Michael Sean Winters: Por que Trump ganhou,
seu gênio populista e o que isso diz sobre os Estados Unidos
A vitória de Trump foi
o auge de uma variedade de fatores, mas a causa mais óbvia foi sua capacidade
de se apresentar como o antipolítico em um país que odeia políticos. Primeiro,
ele conquistou os políticos do GOP nas primárias, e agora venceu uma eleição
geral contra um político experiente pela segunda vez.
Na Europa, a raiva
populista se concentra em Bruxelas e seus burocratas da União Europeia. Na
América, o alvo é mais diversificado, incluindo as elites culturais e
políticas. Em ambos os casos, o ressentimento dos eleitores da classe
trabalhadora é dirigido àqueles que impõem regras e normas que ignoram os
valores desses eleitores.
Quando desafiado, o
establishment explica que sabe melhor. Seja discutindo os currículos nas
escolas locais, seja lidando com agentes do governo local que aplicam códigos
de negócios ou zoneamento quando uma mãe latina tem um trabalho secundário
administrando um salão de beleza em sua casa, ou todos nós sendo informados de
que nossa economia é a "inveja do mundo", quando não sentimos que há
muito o que invejar quando vamos ao supermercado ou abastecemos o carro, cada
um desses casos é um momento em que a raiva populista nasce.
Trump é um gênio em
explorar o populismo.
Sua habilidade de se
conectar pela televisão, seu estilo de fala sempre confiante (mesmo quando o
que ele diz é uma baboseira), seu punho erguido após a tentativa de
assassinato, tudo isso é evidência desse gênio.
Em 28 de setembro,
Trump assistiu ao jogo de futebol Alabama-Georgia. Uma das primeiras regras das
campanhas é nunca enviar um candidato para um evento esportivo: eles serão
vaiados. Quando ele foi apresentado ao público, todos explodiram em aplausos.
Seja qual for sua opinião sobre o que ele faz com isso, ele tem um dom para se
conectar com os eleitores.
Campanhas
bem-sucedidas não se resumem apenas ao candidato. Elas precisam identificar
eleitores não afiliados ou independentes que possam apoiá-los. Em 2017, o
cientista político Lee Drutman analisou um conjunto robusto de dados para
categorizar eleitores não apenas com base em sua orientação progressista ou
conservadora, mas também se essas inclinações ideológicas se manifestavam em
atitudes sociais ou econômicas.
Drutman identificou
quatro quadrantes de eleitores:
o Aqueles que se identificam como
progressistas em questões econômicas e culturais são a base do Partido
Democrata.
o Aqueles que são conservadores em ambos
os conjuntos de questões são a base do GOP [como o Partido Republicado é
conhecido nos EUA].
o Aqueles que são conservadores em
questões econômicas, mas progressistas em questões sociais — os Michael
Bloombergs do mundo — representam o menor quadrante, com 3,8% do eleitorado.
o Aqueles que são mais conservadores
socialmente, mas progressistas economicamente, constituem 28,9% do eleitorado.
Drutman os chamou de "quadrante populista". Eu os chamo de
"eleitores do Papa Francisco".
Por que o quadrante
populista é tão grande? A globalização criou uma enorme incerteza na política
de muitas nações, mas quando essa incerteza se combina com uma sensação
generalizada de que o status econômico de alguém está declinando, temos uma
receita para um eleitorado que se aquece a um homem forte.
Como Alec McGillis
relatou no New York Times, as pessoas nessas cidades de médio porte que
pontilham o Meio-oeste sabem que seus filhos podem não ter um desempenho tão
bom quanto eles tiveram. Mais do que isso, elas olham pela janela e veem que a
evaporação das oportunidades consumiu toda a sua cidade. Ideias profundamente
enraizadas sobre o sonho americano começaram a morrer. Claro, elas se aqueceram
a alguém que promete fazer a América grande novamente.
Além disso, eleitores
desse quadrante estão cansados de ser informados de que estão do lado errado da
história, de que são ingênuos, de que se não conseguem reconciliar suas
perspectivas econômicas sombrias com evidências de um PIB crescente, a culpa é
deles. Quando levantam a preocupação perfeitamente respeitável de que talvez
não devêssemos ser tão rápidos em destruir normas tradicionais sobre
sexualidade, são chamados de preconceituosos. Eles se perguntam por que alguém
os acusaria de ter "privilégio branco", quando certamente não se
sentem privilegiados.
Dia após dia, viram
que não eram apenas os bispos católicos dos EUA que chamavam o aborto de
"prioridade preeminente" nas eleições. Os democratas lideraram com a
questão, sem reconhecer as objeções morais que até muitas pessoas pró-escolha
têm sobre o tema.
Tudo isso criou a onda
de apoio que tornou possível a vitória de Trump. Um candidato que se conecta
com as pessoas identificou algumas das profundas queixas do eleitorado.
Como observei há
alguns dias, a tarefa imediata da Igreja agora é se levantar em defesa dos
migrantes. Vamos colocar nossa liberdade religiosa contra os bodes expiatórios
de Trump. Duvido que haverá "deportações em massa", assim como na
verdade ele não construiu o muro na última vez, mas ele alegará que está
fazendo isso e as pessoas vão ficar assustadas. Somos comandados pelas
Escrituras Hebraicas, pelos Evangelhos e pelo ensino magisterial a acolher o
estrangeiro, e devemos ser incansáveis nesse esforço.
Há um desafio mais
profundo para a Igreja, um que já mencionei antes, mas que parece ainda mais
difícil após os resultados de terça-feira. A campanha de Trump foi construída
em torno do ressentimento e agora, com sua vitória, a outra metade do país se
sente ofendida.
Como pode a Igreja
pregar seu Evangelho de graça e gratidão em uma cultura definida pelo
ressentimento?
• Podemos sobreviver a outro mandato de
Trump? Por Michael Sean Winters
Estou chocado, mas não
surpreso.
Sabíamos que
aproximadamente metade do país, por várias razões, apoiaria o ex-presidente
Donald Trump. Sabíamos disso. Mas ver a contagem de votos chegando e os estados
no mapa da TV ficando vermelhos torna a realidade muito mais horrível do que o
esperado.
A realidade é a
seguinte: o maior desafio para uma democracia é lidar com um demagogo que
explora com sucesso meios democráticos para alcançar fins antidemocráticos. As
ideias repulsivas de Trump agora têm o peso do endosso popular.
Não acredito por um
segundo que a maioria dos americanos realmente queira ver deportações em massa,
opositores políticos presos ou novos cortes de impostos para bilionários. Mas
eles estavam dispostos a ignorar esses males para apoiar alguém que canaliza
sua raiva, que reacende sua raiva quando ela diminui e que se reveste dela para
realizar coisas verdadeiramente terríveis.
A questão para aqueles
de nós que temem esse resultado é simples: como proteger a democracia?
A separação de poderes
foi criada pelos fundadores para frustrar ambições tirânicas. Ainda não está
claro qual partido controlará a Câmara dos Deputados, mas parece que os
republicanos terão o controle do Senado por uma margem estreita. O poder
constitucional do Senado de recusar a confirmação das nomeações de Trump estará
em jogo e, como observei anteriormente, no caso de nomeações de oficiais
militares, a consequência de uma falha do Partido Republicano em recusar a
confirmação de nomeados perigosos é potencialmente catastrófica. Nada é mais
assustador do que ver o exército dos EUA sendo politizado.
A terceira instância
do governo, o Judiciário, pode ser a barreira mais importante contra o poder de
Trump. A decisão da Suprema Corte no caso Trump v. United States concedeu ampla
imunidade a um presidente, mas esse caso foi amplamente teórico e não foi tão
prejudicial quanto alguns analistas alarmistas afirmaram.
Quando a questão se
tornar concreta, e os juízes tiverem um caso em que normas democráticas
essenciais estejam em jogo, não vejo o Presidente da Suprema Corte, John
Roberts, nem a juíza Amy Coney Barrett sacrificando a democracia. Se, por
exemplo, Trump realmente agir contra Liz Cheney, não acredito que a Suprema
Corte o apoiará.
A democracia não diz
respeito apenas a colocar limites ao exercício do poder. Trata-se de valores, e
de um valor específico: a dignidade humana. A democracia concede um voto a cada
pessoa. Ninguém possui mais valor inerente do que outro. De fato, as limitações
ao poder do governo foram projetadas para garantir a liberdade dos indivíduos e
grupos para se autogovernarem na maioria das áreas da vida social. Democracias
saudáveis honram a dignidade de todos os cidadãos, não apenas nas urnas, mas
também no código tributário, na distribuição de benefícios governamentais, nas
proteções para os enfermos e idosos, nas leis contra a discriminação e nos
subsídios para ampliar as oportunidades.
Conforme nos
preparamos para o retorno de Trump à Casa Branca, há grupos específicos cuja
dignidade está ameaçada e que merecem nossa proteção. Aqui, a Igreja pode
desempenhar um papel especial. Imigrantes estarão aterrorizados. Trump já foi
explícito sobre seu desejo de deportações em massa. A Igreja Católica tem
defendido seu mandato bíblico e doutrinal de proteger os migrantes e já
processou governos estaduais que tentaram obstruir nossos ministérios aos
migrantes. A Conferência dos Bispos Católicos dos EUA deve começar a preparar
documentos para combater qualquer esforço de deportação em massa em nível
nacional.
As consequências para
a política climática são desastrosas e potencialmente irreversíveis.
Provavelmente, há
muito pouco que se possa fazer para salvar a dignidade humana e a liberdade do
corajoso povo da Ucrânia. Ninguém está mais feliz com o resultado da eleição do
que o ditador russo Vladimir Putin. Trump afirmou que trará paz à Ucrânia em um
dia. Isso pode ser uma afirmação absurda, mas é duvidoso que ele mantenha o
nível de apoio à Ucrânia que Biden deu. O governo ucraniano precisa pensar
sobre qual seria a opção menos terrível.
Os aliados dos Estados
Unidos irão tremer com esse resultado, e parte de nosso ethos democrático
implica promover a democracia no exterior.
"A grande maioria
do público francês preferia Kamala Harris, e a vitória de Trump assusta o
establishment político," disse-me Antoine de Tarle, colaborador da revista
católica francesa Etudes, via e-mail. "Uma das principais razões para essa
reação é a Ucrânia. O país está próximo às fronteiras francesas e a maioria das
pessoas teme um acordo entre Trump e Putin que ameace vários membros da União
Europeia, incluindo Polônia e os Estados Bálticos."
De Tarle também se
preocupa com as consequências da vitória de Trump para a política francesa.
"O Rassemblement National, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen,
sempre apoiou Putin e Trump, mas seus líderes sabem que essa posição não é
popular e evitam o tema," disse ele. "Contudo, eles poderiam mudar
sua postura em caso de uma vitória de Trump."
O Partido Democrata
precisa agora começar uma profunda reflexão. Isso é assunto para outro dia.
A palavra que continua
surgindo em minha mente é "catastrófico". A nação está irada, e a ira
encontrou seu campeão. Infelizmente, o povo americano fez desse campeão a
pessoa mais poderosa do mundo. As consequências previsíveis são aterrorizantes.
As consequências imprevisíveis podem ser ainda piores. Sobrevivemos a um
mandato. Podemos sobreviver a um segundo?
• Com a vitória de Trump, a Europa está
por conta própria?
A mensagem de Mark
Rutte para o presidente eleito dos EUA foi bastante direta. O novo
secretário-geral da Otan foi um dos primeiros líderes a parabenizar Donald
Trump por sua vitória. "Estou ansioso para trabalhar com ele novamente
para promover a paz por meio da força através da Otan", disse Rutte em um
comunicado.
Em seguida, ele
rapidamente enfatizou que "por meio da Otan, os EUA têm 31 amigos e
aliados que ajudam a promover os interesses dos EUA, multiplicar o poder
americano e manter os americanos seguros". Uma sugestão fácil de
interpretar sobre o que Washington ganha ao se manter comprometida com a
aliança e sua cláusula de defesa mútua.
Rutte é considerado um
"encantador de Trump" – alguém que sabe como lidar com ele, como
bajular seu ego. Como primeiro-ministro holandês, Rutte conseguiu evitar que
Trump bloqueasse uma cúpula da Otan em meados de 2018, elogiando a conduta do então
presidente dos EUA em pressionar os aliados a gastar mais em defesa.
Atualmente, dois
terços dos membros da Otan gastam pelo menos 2% de seu PIB em defesa, e os
gastos com defesa estão em uma trajetória ascendente em toda a aliança,
salientou Rutte em sua declaração.
<><> Uma
abordagem transacional para a Otan
Mas é incerto se isso
é suficiente para Donald Trump ou se a estratégia de Rutte dará certo desta
vez. Trump já deixou claro várias vezes que não acredita no valor da aliança em
si. Sua abordagem sobre a Otan é mais transacional.
Na campanha eleitoral,
Trump indicou que permaneceria na aliança desde que os países europeus
"jogassem limpo" e parassem de tirar "vantagem" dos gastos
em defesa dos EUA.
Parece improvável que
Trump retire os EUA da Otan, mas há muitas outras maneiras de prejudicar a
aliança. Trump poderia, por exemplo, retirar os EUA do comando militar – foi o
que a França fez em 1966.
Um governo Trump
"poderia tornar a vida na Otan bastante difícil, já que é uma organização
que faz tudo por consenso", disse Ian Lesser, do German Marshall Fund, um
think tank transatlântico, à DW.
<><> Trump
vai abalar a Otan?
Para Lesser, se o
maior membro contribuinte da Otan "não concordar ou tiver opiniões
excêntricas, isso tornará a gestão das relações da aliança muito, muito
difícil". Esse é um grande problema, especialmente agora, com uma guerra
em andamento na Europa.
Trump prometeu acabar
com a guerra da Rússia contra a Ucrânia em 24 horas. Muitos na Europa temem que
ele possa fazer um acordo com o líder russo, Vladimir Putin, às custas da
Ucrânia ou, pelo menos, que ele possa reduzir o apoio dos EUA a Kiev.
Por exemplo, Trump
poderia reduzir o fornecimento de armas à Ucrânia ou "instruir os serviços
militares e de inteligência americanos a interromper o compartilhamento de
informações com a Ucrânia", avalia Jacob Kirkegaard, membro do think tank
Bruegel, à DW. Isso poderia ter implicações de longo alcance para a guerra da
Ucrânia.
A ajuda dos EUA à
Ucrânia tem sido crucial, lembra Steven Blockmans à DW. E o pesquisador sênior
do Centro de Estudos de Política Europeia, em Bruxelas, avalia que os europeus
não poderiam substituir esse apoio.
"Apesar de toda a
conversa na Europa sobre a criação de mais autonomia estratégica", disse
Blockmans, "na verdade, a dependência dos EUA cresceu – tanto em termos de
segurança quanto de comércio". Uma possível guerra comercial com os EUA é
certamente outra fonte de preocupação para os europeus, já que Trump, durante a
campanha, ameaçou impor tarifas sobre todos os produtos importados do exterior.
• Pedidos por mais soberania europeia
E será que o resultado
das eleições nos EUA poderia acelerar a busca por mais autonomia e unidade na
União Europeia (UE)? O presidente francês, Emanuel Macron, parece acreditar que
sim. Após a eleição nos EUA, Macron disse que ele e o chanceler federal alemão,
Olaf Scholz, queriam "trabalhar em prol de uma Europa mais unida, mais
forte e mais soberana nesse novo contexto".
Muitos no Parlamento
Europeu parecem concordar. "Temos que investir de fato na competitividade
e na soberania industrial e tecnológica da Europa", disse à DW Sven
Mikser, ex-ministro do Exterior da Estônia e atual eurodeputado. "Nós
realmente temos que ser sérios."
<><>
Populistas europeus encorajados por Trump
Os especialistas, no
entanto, estão céticos. "Uma coisa é falar sobre autonomia estratégica em
um sentido aspiracional", disse Ian Lesser, do German Marshall Fund.
"Outra coisa é operacionalizar. Isso envolve a reconstrução da capacidade
de defesa europeia de uma maneira que pode levar muitos anos."
O debate sobre
fortalecer a soberania europeia acontece enquanto o continente já enfrenta
volatilidade econômica, declínio da competitividade e – além de tudo isso – a
ascensão da extrema direita.
Não é de surpreender
que os partidos nacionalistas e populistas do continente, revigorados pelas
recentes eleições europeias e nacionais, não vejam a necessidade de mais
autonomia.
A vitória de Trump
pode não ter chocado a Europa. Mas, como Steven Blockmans apontou, isso não
significa que "não será um período caótico".
Fonte: National
Catholic Reporter/DW Brasil
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