Bebidas alcoólicas
deveriam ter alerta de câncer como cigarros, diz autoridade de saúde dos EUA
A principal
autoridade em saúde pública dos Estados Unidos recomendou,
nesta sexta-feira (03/01), que bebidas alcoólicas devem incluir
advertências de risco similares às que estampam os rótulos de cigarros.
O comunicado do
cirurgião-geral dos EUA, Vivek Murthy, pontuou que novas pesquisas associam o
consumo dessas bebidas a sete tipos de câncer, afirmando que
"a maioria dos americanos desconhece esse risco".
Cerca de 100 mil
casos de câncer e 20 mil mortes anualmente nos EUA são causadas pelo álcool,
diz o documento.
Murthy também
propôs reavaliar os limites indicados para o consumo de álcool e ampliar as
ações educativas sobre os riscos de câncer associados às bebidas alcoólicas.
O cirurgião-geral,
principal porta-voz do governo federal em questões de saúde pública, disse que
o álcool é a terceira causa mais comum de câncer evitável, atrás do tabaco e da
obesidade.
"A relação
direta entre o consumo de álcool e o risco de câncer está bem estabelecida para
pelo menos sete tipos de câncer, independentemente do tipo de álcool consumido
(cerveja, vinho ou destilados)", afirma o comunicado.
Isso inclui maior
risco de câncer de mama, garganta, fígado, esôfago, boca, laringe e cólon.
<><> Mais
países adotam rótulos de advertência
O relatório aponta
que os profissionais de saúde devem encorajar as triagens para identificar
pessoas que possam estar consumindo álcool em excesso e fazer encaminhamentos
para tratamento quando necessário, além de reforçar iniciativas de
conscientização.
Atualmente, os
rótulos de advertência obrigatórios indicam que mulheres grávidas não devem
consumir álcool devido ao risco de animalias congênitas. Também alertam que
"o consumo de bebidas alcoólicas prejudica sua capacidade de dirigir um
carro ou operar máquinas, além de poder causar problemas de saúde".
Nas últimas duas
décadas, países têm introduzido cada vez mais rótulos de advertência para
informar consumidores sobre os riscos à saúde relacionados ao álcool.
O relatório Global Status Report for Alcohol and
Health,
da Organização Mundial da Saúde (OMS), citado no comunicado de Murthy, apontou
que 47 países membros exigiam avisos de saúde e segurança em rótulos de bebidas
alcoólicas em 2018, contra 31 em 2014.
A Irlanda é o
primeiro país do mundo a exigir um alerta ligando qualquer nível de consumo de
álcool ao câncer. A partir de 2026, será obrigatório que todas as garrafas de
bebidas alcoólicas na República da Irlanda tragam essa advertência.
A Coreia do Sul
também exige advertências específicas sobre câncer em bebidas alcoólicas.
Nos EUA, o
Congresso precisa aprovar alterações nos rótulos de advertência, que não são
atualizados desde 1988. Não está claro se a administração Trump apoiaria a
mudança proposta por Murthy.
Muitos países
também revisaram os limites recomendados de consumo após novos estudos
apontarem que nenhuma quantidade de álcool é segura para beber.
O Canadá, por
exemplo, revisou sua recomendação de quase duas doses por dia para duas por
semana no ano passado.
Nos EUA,
recomenda-se no máximo duas doses por dia para homens e uma para mulheres. No
Reino Unido, o limite é de 14 "unidades" de álcool por semana – cerca
de seis taças de vinho ou seis pints de cerveja.
As ações de
empresas de bebidas alcoólicas listadas nos EUA – incluindo a Diageo, maior
fabricante de destilados do mundo – caíram até 4% após o anúncio.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) alterou
a regra para a rotulagem nutricional de alimentos em 2020.
Desde então, todo
fabricante que vende produtos com alto teor de açúcar adicionado, sódio e
gorduras saturadas tem de fornecer essa informação na frente da embalagem, na
forma de uma lupa. Na parte de trás da embalagem, é obrigatória a declaração de
açúcares totais ou adicionados.
Isso vale para
todos os alimentos e bebidas, com exceção das alcoólicas, que têm a tabela
nutricional voluntária e estão liberados para declarar apenas o valor
energético total do produto.
¨ Qual o risco real de beber álcool?
No passado, várias
pesquisas sugeriram que o consumo moderado de algumas bebidas alcoólicas, como
vinho tinto, poderia ser bom para a saúde. Mas isso mudou,
segundo um documento recente da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Agora, a OMS
considera que não há nível seguro para a saúde no consumo de álcool.
O programa de rádio The
Food Chain, do serviço mundial da BBC, analisou os riscos e benefícios de
beber.
<><> Câncer
e mortes
O consumo de álcool
contribuiu em 2019 para 2,6 milhões de mortes em todo o mundo, de acordo com um
relatório da OMS divulgado em junho.
Dessas, estima-se
que 1,6 milhão de óbitos foram por doenças não transmissíveis, incluindo
474.000 mortes por doenças cardiovasculares e 401.000 por câncer.
Cerca de 724.000
mortes foram devido a ferimentos, como acidentes de trânsito, automutilação e
violência.
Outros 284.000
óbitos foram relacionados a doenças transmissíveis — por exemplo, já foi
provado que o consumo de álcool aumenta o risco de transmissão do HIV através
de sexo desprotegido e também o risco de infecção por tuberculose, ao suprimir
algumas reações do sistema imunológico.
O álcool causa pelo
menos sete tipos de câncer, incluindo de intestino e mama.
Uma análise feita
pela OMS descobriu que até mesmo o consumo leve e moderado de álcool, definido
como menos de 1,5 litro de vinho, menos de 3,5 litros de cerveja ou menos de
450 mililitros de destilados por semana, é perigoso.
As novas diretrizes
da OMS afirmam que não há uma quantidade segura e que o "risco para a
saúde de quem bebe começa na primeira gota de qualquer bebida alcoólica".
Tim Stockwell, cientista
do Instituto Canadense de Pesquisa sobre Uso de Substâncias, está convencido
sobre a importância do alerta da OMS.
“O álcool é
essencialmente uma substância de risco, e o risco começa assim que você começa
a beber.”
Ele fez uma análise
de 107 artigos científicos e concluiu que não se pode afirmar que o consumo
leve do álcool é seguro. No estudo, o consumo leve foi definido como de uma
bebida por semana (> 1,30 g de etanol/dia) a duas bebidas por dia (< 25 g
de etanol/dia).
Stockwell argumenta
que pesquisas com metodologia ruim vinham sustentando a ideia de que o consumo
moderado de álcool é saudável.
Mas nem todo mundo
acha que os riscos do álcool devem ser motivo de tanta preocupação.
"Eu realmente
não entendo essa obsessão em tentar entender os riscos de beber uma ou duas
doses por dia", argumenta o professor David Spiegelhalter.
Ele é professor
emérito de estatística na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e explica
como podemos dar sentido ao risco.
"Não existe um
nível seguro de direção. Não existe um nível seguro de vida, mas ninguém
recomenda a abstinência. Precisamos analisar a balança entre benefícios e
danos."
Spiegelhalte é
cético quanto à nossa capacidade de estimar os riscos com precisão.
"Acho que
deveríamos aceitar que as pessoas bebem por um motivo, que é gostar."
Garantindo que não
faz parte do lobby pró ou contra o álcool, Spiegelhalter conta por que gosta de
beber moderadamente.
"Risco
significa diminuir a expectativa de vida média em pelo menos 1%."
"Ao longo de
cinquenta anos bebendo, uma dose razoável por dia tiraria seis meses da sua
vida ou quinze minutos de cada dia."
Spiegelhalte
defende que até mesmo assistir TV uma hora por dia ou comer sanduíche com bacon
duas vezes por semana também trazem riscos à saúde.
Stockwell também
gosta de sua dose de bebida e não necessariamente defende a abstinência.
"Se você acha
que o álcool é uma coisa maravilhosa e prazerosa, precisa considerar o
equilíbrio disso com os pequenos riscos à sua saúde", diz o cientistas.
<><> Queda
no consumo
Dados da OMS também
revelam que o consumo anual de álcool per capita diminuiu ligeiramente no mundo
— de 5,7 litros em 2010 para 5,5 litros em 2019.
Os homens consomem
em média 8,2 litros em comparação com 2,2 litros por mulheres em um ano.
Alguns como Anna
Tait, 44 anos, que mora em Berkshire, na Inglaterra, estão desistindo
completamente do álcool.
"Eu não diria
que bebia muito, mas muito toda sexta-feira. Eu ficava ansiosa para abrir
algumas cervejas, tomar gin depois do trabalho e então rapidamente passar a
dividir uma garrafa de vinho com meu marido", diz Tait.
O mesmo padrão se
repetia no sábado.
Tait percebeu então
que estava bebendo nas quintas e domingos também.
Porém, no início
deste ano, ela começou a treinar para uma maratona e seu treinador a apoiou a
desistir do álcool.
Seu marido também
está fazendo musculação e ambos conseguiram cortar seu consumo de álcool.
"Foi uma
mudança tão grande. Eu me sinto mais forte e melhor", diz Tait.
Mas ela conta que,
quando estão em encontros sociais, seus amigos ficam um pouco decepcionados
quando percebem que ela e o marido não vão se juntar para beber.
Amelie Hauenstein,
da Baviera, na Alemanha, também desistiu de beber.
"Percebi que
eu não tinha uma noite divertida quando não bebia", conta a jovem de 22
anos.
"Eu queria
parar porque é muito ruim acordar no domingo e não saber o que fez no dia
anterior", diz Hauenstein, demonstrando estar feliz com o progresso que
fez.
Fonte: BBC News
Brasil
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