Aquecimento global pode levar o semiárido
brasileiro à seca extrema
A negligência na
incorporação de estratégias de adaptação ao aquecimento global na gestão de
recursos hídricos pode levar à seca extrema o semiárido brasileiro. É o que
indica um estudo recente publicado na revista Diálogos Socioambientais. A
pesquisa, conduzida por membros do Laboratório Interdisciplinar Sociedades,
Ambientes e Territórios (LISAT) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), destaca que, embora as políticas de gestão hídrica tenham avançado na
convivência com o clima semiárido, elas ainda ignoram os riscos adicionais
trazidos pelas mudanças climáticas.
O estudo, intitulado
“A emergência da incorporação das Mudanças Climáticas na gestão de bacias
hidrográficas do Semiárido Nordestino”, integra o dossiê Desastres e Adaptação
da revista. Focado nas duas principais bacias hidrográficas da região – Rio
Piancó-Piranhas-Açu e Rio São Francisco –, o artigo expõe a necessidade urgente
de incluir medidas de adaptação climática nos planos de gestão. Enquanto o Rio
Piancó-Piranhas-Açu banha os estados da Paraíba e Rio Grande do Norte, o Rio
São Francisco atravessa Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe,
sendo crucial para a sustentação de várias atividades econômicas e sociais.
O semiárido
brasileiro, que abrange mais de 85% do território nordestino e parte de Minas
Gerais, sofre com uma das maiores vulnerabilidades hídricas do país. A baixa
precipitação anual e o planejamento deficiente acentuam as dificuldades da
população local, refletidas em desafios econômicos, sociais e ambientais. Os
pesquisadores alertam que, com as mudanças climáticas, esses riscos tornam-se
ainda maiores. “A gestão nas bacias avançou consideravelmente, possibilitando
uma melhor convivência com o clima semiárido, suas variabilidades e com as
secas. Contudo, as mudanças climáticas acrescentam novos riscos”, afirmam. Eles
enfatizam que, sem ações planejadas, a escassez de água na região pode se
tornar mais crítica.
• Seca
Durante a análise dos
Planos de Recursos Hídricos das bacias hidrográficas, os autores observaram uma
abordagem insuficiente das mudanças climáticas. Embora os planos mencionem a
questão, falta uma proposta clara e eficiente de adaptação. Segundo os pesquisadores,
a ausência de uma política coordenada e integrada para a adaptação climática
pode comprometer a segurança hídrica da região, aumentando o risco de desastres
naturais e intensificando as dificuldades em períodos de seca.
Essa situação, dizem,
impacta especialmente a agricultura familiar e a pecuária, principais fontes de
sustento para as comunidades rurais. “A escassez hídrica leva à perda de
produção e limita a capacidade de subsistência dessas comunidades, aumentando a
vulnerabilidade social e econômica”, pontuam.
• Medidas sugeridas
O estudo também sugere
medidas concretas para proteger as bacias do Rio Piancó-Piranhas-Açu e do Rio
São Francisco, incluindo iniciativas de saneamento básico, recuperação de áreas
de mata ciliar e nascentes, além de estratégias para melhorar a qualidade da
água. “Se não houver uma resposta eficiente para minimizar esses riscos, a
escassez de água se tornará mais crítica, afetando diretamente a segurança
hídrica e a sustentabilidade ambiental das principais bacias”, alertam os
pesquisadores.
Teixeira, doutor em
Estudos Urbanos e Regionais pela UFRN, e Dias, doutorando no mesmo programa,
juntamente com Andrade, graduanda em Gestão de Políticas Públicas, ressaltam a
importância de ações coordenadas e do compromisso governamental para evitar uma
crise de proporções ainda maiores. O apoio que receberam do LISAT reforça o
papel da academia em influenciar políticas públicas para uma adaptação
climática eficaz.
¨ "Ações no Cerrado são urgentes porque o que resta é muito
pouco", diz especialista
Membro da Academia
Brasileira de Ciências e uma das autoridades de referência sobre o Cerrado, a
professora da Universidade de Brasília Mercedes Bustamante reconhece avanços no
controle do desmatamento do bioma. Mas considera a situação ainda preocupante,
a demandar ações “urgentes”.
A especialista
acredita que a solução para mitigar as agressões ambientais passa por um
conjunto de ferramentas. É preciso fortalecer a atuação de estados e de
municípios na defesa do meio ambiente. No caso específico do Cerrado, a
especialista defende incentivos para que proprietários rurais desmatem porções
menores do bioma, abaixo do permitido pelo Código Florestal.
<><> Leia,
a seguir, os principais trechos da entrevista:
·
Em relação ao
desmatamento e emissão de gases poluentes, como a senhora enxerga a situação
atual?
Os dados que saíram
recentemente, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
mostram uma redução do desmatamento na Amazônia. O Inpe monitora aquilo que a
gente chama de corte raso — remoção completa ou quase completa de uma área de
vegetação —, e eles mostram uma desaceleração do desmatamento no Cerrado.
Mas, infelizmente, o
desmatamento ainda está em um patamar muito alto, tanto na Amazônia, com cerca
de 6 mil km² quadrados, e no Cerrado, com cerca de 8 mil km². No caso do
Cerrado em particular, considerando um bioma que já perdeu 50% da sua
cobertura.
Então, aqui realmente
as ações são muito urgentes, porque o que resta já é muito pouco.
·
É mais importante ver
o filme do que só a fotografia…
O filme significa o
que nós já perdemos, então coloca ainda um peso maior na conservação dos
remanescentes.
Eu tenho sempre muito
cuidado também ao colocar que nós ainda temos 50% do Cerrado, porque não
significa que esses 50% estão em condições ideais. Nós estamos perdendo grandes
áreas contínuas, ficam pequenos fragmentos, degradados.
A própria conservação
dos 50% que permanecem é um ponto de preocupação também. 2024 foi um ano
complicado, nós tivemos queimadas, incêndios florestais de grande
extensão. Aquilo que não foi convertido, mas apresenta um processo de
degradação.
·
Fala-se muito que o
Cerrado é resiliente, mas chega uma hora que a resiliência chega ao fim…
Esse é um ponto
importante. Ele tem uma resiliência, mas essa resiliência depende também de que
fatores estressantes para o bioma não estejam presentes.
A situação que nós
observamos hoje é que, além do desmatamento e da degradação, nós vemos a
transformação que a própria mudança climática global vem causando no
Cerrado.
Ele vem enfrentando
múltiplas fontes de estresse e a resiliência também tem um limite, né? Chega um
ponto em que você não tem mais a capacidade de recuperação do sistema.
·
O que poderia ser
feito?
O primeiro ponto,
efetivamente, é frear o desmatamento. Não é só o desmatamento ilegal. A gente
precisa frear o desmatamento sem adjetivos, porque, pelo Código Florestal, pela
Lei de Proteção da Vegetação Nativa, há a possibilidade de autorizar até 80% de
conversão em propriedades privadas. Significa que a gente tem que considerar
“bom, será que eu posso autorizar menos, porque a situação hoje já está muito
crítica?”. Se nós continuarmos permitindo legalmente a supressão de vegetação
no patamar de 80%, não vai sobrar Cerrado.
·
O governo apontou que
as queimadas deste ano foram em propriedades privadas. Existe, então, uma
questão de titularidade?
O Cerrado tem uma
característica complexa, é um desafio. É a questão fundiária. Na Amazônia, a
maior parte das terras são da União. A Amazônia tem uma extensão grande de
chamadas “áreas não destinadas”, que a União pode destinar para a unidade de
conservação.
Mas, no Cerrado, a
maior parte da posse da terra é privada. Então a União tem pouco espaço, mas
poderia apoiar a criação de novas unidades de conservação. Isso significa que,
aqui, o processo tem que ser efetivamente de concertação e de conciliação entre
o uso da terra e a conservação. Sem conservação, a gente não vai ter
agricultura.
·
Qual seria o conjunto
de ações para frear o desmatamento do Cerrado?
Um caminho é
fortalecer os órgãos estaduais de meio ambiente, porque são eles que fazem a
autorização dos estados. (É importante) que eles tenham 40%, porque a sua
propriedade já está numa bacia muito degradada, muito desmatada, e a gente
precisa conservar esses fragmentos”.
E ao mesmo tempo, para
o proprietário que diz “bom, eu não vou aproveitar 30% da minha a propriedade
que eu poderia. Qual é o incentivo que eu posso ter a mais para conseguir
manter isso?”.
·
A União Europeia
decretou que, a partir de 2025, haverá maiores restrições aos produtos de
exportação do agro brasileiro. Qual é a saída?
Essas restrições já
vêm sendo faladas há muito tempo. Precisamos ter a perspectiva de que isso
virá. Para as grandes empresas, elas começam a ver um risco reputacional
de ter seus produtos associados a um mercado consumidor que demanda cada vez
mais rastreabilidade, sustentabilidade e que suas cadeias estejam associadas a
uma produção que não respeita direitos humanos, meio ambiente, etc.
Sempre digo, é
importante separar o joio do trigo. Quem está produzindo bem, que incentivos
ele vai receber, que apoio ele vai ter nessas negociações?
·
Existem dúvidas até
mesmo na União Europeia.
Acho que eles
perceberam que nem eles estavam preparados para isso. Como eles fariam esse
processo de auditoria no que era produzido? Não é trivial. Mas, por outro
lado, o adiamento não significa que isso não tenha que ver. Nós ganhamos
um tempo, né? É importante usar esse tempo com sabedoria, fazer uma preparação
e levar uma argumentação clara do Brasil.
Quando a gente fala do
setor da agricultura, conheço muitos que estão ali tentando efetivamente fazer
bem feito, lidar com cadeias ilegais, porque é muito difícil você ficar do lado
da legalidade se tem alguém que está produzindo de forma que não é correta e
não tem que pagar todos os custos que você tem por estar na
legalidade. Dentro do próprio setor, essa diferenciação precisa estar
esclarecida.
·
É preciso mostrar,
também, que produzindo de forma sustentável, isso também gera um valor agregado
maior…
Exato. Quem se
beneficia disso é a própria sociedade e a população brasileira. É pela saúde
dos brasileiros. Nós podemos estar em um ambiente mais conservado, de ter
direito a um alimento também de qualidade.
·
Há um consenso de que
houve avanços na agenda ambiental em 2023. Este ano, esse avanço continuou, ou
paramos?
Considero 2023 um
período de retomada, de reconstrução. Mas, por todas as razões que conhecemos,
esse processo tem uma velocidade que talvez não fosse aquela que inicialmente
prevíamos. Havia todo um aspecto de recuperar conselhos ambientais, legislação,
programas.
E em 2024 vieram
efetivamente os eventos extremos. Essa é uma mensagem importante para todos os
países. Eles (os desastres climáticos) estão aí, e quando eles vêm, têm um
impacto econômico muito grande. Você vê um estado como o Rio Grande do
Sul: a recuperação não vai ser trivial. Talvez tenha saído das manchetes agora,
mas os problemas continuam lá. Gravíssimos.
·
Estamos mais próximos
do ponto de não retorno?
O Acordo de Paris
colocou estabilizar o aumento da temperatura em 1,5ºC até 2100. Veja, retomar o
patamar pré-Revolução Industrial não está nesse mapa. A gente está falando de
uma estabilização do aumento da temperatura.
Mesmo assim, com o que
hoje tem na mesa, colocado pelos países de promessas, a gente não chega a
1,5ºC. A gente está acima, com 2ºC para 3ºC. São questões que a gente tem que
efetivamente observar o que pode ser feito no momento. A gente já tem um conjunto
de soluções que podem ser empregadas e muitas delas envolvem o setor de uso da
terra, a questão da conservação biológica, a questão das práticas sustentáveis
na agricultura.
·
A etapa de transição
já passou…
Sim. A resposta tem
que ser muito rápida na redução das emissões. Na linguagem do clima, nós
chamamos a redução das emissões é a mitigação. E tem o que chamamos de
adaptação. Mas a adaptação também tem limites, né? Por exemplo, a nossa
capacidade de tolerar aumento da temperatura. Fisiologicamente é
limitada.
A gente morre de
calor. Ondas de calor vão ser um problema muito grande no Brasil. Isso é um
limite, não tem como. Para outros setores, por exemplo, com o aumento do
nível do mar, há um limite para adaptação. Quanto que eu vou tolerar para as
cidades litorâneas, se no Brasil a gente tem uma concentração enorme de grandes
cidades no litoral. Se não vier muito bem casada a redução das emissões,
até a adaptação vai ficar muito difícil.
·
E como a gente lida
com isso?
A sociedade civil, as
organizações, as empresas, tudo isso faz parte do que a gente chama de
governança ambiental, que é mais do que o governo. Esses setores têm que
começar a ter uma pressão maior sobre essa necessidade, para que a atuação e a
vontade política se manifestem de forma mais contundente.
É importante lembrar
que se o Brasil faz o seu papel, o mundo inteiro é beneficiado, porque a
atmosfera é um bem comum global. Mas se a gente faz adaptação aqui no Distrito
Federal, não resolve o problema do Rio de Janeiro. Adaptação é uma questão
local.
O governo federal tem
um papel importante, sim, de articulação, de financiamento, de mostrar
caminhos, mas estados e municípios vão ter que se organizar para
isso.
·
Qual o papel da
universidade no enfrentamento das tragédias climáticas?
Elas são as
instituições que geram a maior parte do conhecimento científico no Brasil e têm
trabalhado muito fortemente na agenda climática também. Elas têm um papel,
também, nos caminhos de apontar para adaptação. São elas que formam
professores.
Se nós queremos
professores que consigam trabalhar nas escolas sobre educação climática, eles
serão formados dentro das universidades. Mas elas têm um papel também muito
importante no processo de transformação ecológica do Brasil.
Muitas áreas do
conhecimento ou profissões talvez terão um papel menos relevante no futuro, e
novas profissões vão surgir dentro desse quadro de transformação ecológica.
Quem vai formar ou recapacitar esses novos profissionais? Serão as
universidades.
Fonte: TVT
News/Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário