Golpes, ingerência norte-americana e análises equilibradas
Desde
o final do século XIX, especialmente a partir da Guerra Hispano-Americana,
deu-se o que Moniz Bandeira chamou de “formação do império americano”. Nesse
sentido, a América Latina – inicialmente, a América Central e o Caribe na
primeira metade do século XX e, depois, a América do Sul a partir do
pós-Segunda Guerra Mundial – formaram a ponta de lança da hegemonia dos EUA na
ordem internacional liberal até o momento atual, constituindo-se em sua zona de
influência por excelência. Isso levou a um histórico de ingerências
norte-americanas que variaram desde intervenções diretas pela ação dos marines em
países centro-americanos e caribenhos, como Honduras, Nicarágua e Cuba, nas
primeiras décadas do século passado; passando pelo financiamento e treinamento
a grupos paramilitares para sufocar os movimentos de libertação nacional na
Nicarágua e em El Salvador na década de 1980 (o que ficou claro no famoso caso
Irã-Contra); chegando aos apoios indiretos a golpes civis-militares nos países
da América do Sul, especialmente no Cone Sul entre os anos 1960 e 1970 (Ayerbe,
2002).
Esse
breve repasso histórico permite observar que, mesmo no século XX – período
da Pax Ammericana –, as relações entre EUA e América Latina
são complexas e multifacetadas, apresentando variações tanto históricas (as
diferentes etapas de influência da grande potência sobre as economias e
políticas domésticas ao longo do continente), quanto geográficas (assumindo
diferentes formas de acordo com as sub-regiões latino-americanas: América
Central, Caribe, México, região andina e Cone Sul). Por outro lado, se já naquele
momento havia uma complexidade inerente às relações hemisféricas, no século
XXI, com as modificações na ordem internacional pós-Guerra Fria, a emergência
de novos atores sociais nos países latino-americanos e as modificações na
maneira de influenciar os aspectos internos dos países da região, a situação
passa a demandar esforços ainda mais minuciosos de análise.
Demonstração
disso é a metamorfose que a influência norte-americana na área de segurança
nacional tem se dado desde a década de 1990: inicialmente focada na
militarização da segurança pública (particularmente no que tange o combate às
drogas e à migração indocumentada), a partir do governo de Barack H. Obama
(2009-2017), passa a figurar uma “intervenção branda” por meio de programas de
assistência socioeconômica e de projetos para canalização de investimentos
diretos.
Essa
complexidade histórica nas relações entre EUA e os países da América Latina –
que inclusive é expressa teoricamente nas diferentes categorizações criadas
pelos autores que se dedicam a estudar esse processo – precisa estar no centro
de qualquer análise que busque uma compreensão mais aprofundada sobre o
conteúdo das relações continentais. Assim, diante de uma situação como a suposta tentativa de golpe militar na Bolívia de 2024, é preciso ter uma compreensão acurada sobre o papel político
que os EUA desempenham na região, a fim de identificar – com dados concretos –
a existência ou não de uma ingerência norte-americana, sem aderir a qualquer
discurso apressado sobre interesses que os EUA teriam na produção de lítio boliviano. Nesse sentido, existem alguns pontos que devem ser enfatizados
na produção de qualquer análise sobre influência estadunidense na região.
Em
primeiro lugar, se entendermos a atuação norte-americana como uma forma de
imperialismo inclusive no século XXI, é preciso que se tenha em mente do que se
trata uma relação imperialista. Ao invés de significar a mera extração de
recursos naturais para o centro desenvolvido por meio de uso da força ou de
fomento a golpes militares – o que também é feito –, trata-se de um fenômeno
ligado fundamentalmente à transferência de capitais excedentes de uma economia
capitalista avançada para uma zona periférica. Por sua vez, isso ocorre de
diferentes formas, como explicado por Rosa Luxemburgo: comércio desigual,
exploração de recursos naturais, endividamento de países de baixa renda e
administração colonial. Portanto, se assumimos que a relação entre EUA e América
Latina se enquadra no fenômeno do imperialismo, é preciso compreender que ele
se manifesta de diversas formas, não apenas por meio do fomento a golpes
militares. A transferência de recursos financeiros para forças de segurança, a
formação de elites governamentais ou do Judiciário, bem como a criação de
projetos de desenvolvimento socioeconômico podem ser consideradas manifestações
desse imperialismo.
Em
segundo lugar, é preciso lembrar também que a influência norte-americana na
região, além de segmentada em diferentes setores (segurança nacional, economia,
meio ambiente, dentre outros), tem sido operada por formas cada vez mais
veladas, ainda mais em sociedades mais complexas como as sul-americanas. Nesse
ponto, vale destacar o conceito de “operações políticas” desenvolvido pelo
economista político William I. Robinson para tratar da ingerência estadunidense
desde a década de 1980 no sentido de fomentar processos de democratização em
países periféricos (Robinson, 1996). Cada vez mais, tem-se a atuação de órgãos
de Estados voltados especificamente para a influência do programa político de
grupos da sociedade civil, além das atividades de think tanks sediados
nos EUA e em países da região e que servem de espaço de articulação e formação
de quadros políticos para atuação nacional na América Latina.
Por
fim, cabe mencionar aquilo que Alain Rouquié afirmava já na década de 1970 ao
tratar da projeção de segurança nacional dos EUA nos regimes militares
sul-americanos: não se pode considerar as forças armadas (e outros grupos
conservadores) na região como meros representantes dos interesses dos tomadores
de decisão de Washington. Em primeiro lugar, porque existem limitações e
constrangimentos na capacidade norte-americana de manobrar esses atores
políticos e sociais. Ademais, eles estão ligados a contextos sócio-históricos
mais amplos de seus países, tendo suas motivações explicadas por seu processo
de formação política. Assim, compreender fenômenos do conservadorismo
latino-americano, como a tentativa de golpe na Bolívia, a eleição de Javier
Milei na Argentina ou a ascensão do bolsonarismo no Brasil, passa por
interpretar os sentidos da realidade política, social e econômica desses
países, tendo em perspectiva que a influência norte-americana, conquanto possua
um papel de grande importância no desenrolar desses fenômenos, constitui uma
dentre diversas variáveis existentes.
Portanto,
compreender a realidade atual da América Latina enquanto região com alguns
traços em comum entre as diferentes sociedades aí existentes, bem como as
realidades de cada caso particular, inclui uma compreensão das formas
históricas como a hegemonia norte-americano tem se manifestado. Mais do que
isso, é preciso lembrar que cada país é constituído por um processo de formação
histórica marcado por contrastes, tensões e complexidades que precisam ser
exploradas para, a partir daí, encaixar corretamente o papel que a influência
norte-americana possui em cada conjuntura específica.
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Clima, fome, inovação
digital: encontro faz prévia para apontar soluções a serem discutidas no G20
O
Rio de Janeiro sedia entre os dias 1° a 3 de julho a reunião do T20, grupo
formado por think tankers que pensam e discutem soluções para situações que
ocorreram ao longo dos anos. A ideia é pensar em soluções que serão revisitadas
pelo G20 em novembro deste ano, também no Rio.
O
evento reúne membros do T20 Brasil e a comunidade do G20, a fim de apresentar
novas ideias de colaboração para a Cúpula do G20. Entre os participantes
estavam Francisco Gaetani, secretário Extraordinário para a Transformação do
Estado no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Brasil; e
Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda
brasileiro.
Durante
sua fala, que fez parte do painel que discutiu a transformação digital
inclusiva, o secretário destacou a necessidade de as nações seguirem inovando
sem danificar suas regiões, tendo sempre como foco a melhor solução.
"Os
desafios aqui expostos resumem a necessidade de melhorar a vida de todos. […]
Os desafios da presidência [brasileira] já mostraram que é possível inovar e
chegar no maior número de pessoas possível. Daqui em diante é pegar o bastão e
seguir inovando", pontuou o Gaetani.
Helena
Tenório, diretora de recursos humanos, tecnologia e operações do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pontuou que "o governo tem
um papel para desenvolver na transformação digital".
Segundo
a diretora de RH do BNDES, é um trabalho que custa, mas que é necessário que o
governo brasileiro entenda o papel que tem a desenvolver nisso.
"É
algo que depende de muitas nuances. Mas também é algo que o governo [federal]
tem um papel para desenvolver", refletiu sobre a inovação inclusiva.
Gaetani,
inclusive, citou o uso do Pix como exemplo de inovação.
No
painel que teve a reforma da arquitetura financeira internacional como foco,
Tatiana Rosito destacou alguns pontos:
"Estamos
com dificuldades no mundo em desenvolvimento: o clima [problema climático e
mudanças], além da fome que ainda assola", disse.
Rosito
fez ainda uma crítica, afirmando que "é mais fácil falar do que
fazer", ao mencionar a necessidade do grupo do G20 focar na evolução dos
desafios globais com o intuito de mudar a arquitetura financeira.
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China desbanca EUA e
se torna principal comprador de alimentos chilenos
A
China desbancou os Estados Unidos e se tornou o principal destino das
exportações de alimentos chilenos no mundo, informou nesta terça-feira (2) a
direção geral do órgão que promove exportações no Chile.
"Entre
janeiro e maio deste ano, a China consolidou-se como o principal destino das
exportações alimentícias chilenas, deslocando os Estados Unidos para o segundo
lugar", afirmou a agência chilena responsável pela promoção das
exportações.
Com
dados do Serviço Nacional de Aduanas, foi revelado que dos US$ 9,95 bilhões (R$
56,27 bilhões) que o Chile vende em produtos alimentícios aos diversos mercados
do globo, US$ 2,56 bilhões (R$ 14,52 bilhões) foram comprados pela China e US$
2,43 bilhões (R$ 13,78 bilhões) pelos norte-americanos, que historicamente
lideram esse quesito no Chile.
A
ProChile explicou que o principal impulso foi dado pelas cerejas chilenas, já
que, até agora neste ano, a China comprou US$ 1,81 bilhões (R$ 10,25 bilhões)
do produto, concentrando 90% das exportações da fruta.
O
valor das vendas para a China representou um aumento de 16,6% em relação ao
período entre janeiro e maio de 2023, e a previsão é que nos próximos anos os
envios ao país asiático, principalmente de cerejas, continuem aumentando,
sobretudo a regiões do interior da China, como Chengdu, e da costa oriental,
como Xangai.
A
China é o principal parceiro comercial do Chile: em 2023 as exportações
chilenas para o gigante asiático totalizaram US$ 37,4 bilhões (R$ 211,7
bilhões), concentrando 39,4% das exportações nacionais, sendo o cobre, o lítio
e os produtos agrícolas os mais vendidos.
Fonte:
Por João Estevam dos Santos Filho, no Le Monde/Sputnik Brasil
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