climáticas, não esconde
seus planos para o clima na sua segunda presidência.
Na campanha eleitoral e
desde sua eleição, ele se comprometeu a aumentar a exploração de combustíveis
fósseis, cancelar créditos fiscais para veículos elétricos
e projetos de energia limpa, desfazer regulamentações ambientais e recuperar
fundos não gastos do que ele chamou de "novo golpe verde", uma
legislação climática histórica aprovada pelo atual presidente Joe Biden.
A retórica de Trump ecoa
as propostas delineadas no Projeto 2025, um manual de 900 páginas publicado pela ultraconservadora Heritage
Foundation. Embora Trump tenha se distanciado publicamente do plano, vários de
seus autores foram nomeados para cargos importantes do futuro governo.
Entre eles está Russ Vought,
que, como principal funcionário da área de orçamento, ajudaria a definir as
prioridades do governo e que, no Projeto 2025, enfatizou a importância da
"agenda do presidente".
<><> "Uma
administração muito destrutiva"
"Não temos ilusões de
que este não será um governo destrutivo", disse Rachel Cleetus, diretora
de políticas para clima e energia da União de Cientistas Preocupados (UCS), com
sede nos EUA. "Ele é anticientífico em sua essência."
Cleetus não acredita que o
governo vá usar a pesquisa climática consolidada para "orientar a boa
formulação de políticas" e agir no "interesse público",
apontando que muitos dos indicados de Trump não têm nem mesmo a experiência
mais básica para o cargo.
"Em vez de julgamento independente
e conhecimento especializado, há muita lealdade, quase como se fosse um culto,
a um presidente que assumiu uma postura muito forte contra a energia limpa,
completamente comprometido com os interesses dos combustíveis fósseis",
disse ela à DW.
E com as duas câmaras do
Congresso controladas pelos republicanos e a Suprema Corte de maioria
conservadora, pelo menos até as eleições de meio de mandato em 2026, Cleetus
disse que restam "pouquíssimas barreiras" para resistir aos planos de
Trump.
"Tudo isso junto é um
cenário muito preocupante", disse ela.
<><> Cortes
orçamentários e leis enfraquecidas na Agência de Proteção Ambiental
O escolhido por Trump para
chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA), o ex-congressista de Nova York
Lee Zeldin, se opôs à proteção ambiental e aos investimentos em energia limpa
durante seu mandato no Legislativo.
Ao anunciar sua escolha em
11 de novembro, o presidente eleito disse que Zeldin ajudaria a "liberar o
poder das empresas americanas e, ao mesmo tempo, manter os mais altos padrões
ambientais, incluindo o ar e a água mais limpos do planeta".
Como chefe da EPA, Zeldin
deve desmantelar regras rigorosas introduzidas pela
administração Biden para controle da poluição do ar e da água,
extração de combustíveis fósseis, biodiversidade e substâncias tóxicas – uma
repetição do que Trump ordenou que a EPA fizesse quando substituiu Barack Obama
em 2017.
"Eles falam sobre ar
limpo e água limpa, mas estão [planejando] reverter todos esses [...] padrões
de poluição que são especificamente projetados para proteger a saúde das
pessoas e o meio ambiente", disse Cleetus. "Eles estão falando em cortar
orçamentos e atacar a equipe em todas essas agências."
Mandy Gunasekara, chefe de
gabinete da EPA durante a primeira presidência de Trump e autora colaboradora
do Projeto 2025, disse ao jornal The
New York Times em outubro que o plano para o segundo mandato
de Trump seria "demolir e reconstruir" suas estruturas.
Durante a primeira
presidência de Trump, a agência viu seu orçamento estagnar e teve que lidar com
a perda de mais de 1,1 mil funcionários, muitos desmoralizados pelo
enfraquecimento ou remoção de mais de 100 regras ambientais.
Para o diretor executivo do
Sierra Club, Ben Jealous, a nomeação de Zeldin "revela as intenções de
Donald Trump de, mais uma vez, vender nossa saúde, nossas comunidades, nossos
empregos e nosso futuro aos poluidores corporativos".
"Precisamos de uma mão
firme e experiente na EPA para mobilizar recursos federais para combater as
mudanças climáticas e utilizar todo o poder da lei para proteger as comunidades
da poluição tóxica", disse a presidente da Earthjustice, Abigail Dillen,
em um comunicado em 12 de novembro. "Lee Zeldin não é essa pessoa."
·
Foco em petróleo e gás
Um dos principais focos da
campanha de Trump foi sua promessa de turbinar a extração de combustíveis
fósseis que aquecem o planeta – um setor que já teve lucros recordes nos
últimos anos. Assim como no Projeto 2025, ele defende restaurar a independência
energética dos Estados Unidos e cortar os preços de energia pela metade.
Neste processo, a campanha
de Trump cortejou agressivamente o setor de petróleo, dizendo aos seus principais
executivos em uma reunião privada em abril passado que ele derrubaria leis
ambientais, se eleito. Entre os participantes, conforme relatado inicialmente
pelo jornal The Washington Post,
estava o governador de Dakota do Norte, Doug Burgum, escolhido por Trump para
chefiar o Departamento do Interior e o recém-criado Conselho Nacional de
Energia.
Chris Wright, um cético em
relação ao clima e indicado por Trump para chefiar o Departamento de Energia, é CEO da Liberty Energy, uma empresa de geração de energia com foco em
gás natural. Ele tem defendido combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás
com entusiasmo, argumentando em um relatório da empresa de janeiro de 2024 que
"não existe energia 'limpa' ou 'suja'".
"Trump está enchendo
seu governo de executivos vindos de algumas das maiores empresas de
combustíveis fósseis", escreveu a organização ambientalista Sierra Club em
seu site. "Eles querem afrouxar as regulamentações, reverter o progresso
da energia limpa e destruir nosso planeta para seu lucro."
Ao parabenizar Trump por sua
vitória em 6 de novembro, Tim Tarpley, presidente da associação comercial
Energy Workforce & Technology Council, disse que previa que o novo governo
agiria rapidamente para aumentar o fracking (fraturamento hidráulico, processo utilizado na extração de
petróleo e gás natural) em terras federais e acelerar as licenças para projetos
de petróleo e gás, inclusive no Golfo do México.
·
Trump vai atacar a energia limpa e os carros
elétricos
Projetos de energia
renovável e veículos elétricos (EVs) também estarão na mira de Trump em
janeiro. O republicano está tentando reverter regras federais para reduzir as
emissões de gases de veículos e conceder bilhões em créditos fiscais ao
consumidor para projetos de energia limpa e carros elétricos.
As medidas foram aprovadas
por Biden em 2022 como parte da Lei de Redução da Inflação (IRA), e podem ser
desidratadas a despeito das dezenas de milhares de novos empregos criados
nos últimos anos por projetos de energia limpa e veículos elétricos.
Analistas do setor, no
entanto, apostam que não será tão fácil para Trump seguir com estes planos.
Alguns dos fundos já estão investidos em projetos em todo o país – operações de extração de lítio na Califórnia, fábricas de painéis
solares no Texas e fábricas de baterias e carros elétricos na Geórgia. E
apesar das críticas dos republicanos à legislação, os empregos contam com algum
apoio bipartidário.
Quase 60% dos projetos de
energia limpa anunciados desde 2022 estão em distritos congressionais
republicanos, de acordo com um relatório de setembro de 2024 da E2, uma
organização sem fins lucrativos que defende políticas econômicas ambientais –
em estados como Geórgia, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Michigan, Arizona
e Indiana, que ajudaram a eleger Trump. Espera-se que esses projetos
acrescentem mais de 400 bilhões de dólares (R$ 2,4 bilhões) ao produto interno
bruto dos EUA nos próximos anos.
Destacando o crescimento da
energia renovável em lugares como China, Índia e Brasil, Cleetus disse que
qualquer reversão das disposições da IRA seria "destrutiva" e
arriscaria "deixar os EUA para trás nessa revolução global de energia
limpa", com cadeias de suprimentos sendo estabelecidas em outros lugares.
"Acho que haveria muita
oposição de entidades estaduais e locais, de empresas e de trabalhadores",
disse ela.
<><> Problemas
climáticos cada vez mais difíceis de ignorar
Embora a série de mudanças
sob Trump tenha alarmado os especialistas ambientais, Cleetus disse que isso
não acontecerá da noite para o dia. "Há muitas coisas que não podem ser
desfeitas apenas com o toque de uma caneta", afirmou ela, citando o
complexo processo regulatório e administrativo, além dos desafios legais.
"Podemos esperar que as vias legais sejam muito acessadas durante o
governo Trump."
E mesmo com Trump planejando
uma série de ordens executivas em seu primeiro dia, que não exigiriam aprovação
do Congresso, a legislação ou os desafios legais poderiam atrasar a entrada em
vigor.
"O clima agora se
tornou uma questão de primeira linha na diplomacia global", disse a
especialista, apontando os laços cada vez mais complexos com questões
comerciais, de segurança e econômicas. "Muitos países em desenvolvimento,
países de baixa renda, estão enfrentando impactos absolutamente catastróficos
das mudanças climáticas. Portanto, os EUA terão dificuldade em separar seus
interesses geopolíticos do clima."
Fonte: Jornal GGN/DW
Brasil
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