terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Bebidas alcoólicas deveriam ter alerta de câncer como cigarros, diz autoridade de saúde dos EUA

A principal autoridade em saúde pública dos Estados Unidos recomendou, nesta sexta-feira (03/01), que bebidas alcoólicas devem incluir advertências de risco similares às que estampam os rótulos de cigarros.

O comunicado do cirurgião-geral dos EUA, Vivek Murthy, pontuou que novas pesquisas associam o consumo dessas bebidas a sete tipos de câncer, afirmando que "a maioria dos americanos desconhece esse risco".

Cerca de 100 mil casos de câncer e 20 mil mortes anualmente nos EUA são causadas pelo álcool, diz o documento.

Murthy também propôs reavaliar os limites indicados para o consumo de álcool e ampliar as ações educativas sobre os riscos de câncer associados às bebidas alcoólicas.

O cirurgião-geral, principal porta-voz do governo federal em questões de saúde pública, disse que o álcool é a terceira causa mais comum de câncer evitável, atrás do tabaco e da obesidade.

"A relação direta entre o consumo de álcool e o risco de câncer está bem estabelecida para pelo menos sete tipos de câncer, independentemente do tipo de álcool consumido (cerveja, vinho ou destilados)", afirma o comunicado.

Isso inclui maior risco de câncer de mama, garganta, fígado, esôfago, boca, laringe e cólon.

<><> Mais países adotam rótulos de advertência

O relatório aponta que os profissionais de saúde devem encorajar as triagens para identificar pessoas que possam estar consumindo álcool em excesso e fazer encaminhamentos para tratamento quando necessário, além de reforçar iniciativas de conscientização.

Atualmente, os rótulos de advertência obrigatórios indicam que mulheres grávidas não devem consumir álcool devido ao risco de animalias congênitas. Também alertam que "o consumo de bebidas alcoólicas prejudica sua capacidade de dirigir um carro ou operar máquinas, além de poder causar problemas de saúde".

Nas últimas duas décadas, países têm introduzido cada vez mais rótulos de advertência para informar consumidores sobre os riscos à saúde relacionados ao álcool.

O relatório Global Status Report for Alcohol and Health, da Organização Mundial da Saúde (OMS), citado no comunicado de Murthy, apontou que 47 países membros exigiam avisos de saúde e segurança em rótulos de bebidas alcoólicas em 2018, contra 31 em 2014.

A Irlanda é o primeiro país do mundo a exigir um alerta ligando qualquer nível de consumo de álcool ao câncer. A partir de 2026, será obrigatório que todas as garrafas de bebidas alcoólicas na República da Irlanda tragam essa advertência.

A Coreia do Sul também exige advertências específicas sobre câncer em bebidas alcoólicas.

Nos EUA, o Congresso precisa aprovar alterações nos rótulos de advertência, que não são atualizados desde 1988. Não está claro se a administração Trump apoiaria a mudança proposta por Murthy.

Muitos países também revisaram os limites recomendados de consumo após novos estudos apontarem que nenhuma quantidade de álcool é segura para beber.

O Canadá, por exemplo, revisou sua recomendação de quase duas doses por dia para duas por semana no ano passado.

Nos EUA, recomenda-se no máximo duas doses por dia para homens e uma para mulheres. No Reino Unido, o limite é de 14 "unidades" de álcool por semana – cerca de seis taças de vinho ou seis pints de cerveja.

As ações de empresas de bebidas alcoólicas listadas nos EUA – incluindo a Diageo, maior fabricante de destilados do mundo – caíram até 4% após o anúncio.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alterou a regra para a rotulagem nutricional de alimentos em 2020.

Desde então, todo fabricante que vende produtos com alto teor de açúcar adicionado, sódio e gorduras saturadas tem de fornecer essa informação na frente da embalagem, na forma de uma lupa. Na parte de trás da embalagem, é obrigatória a declaração de açúcares totais ou adicionados.

Isso vale para todos os alimentos e bebidas, com exceção das alcoólicas, que têm a tabela nutricional voluntária e estão liberados para declarar apenas o valor energético total do produto.

¨      Qual o risco real de beber álcool?

No passado, várias pesquisas sugeriram que o consumo moderado de algumas bebidas alcoólicas, como vinho tinto, poderia ser bom para a saúde. Mas isso mudou, segundo um documento recente da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Agora, a OMS considera que não há nível seguro para a saúde no consumo de álcool.

O programa de rádio The Food Chain, do serviço mundial da BBC, analisou os riscos e benefícios de beber.

<><> Câncer e mortes

O consumo de álcool contribuiu em 2019 para 2,6 milhões de mortes em todo o mundo, de acordo com um relatório da OMS divulgado em junho.

Dessas, estima-se que 1,6 milhão de óbitos foram por doenças não transmissíveis, incluindo 474.000 mortes por doenças cardiovasculares e 401.000 por câncer.

Cerca de 724.000 mortes foram devido a ferimentos, como acidentes de trânsito, automutilação e violência.

Outros 284.000 óbitos foram relacionados a doenças transmissíveis — por exemplo, já foi provado que o consumo de álcool aumenta o risco de transmissão do HIV através de sexo desprotegido e também o risco de infecção por tuberculose, ao suprimir algumas reações do sistema imunológico.

O álcool causa pelo menos sete tipos de câncer, incluindo de intestino e mama.

Uma análise feita pela OMS descobriu que até mesmo o consumo leve e moderado de álcool, definido como menos de 1,5 litro de vinho, menos de 3,5 litros de cerveja ou menos de 450 mililitros de destilados por semana, é perigoso.

As novas diretrizes da OMS afirmam que não há uma quantidade segura e que o "risco para a saúde de quem bebe começa na primeira gota de qualquer bebida alcoólica".

Tim Stockwell, cientista do Instituto Canadense de Pesquisa sobre Uso de Substâncias, está convencido sobre a importância do alerta da OMS.

“O álcool é essencialmente uma substância de risco, e o risco começa assim que você começa a beber.”

Ele fez uma análise de 107 artigos científicos e concluiu que não se pode afirmar que o consumo leve do álcool é seguro. No estudo, o consumo leve foi definido como de uma bebida por semana (> 1,30 g de etanol/dia) a duas bebidas por dia (< 25 g de etanol/dia).

Stockwell argumenta que pesquisas com metodologia ruim vinham sustentando a ideia de que o consumo moderado de álcool é saudável.

Mas nem todo mundo acha que os riscos do álcool devem ser motivo de tanta preocupação.

"Eu realmente não entendo essa obsessão em tentar entender os riscos de beber uma ou duas doses por dia", argumenta o professor David Spiegelhalter.

Ele é professor emérito de estatística na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e explica como podemos dar sentido ao risco.

"Não existe um nível seguro de direção. Não existe um nível seguro de vida, mas ninguém recomenda a abstinência. Precisamos analisar a balança entre benefícios e danos."

Spiegelhalte é cético quanto à nossa capacidade de estimar os riscos com precisão.

"Acho que deveríamos aceitar que as pessoas bebem por um motivo, que é gostar."

Garantindo que não faz parte do lobby pró ou contra o álcool, Spiegelhalter conta por que gosta de beber moderadamente.

"Risco significa diminuir a expectativa de vida média em pelo menos 1%."

"Ao longo de cinquenta anos bebendo, uma dose razoável por dia tiraria seis meses da sua vida ou quinze minutos de cada dia."

Spiegelhalte defende que até mesmo assistir TV uma hora por dia ou comer sanduíche com bacon duas vezes por semana também trazem riscos à saúde.

Stockwell também gosta de sua dose de bebida e não necessariamente defende a abstinência.

"Se você acha que o álcool é uma coisa maravilhosa e prazerosa, precisa considerar o equilíbrio disso com os pequenos riscos à sua saúde", diz o cientistas.

<><> Queda no consumo

Dados da OMS também revelam que o consumo anual de álcool per capita diminuiu ligeiramente no mundo — de 5,7 litros em 2010 para 5,5 litros em 2019.

Os homens consomem em média 8,2 litros em comparação com 2,2 litros por mulheres em um ano.

Alguns como Anna Tait, 44 anos, que mora em Berkshire, na Inglaterra, estão desistindo completamente do álcool.

"Eu não diria que bebia muito, mas muito toda sexta-feira. Eu ficava ansiosa para abrir algumas cervejas, tomar gin depois do trabalho e então rapidamente passar a dividir uma garrafa de vinho com meu marido", diz Tait.

O mesmo padrão se repetia no sábado.

Tait percebeu então que estava bebendo nas quintas e domingos também.

Porém, no início deste ano, ela começou a treinar para uma maratona e seu treinador a apoiou a desistir do álcool.

Seu marido também está fazendo musculação e ambos conseguiram cortar seu consumo de álcool.

"Foi uma mudança tão grande. Eu me sinto mais forte e melhor", diz Tait.

Mas ela conta que, quando estão em encontros sociais, seus amigos ficam um pouco decepcionados quando percebem que ela e o marido não vão se juntar para beber.

Amelie Hauenstein, da Baviera, na Alemanha, também desistiu de beber.

"Percebi que eu não tinha uma noite divertida quando não bebia", conta a jovem de 22 anos.

"Eu queria parar porque é muito ruim acordar no domingo e não saber o que fez no dia anterior", diz Hauenstein, demonstrando estar feliz com o progresso que fez.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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